O livro Código Da Vinci de  Dan Brown

 

Conspirações, mistério e aventura sempre aguçaram a curiosidade do público e renderam bons livros.

 

Poderíamos dizer que é esse o caso do Código Da Vinci, escrito por Dan Brown, que já foi traduzido para 42 países, com mais de 15 milhões de exemplares vendidos e com promessas de virar um filme em breve, a exemplo de outros best sellers.

 

Seria assim se não fosse um pequeno/grande detalhe: o livro, sob uma capa de ficção com base em pesquisas, levanta uma série de questionamentos e inverdades sobre o cristianismo.

 

Mesmo que as teorias infundadas não sejam novidades ( são precursores, entre outros, Holy Blood, Holy Grail, The Templar Revelation ), falar, e mal, da Igreja sempre rende audiência.

 

Resumindo muito brevemente: o livro trata da morte misteriosa do curador do Louvre, que pertencia ao Priorado de Sião, uma sociedade secreta, e guardava o segredo do Santo Graal e de mensagens cifradas sobre o assunto que estariam nas obras de Leonardo Da Vinci. Este não seria um cálice ( como se buscava na Idade Média ), mas a própria Maria Madalena, que teria casado com Jesus e constituído uma linhagem carnal. A partir deste assassinato se desenvolve toda a trama.

 

Levando em consideração que o assunto é tema de muitas conversas e está estampado em todas as livrarias, a PUC – Rio ( Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro ) promoveu, no início do mês, um encontro para debater o livro, tendo como palestrantes o Padre Jesus Hortal, Reitor da Universidade, o professor de História da UFF ( Universidade Federal Fluminense ), Marcelo Timótheo da Silva, e Vera de Souza Lima, professora do departamento de Letras da PUC.

 

As posições do livro atingem o cristianismo como um todo e vêm sendo refutadas por meio de várias publicações, ao mesmo tempo em que vários sites trazem depoimentos de pessoas que dizer ter descoberto “as verdades” após a leitura do livro. Mas não há pronunciamentos oficiais sobre o assunto.

 

Sobre isso Padre Hortal explica que “se fôssemos publicar um comunicado sobre cada livro, cada artigo que se escreve dizendo barbaridades, não faríamos outra coisa. Mas autores católicos e protestantes têm publicado livros ( citei quatro na minha apresentação ), mostrando todas as contradições e todos os absurdos de Dan Brown”.

 

Como um bom filão editoral, talvez tanto quanto os livros de auto-ajuda, tentar desmistificar a fé tem se tornado um “argumento” comum dos tempos modernos.

 

“É o grande problema. Questiona-se a fé da Igreja e acredita-se em qualquer charlatão que aparece, sem nenhuma prova. Veja que o livro, o romance, não tem nenhuma nota de pé de página, nenhuma citação, nada que seja verdadeira prova. Chuta, dizendo: a maior parte dos historiadores, os grandes pesquisadores ... Quais ? Ele não apresenta nenhum e esse é realmente o truque dele ...”, diz o reitor.

 

Para o professor Marcelo Timótheo da Silva, o livro “é uma ficção que se apresenta com estatuo de verdade histórica”. O professor disse que o autor deturpa algumas fontes, diz meias verdades ou mentiras inteiras, fala de muitas fontes mas não cita nenhuma. “Ele diz que a aceitação oficial dos 4 Evangelhos se deu com Constantino, no Concílio de Nicéia, em 325; na verdade, o Cânon de Muratori, em mais ou menos 180 dC, já afirmava a aceitação dos 4 Evangelhos”, contesta Marcelo.

 

Vera de Souza Lima lembrou que a literatura é um espaço da ficção e o compromisso da ficção é com a verossimilhança, não com a verdade, e que o livro é um grande folhetim, muito novelesco.

 

Em entrevista ao Cátedra, Padre Hortal esclarece alguns pontos polêmicos da história relatada no livro e ressalta que o problema não é ler ou não o livro, mas sim saber que se trata de uma obra de ficção, não histórica.

 

Cátedra – Apesar de afirmar que o livro é de ficção, o autor ressalta que são usados dados reais, que ele é baseado em estudos e pesquisas. Isso leva a aceitar as suposições feitas como verdades ?

 

Padre Jesus Hortal – O primeiro equívoco é que ele, após os agradecimentos, abre o livro com uma página em que descreve – fatos, simplesmente fatos – como se fossem, portanto pura constatação dos mesmos. No livro ele escreve assim: fatos – “o priorado de Sião, sociedade secreta européia, fundada em 1099, existe de fato. Em 1995, a Biblioteca Nacional de Paris descobriu pergaminhos conhecidos como os dossiês secretos que identificavam inúmeros membros do piorado, inclusive Isacc Newton, Boticceli, Victor Hugo e Leonardo Da Vinci”. Bem, isso não é um fato, é exatamente pura invenção. Foi descoberto por um jornalista francês, que fez toda pesquisa anterior, que esses manuscritos, que seriam os dossiês secretos, foram plantados por um indivíduo chamado Pierre Plantard, que é um falsário reconhecido e que, inclusive, fundou o tal do priorado de Sião em 1956. É um engano.

 

Dia ainda: “a prelazia do Vaticano conhecida como Opus Dei é uma organização católica profundamente conservadora, que vem sendo objeto de controvérsias recentes devido a relatos de lavagem cerebral, coerção e uma prática perigosa conhecida como mortificação corporal. A Opus Dei acabou de completar a construção de sua sede em Nova Iorque ao custo de aproximadamente 47 milhões de dólares”. Uma vez mais aqui, ele engana. Primeiro, não é uma prelazia do Vaticano, é uma prelazia pessoal da Igreja Católica, como existem outras circunscrições eclesiásticas. Uma prelazia pessoal, prevista no código de direito canônico. Se fala que tem uma direção conservadora ? Isso, dentro do que é católico cabe perfeitamente. Ninguém pode colocar em dúvida a catolicidade dele. É uma organização não secreta, pode-se inclusive, ver na internet a página deles. [1] E a questão da mortificação corporal é uma tradição da penitência católica desde os primeiros séculos ... As afirmações que o livro faz sobre o assunto não tem nada de objetivo, são uma caricatura. Que construiu uma sede em Nova Iorque? Sim, como tantas ordens e organizações religiosas construíram ...

 

Terceira coisa que ele coloca nessa página de fatos: todas as descrições de obras de arte, arquitetura, documentos e locais secretos neste romance merecem comentários. Aqui ele faz uma afirmação absolutamente falsa. Por exemplo, na arquitetura ele chuta que as catedrais góticas foram construídas pelos templários. Os templários não tinham igrejas próprias fora de alguns pequenos lugares. As grandes catedrais góticas foram construídas pelas dioceses. Você percorre França, Espanha ... A descrição que ele faz está errada, como está também quando faz uma descrição da catedral gótica como se fosse uma reprodução do útero feminino. Não tem a mínima semelhança. Se pode pegar uma planta, normalmente a catedral gótica tem uma nave central com duas naves laterais e não tem nenhuma forma que possa, nem de longe, lembrar o útero feminino.

 

Quanto às obras de arte, por exemplo, o próprio Leonardo Da Vinci, quando começa a descrever a Última Ceia, comete uma série de erros graves. Fala primeiramente que seria a instituição da Eucaristia, não é . A cena está retratando o momento em que Jesus diz “um de vocês me vai entregar”. Por isso tem de um lado três apóstolos levantando a mão “será que sou eu?” , como diz a descrição do Evangelho, e Pedro, que está se inclinando sobre João, falando ao ouvido. Também quando descreve a Madona dos Rochedos, comete um erro gravíssimo ao trocar os papéis de São João e Jesus ... Os documentos do chamado priorado de Sião não são históricos, são uma falsificação já no século XX, então começar por dizer fatos é já um engano tremendo.

 

 

( a íntegra da desta matéria pode ser encontrada na edição do Jornal O Testemunho da Fé, caderno especial Educação & Cultura, edição nº 42/344, 12 a 18 de setembro de 2004, pág. 1; reportagem de Renata Rodrigues e colaboração do Pe. Leandro Cury )

 

 

 

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[1] Mais sobre o  OPUS DEI veja : www.feth.ggf.br/Mistério.htm e www.feth.ggf.br/Mistério2.htm