Caro leitor, cara leitora

 

O que se segue é um texto datado, com oito anos, tendo por base uma viagem a Cuba há dez anos atrás. A intenção de sua apresentação é de servir como uma referência, entre tantas, na discussão sobre comunismo e Cuba.

 

A queda do comunismo: um olhar para Cuba

 

Prof. Helio de Araujo Evangelista

www.feth.ggf.br

 

Palestra proferida em novembro de 1995 no curso pré-vestibular para negros e carentes do Núcleo do Bairro de Coelho da Rocha, São João de Meriti ( RJ ). Gravada pelos alunos e editada pelo Walter Vídeo Art. O convite foi motivado pela minha ida a Cuba em fevereiro de 1993.

 

Fala gravada na fita do coordenador da Geografia do Curso Pré-vestibular para negros e carentes de São João de Meriti ( RJ ), Prof. Alexandre Luís Gonzaga Madeira.

 

 

O pré-vestibular para negros e carentes nasceu na Bahia a partir de reflexões de entidades negras que visavam criar um instrumento de conscientização, valorização e apoio aos negros da periferia de Salvador pois chegou-se à conclusão que o negro estava excluído do acesso à universidade. Percebeu-se mais tarde que não era somente os negros, mas todos os pobres em geral. Na baixada fluminense surgiu a partir de duas constatações : 1º,  péssima qualidade do ensino do 2º grau, o sistema quer consciente, ou inconscientemente, eliminar a possibilidade do pobre ( negro ou branco ) ter acesso ao conhecimento acadêmico; 2º,  no último censo, do IBGE, foi divulgado que a população negra no Brasil era de 44 % do total de população brasileira, se não houvesse este sutil racismo, 44 % dos estudantes negros deveriam estar nas universidades.

 

O trabalho é totalmente auto-sustentado, não gerando ônus financeiro para a comunidade, grupo de pessoas, entre outros. Cada aluno contribui com 5 % do salário mínimo, este dinheiro é usado para cópia das apostilas e passagem dos professores. Portanto, quem se dispõe a entrar neste tipo de trabalho não precisa fazer campanhas financeiras entre membros pois os próprios alunos tem assumido com consciência esta parte. Outro aspecto é que com este trabalho combatemos as indústrias de pré-vestibulares que se beneficiam da péssima qualidade de ensino do país cobrando de seus alunos altas mensalidades. A cooperação professores e alunos fazem desses pré-vestibulares espaços alternativos para se discutirem questões que angustiam a sociedade. Para isto foi criada a matéria Cultura e Cidadania. Nesta matéria são debatidas questões como racismo, violência, direitos constitucionais, análise de conjuntura, etc.

 

As pessoas que se dedicam ao  pré-vestibular não recebem qualquer remuneração, é um trabalho de voluntários.

 

A PUC-RJ em apoio a esta experiência concede aos alunos aprovados em seu Pré-vestibular bolsas de estudo integrais até o fim do curso desde que a média seja acima de seis.

 

 

 

Prof. Alexandre Luís Gonzaga Madeira ( em sala de aula )

 

Como nós tínhamos falado com vocês, nós tínhamos convidados o Prof. Helio, lá da UFF, para que falasse aqui sobre sua viagem a Cuba. Ele se colocou disponível e não vai falar só de Cuba mas de todo socialismo em geral. Ele foi a Cuba, então além das leituras, ele pôde ver isto pessoalmente.

 

Prof. Helio de Araujo Evangelista

 

Vou fazer uma apresentação didática. Como se trata de curso pré-vestibular, e este é um tema que pode cair na prova, vou apresentar o tema segundo tópicos. O título da apresentação é – A queda do comunismo: um olhar para Cuba.

 

A minha apresentação terá duas partes. A primeira será sobre a queda do comunismo, um tema bem abrangente, e na segunda será sobre Cuba, mais especificamente um relato sobre  a minha viagem à Cuba em fevereiro de 1993.

 

Na primeira parte não irei abordar o tema da queda a partir de uma indagação sobre as raízes mais profundas desta queda, mesmo porque é um tema ainda pouco compreendido. Como foi possível um sistema com milhões de pessoas ruir sem dar um tiro, sem ter guerra ? Realizarei, a partir desta indagação, uma análise contemporânea, de quinze anos para cá; esta coisa mais profunda, nós podemos abordar nas discussões.

 

Gostaria que se alguém tivesse alguma pergunta durante a exposição que a fizesse. Esta palestra não pode ser vista como oráculo. Pode ocorrer, inclusive, discordâncias ao que aqui vai ser apresentado.

 

Eis os tópicos:

1º ) Movimento Solidariedade da Polônia de Lech Walesa

2º ) A Perestroika e a Glasnost de M. Gorbachev

3º ) A queda do Muro de Berlin

4 º ) A dissolução da União Soviética.

 

Reparem que são quatro tópicos que trazem uma dramaticidade histórica, um conteúdo, uma intensidade verificada num curto espaço de tempo de nossa história.

 

Por exemplo, o movimento de Solidariedade de Lech Walesa nasce e tem corpo na mídia internacional  ao final da década de 70. E exatamente nos últimos anos ( 1978-1980 ) que o movimento criou uma crítica ao governo polonês. Como o governo polonês que tem como marco a ditadura do proletariado, estava às voltas com um movimento de operários ( do porto de Gdansk )? Isto quebrou um certo dogma de que o governo militar no leste europeu era representante da classe operária. O Solidariedade foi um movimento muito forte, ao redor do porto, de modo que se criou um questionamento sério dentro da própria esquerda. Na Polônia, no leste europeu, na URSS e fora. O que aconteceu com aquele governo que não mais absorveria os reclamos, as demandas do operariado. O que aconteceu ?

 

Lembraria para esta parte do desmoronamento do bloco socialista a eleição do Papa. A eleição de Karol Wotyla. Reparem que nós tínhamos na eleição do Papa uma revelação do que se dava na Polônia. A eleição fez com que a Polônia fosse entrevistada, debatida, conhecida. Como um país da Cortina de Ferro, oficialmente ateu, tem uma ambiência religiosa de modo a ter um Papa ? Na história polonesa percebe-se claramente a marca da religião católica. Como este fenômeno pôde resistir durante dezenas de anos aquele bloco de poder político dominante?

 

Há um movimento próximo entre Solidariedade e a eleição do Papa. Não podemos pensar que houve uma eleição maquiavélica, elegendo o Papa, pois assim ... A coisa não é tão imediata... há um processo profundo que ocorre na Polônia e no próprio leste europeu que gera o Solidariedade. É como se fosse um curso subterrâneo que vai aflorando. O primeiro afloramento da crise foi o Solidariedade.

 

Aluna – A Igreja não teria agido politicamente ?

 

Prof. Helio de Araujo Evangelista

 

Veja só, sendo o governo polonês um governo do operariado, a demanda deste último deveria ter sido absorvida. Você só compreende o movimento de resistência do Solidariedade ou melhor só pode compreender porque este surgiu porque o governo polonês estava descolado de sua base nacional, ou seja, a Polônia era um satélite da União Soviética. Nós percebemos este meandros da relação com a URSS quando focalizamos Cuba. Ai veremos como isto toma forma ...

 

Uso esta linguagem panfletária ( satélite ) pois ajuda a esquematizar a idéia que quero passar.

 

Verificamos o segundo afloramento da crise, a Perestroika e a Glasnost. Podem ser vistos como um segundo afloramento. Um projeto do governo soviético, dos anos 1985-1986, no qual são implementados uma abertura econômica e uma abertura política do país.

 

Ele procura romper um determinado imobilismo que havia no governo soviético. Ele procura estar mais afeito às mudanças que ocorriam. Um parêntese, o que ocorre hoje na nossa economia ? Há ainda a intervenção do Estado ? O que vocês vêem hoje ?

 

Aluno – O Brasil está mudando ...

 

Prof. Helio de Araujo Evangelista

 

Está ou não está mudando ... Vejam só, hoje em dia não é mais possível ficar fechado. Há tantos meios de acesso como computadores, satélites, de modo que cada vez mais as nações ficam interagidas. Isto não veio do céu . É um processo lento, que hoje se acelera. Naquela época, já percebia isto Gorbachev, e viu a necessidade de abrir o quadro político soviético. Você já tinha isto no Brasil, mas nós não percebíamos, era o cruzado, intervenção do Estado. Agora não, a situação é outra.

 

Havia a necessidade de se alterar o quadro político soviético sem o qual ela poderia ser ultrapassada por nações mais emergentes, como o Japão e a Alemanha. Até então o mundo estava bipolarizado entre EUA x  URSS, mas estes pólos estavam sendo ultrapassados não militarmente mas tecnologicamente e economicamente.

 

Aluno – Mas com esta mudança temos a entrada do capitalismo na URSS.

 

Prof. Helio de Araujo Evangelista

 

Isso, mas você não pode entrar com o capitalismo, abrir franquia, ...  agora há a loja Mac Donald em Moscou, se não ocorrer uma liberalização política. Pois uma ditadura tem intervenção, controle, você normatiza  ... As empresas exigem uma certa transparência ... Se não houver isto as empresas vão para outro lugar.

           

Para se absorver esta nova onda é necessário um novo padrão político. O resultado é a Perestroika e a Glasnost. Uma política, outra econômica.

 

Mas, paralelo a este momento, a esta fase, o que ocorre nos EUA ? Ronald Reagan, aquele cowboy. Ora, qual era o seu grande projeto na época. A guerra nas estrelas .

 

Repare que os EUA têm várias rampas para lançarem ogivas nucleares, além disso há submarinos. Isto também ocorre na URSS, e menos na Europa. Nesta  época que antecede a Perestroika e Glasnost há uma corrida armamentista feroz cujo ponto máximo é a Guerra nas Estrelas.

 

O que era a guerra nas estrelas ?

 

É o seguinte, não instalavam rampas, nem submarinos, mas satélites. Os satélites ficaraiam rondando nossa órbita e assim que fossem diagnosticado o lançamento de qualquer ogiva inimiga, os satélites as fariam explodir com raio laser no próprio país responsável pela ogiva.

 

Mas o projeto era caríssimo. Pois bem, uma situação em que a economia tanto soviética quanto americana perdem espaço para a economia asiática/japonesa e a economia européia/alemã. Elas viam que ou chegavam a um acordo ou percebiam que seriam superadas.

 

O cenário internacional ficou mais complexo. Novos pólos estavam emergindo dada a existência de novas tecnologias. Pois bem, o investimento na arma é um investimento morto. Você compra arma, uma ogiva. “Deixa em casa?”. O que faz disto ?” Aquilo só se justifica em função de um expectativa de guerra. È um investimento morto, o seu gasto não trás um retorno imediato. Ao contrário, por exemplo, de um bem de consumo. A arma, o artefato da arma, não tem no campo econômico o grau de satisfação monetária que tem outros bens. Muito embora no meio da guerra são geradas várias tecnologias.

 

Terceiro afloramento, a queda do muro de Berlin em 1989. Isto aqui é como um castelo de carta. Bate numa carta e o resto cai. A queda do muro de Berlin é um momento simbólico que expressa a insatisfação de todo Leste Europeu.

 

A queda é como a queda da Bastilha da Revolução Francesa. A queda de um muro que dividia a antiga cidade alemã. De um lado, o soviético, do outro as tropas francesa, inglesa e americana. Mas fora do perímetro da cidade você tinha a Alemanha Oriental e  mais além o capitalismo ocidental. O cerco à cidade de Berlin promovida por Stalin ensejou a ponte aérea de apoio à cidade.

 

Estamos num momento do aparecimento de novos governos na Romênia, Yoguslávia, Tchecoslováquia, e por último na própria União Soviética que desapareceu em 1990. Esta diluição é precedida por um golpe militar pelo qual eles tentam, derrubando Gorbachev, recuperar antigas franquias de um governo burocratizante e militarizado, a chamada Nomenklatura.

 

A nomenklatura é uma forma de designar aquele aparelho burocrático-militar. Não havia propriamente uma ditadura do proletariado mas uma burocracia militar.

 

Bom, nós temos aqui quatro grandes fases deste quadro do comunismo. Vamos ver agora Cuba. Vou apagar o quadro.

 

Aluna ( a URSS  ... )

 

Prof. Helio de Araujo Evangelista

 

Na medida que você inicia a abertura, democracia na URSS, o governo americano passa a retardar a aprovação do projeto Guerra nas Estrelas. O projeto continua, mas encontra-se menos acelerado. Atualmente os maiores inimigos dos EUA não estão aqui ( apontando no mapa ) mas sim na Alemanha e no Japão. Os Estados Unidos procuram mostrar ascendência pela via militar. Atualmente a possibilidade dos EUA ir a uma guerra guerra deixa de ter uma lógica ideológica/política e sim comercial. Quais são as principais tendências, vemos que aqueles que não têm gastos militares ( como o Japão e a Alemanha ) vêm tendo considerável destaque no campo econômico.

 

Aluna pergunta ( inaudível )

 

A situação da ex-URSS não é estável. Temos nisto a própria figura do Yeltsin que fica bêbado ... , cambaliando ... Mas isto aí, é expressão que a gerência desta sucata soviética é uma gerência muito dolorosa. No final há um aparelho militar que ainda está eficiente. As ogivas não foram desativadas. Calcula-se hoje 13.000 ogivas sendo que cada ogiva tem um poder superior encontrado em Hiroshima e Nagasaki. O poder de destruição não foi desmantelado. O que foi desmantelado foi a justificativa para acionar este aparelho.

 

Aluno - Esta questão das armas foi um dos motivos para o socialismo ter acabado ?

 

Prof. Helio de Araujo Evangelista– Ah sim.

 

Aluno – Um movimento sem retorno, não investiam em questões sociais  ....

 

Prof. Helio de Araujo Evangelista

 

 Tem um livro de Paul Kennedy – A ascensão e queda das grandes potências – Ele remonta a construção da Europa Ocidental e se indaga por que a Europa em relação à Índia e a China decolou embora a Índia e a China tivessem uma civilização muito mais desenvolvida. Estas não tiveram a projeção que a Europa alcançou. Por que a civilização como a egípcia, capaz de fazer aquelas pirâmides, desapareceu na história ? Por que a Europa ocidental venceu a concorrência com as grandes nações orientais ? Ele ajuda a  compreender esta ascensão e queda do poderio na Europa. Nos séculos XV e XVI, quais eram as nações mais desenvolvidas ? Espanha e Portugal. Quem diria que Portugal dividiria o mundo ? Uma imensa nação. Não foi o chinês que dividiu o mundo.

 

Isto aqui ( apontando no mapa )

 

Depois vem o quê ?

 

Alunos: Holanda, França, Inglaterra vem depois.

 

Prof. Helio de Araujo Evangelista:

 

Ora, Portugal, Espanha, Holanda, França e Inglaterra cresceram e decresceram. A Inglaterra na virada dos séculos XIX e XX tinha um mando no globo excepcional . E ele pensava isto para os EUA. Até na capa do livro de Kennedy, a figura mostra um inglês, um americano e um japonês, sendo que o americano cede espaço ( estando em primeiro ) em favor do japonês.

 

Qual era a tese do livro dele, as oscilações tem uma relação com os gastos excessivos em armas. Chega um momento que para manter uma posição econômica gasta-se tanto em armas que acaba afetando a economia. Para manter suas relações comerciais, autônomas e domínios têm de ter armas. E neste investimento em armas é que vai criar uma economia e um investimento morto.

 

Aluno – ( a produção de armas não significa ... )

 

Prof. Helio de Araujo Evangelista

 

Se a arma é anacrônica por que não abrem mão dela ? Aí entra questões mais profundas relacionadas à natureza humana que tem como marca o ato de guerrear. Por que o ser humano não deixa de guerrear ? Você não conhece um período de 500 anos sem guerra! Por que ? Então, uma nação que tende a um enriquecimento há o receio de que possa ser atacada. Assim, o ato de guerrear passa por um espírito de defesa para manter um domínio.

 

Aluna – Uma garantia

 

Prof. Helio de Araujo Evangelista

 

 Uma garantia, oi ?

 

Aluno – umas das razões da queda foi porque a URSS não tinha um aproveitamento comercial. A URSS sustentou vários países. A URSS não tinha muitos países para comprar produtos.

 

Prof. Helio – Por este ponto eu aproveito para abordar Cuba. Para fechar o assunto da queda do comunismo, lembro o seguinte. Com o mundo bipolarizado, o Japão e Alemanha cresceram sem poder gerar armas, sem ter exército, então, em parte, o que justifica esta situação, tanto alemã, quanto japonesa é o de não ter uma tecnologia militar.

 

Agora tem que ver também a posição geográfica de cada um, ou seja, reparem só, a Alemanha, vizinha da Inglaterra e da URSS, Japão e os seus amigos, a Rússia e a China ...

 

O que acontece com estes dois países no pós-guerra ?  Estes receberam grandes investimentos!

 

Então, eles são proibidos de terem grandes gastos militares, mas a posição que eles ocupam faz com que eles tenham grandes investimentos de fora. Eles se tornam ponto de lança para deter o avanço soviético.

 

Aluna – ( inaudível )

 

Prof. Helio de Araujo Evangelista– há uma corrente no sistema monetário no sentido de quebrar o dólar como referência monetária porque a economia americana ... ( falha na fita )

 

Só para dar um dado, a economia americana no pós-guerra detinha 50% da produção industrial do globo, hoje está em torno de 30%  com tendência da queda.

 

Deste modo, estes dois países ( Alemanha e Japão ) adquirem uma projeção que era impensável há 25 anos atrás.

 

Então, no sistema financeiro, a moeda marco alemão o iene vêm crescendo. Então, hoje vigora uma bolsa monetária na qual há uma média entre as moedas.

 


Um olhar para Cuba

 

 

O que vou falar de Cuba há de ter uma lembrança daquela relação entre o império e sua colônia. A relação econômica entre a União Soviética e Cuba. Como se dava esta postura ?  Pois bem, começando pela viagem !

 

Estava de férias na universidade, então a viagem não foi financiada pela UFF. Na época não era casado então dava para fazer estes devaneios. Então foi possível seguir um curso de Economia Internacional em Cuba através da Universidade Estácio de Sá. Esta universidade tem um convênio muito eficiente com a Universidade de Havana. Lá ficamos duas semanas, o curso era de manhã e a tarde ficava livre o que nos permitia passear e isso conhecer a cidade de Havana, e até a sair dela.

 

O que interessa marcar é que embora a viagem tenha ocorrido em fevereiro de 1993 as informações que trago são válidas. Pois estive com uma pessoa que lá esteve em julho deste ano ( 1995 ) e o que ele relatou não foi muito diferente do que eu vi. Não há assim uma informação devassada.

 

Alguém tem alguma informação de Cuba, ou alguma curiosidade sobre Cuba ?  O que vem logo na cabeça sobre Cuba ?

 

Alunos – Fidel Castro, sua liderança, mudanças culturais, mudanças na infra-estrutura como na saúde, forte participação popular ...( inaudível )

 

Prof. Helio de Araujo Evangelista

 

Há uma questão inicial da relação império/colônia. Só uma observação: estes dois termos são grosseiros servem para ter uma noção básica de como se dava a relação entre URSS e Cuba. Assim trataremos disto, e depois, o que fazer em termos de futuro ?

 

Em vez de tratar em função de fases históricas, faremos a partir de tópicos do que foi visto na viagem. 

 

Bom, uma coisa que chama a atenção em Cuba é a questão do transporte ...Cuba recebia da URSS mais de 10 bilhões de barris de petróleo fornecidos em troca de açúcar. Esta relação não era ditada por uma lógica de mercado. O açúcar de Cuba era sobre valorizado. Por uma questão política de manutenção do regime, o que valia comercialmente, o açúcar, era sobrevalorizado para justificar o envio do petróleo e de outros produtos. Era uma tentativa de constituir em Cuba uma grande vitrine do sistema comunista. Mas havia uma relação desigual. Quando a URSS cai, Cuba vai ter de obter petróleo dentro do preço ditado internacionalmente e com um açúcar desvalorizado, ela não consegue obter a mesma quantidade como tinha no passado e isto trará uma forte retração no campo econômico e isto trás uma retração no sistema de transporte. Na época, foram compradas um milhão de bicicletas na China. Um transporte muito usado em Cuba é a bicicleta. As pessoas, às vezes, gastam 2 a 3 horas andando de bicicletas ( para ir e voltar do trabalho ). O transporte coletivo é o gua-gua que fica sempre super-lotado. Mas os coletivos são degradados e o Estado tem dificuldades para manter a frota.

 

Cuba tem um instinto de defesa muito aguçado. Todos os recursos disponíveis são endereçados inicialmente para o aparelho militar, para manter a máquina de guerra eficiente dada a uma perspectiva de invasão. Cuba cultua muito isso, a perspectiva de vir a ser invadida, de vir a ser objeto de uma invasão americana.

 

Outra coisa em relação ao transporte é o aparecimento de novos carros porque Cuba passa por uma abertura, assim novas empresas estão chegando. Você tem a Bayer, multinacional alemã, você tem hotelaria da Espanha, novos agentes aparecem. Vimos várias pessoas andando de bicicleta, outras no gua-gua, de repente passava um Mercedes. Enfim um contraste.

 

Outra coisa, em relação ao transporte aéreo. Cuba vem sendo muito visitada. Os obstáculos para visita vêm diminuindo. Uma forma como o governo vem arrecadando dólar hoje é através do turismo. De fato, a praia, o lugar é muito bonito. Na volta de Cuba, era de tarde, nós víamos aquelas praia, claras, com um azul impressionante. Aqui no Rio de Janeiro há uma certa beleza em direção a Búzios,  mas lá a água é cristalina, é muito bonito. O clima é muito agradável, não tem o calor como o nosso que nos sufoca, abafa, combinando calor com umidade.

 

Lá o clima é mais prazeroso com uma temperatura mais equilibrada. Então, há uma invasão estrangeira, via turismo, o que cria um impacto no governo socialista.

 

Falamos do transporte, poderíamos falar da comida. Por exemplo, você tem um sistema pelo qual a pessoa ao trabalhar adquire uma cartela que lhe dá direito a uma bolsa alimentar mensal; mas esta bolsa não chega a três semanas. Aí as pessoas procuram o mercado negro. Nesta bolsa você tem direito, por exemplo,  a leite, ovo, carne, ao que é disponível.

 

Ora, para os turistas, temos as tiendas, ou seja, um local que só é possível para quem tem passaporte estrangeiro ou, sendo cubano, tenha laço com o serviço diplomático do governo cubano.

 

Lá tem arroz, feijão .. é um contraste mesmo. O que é interessante é que não pode tirar fotografias. Nós tivemos oportunidade de passar pelos mercados populares onde o trabalhador cubano tem acesso. Olha, tudo vazio, vazio mesmo ! O cara podia ter cartela, com direito a um quilo de algodão ... mas não encontrava.

 

Nas tiendas há vários produtos, o estoque está repleto, é um contraste que bate fundo. Até colegas meus, foi uma turma, e haviam os inflamados com a causa cubana mas ficaram balançados. Não era  aquilo que imaginavam ver.

 

Bom, outro ponto, é a característica militar.

 

Já observei que o governo cubano cultua a expectativa de vir a ser invadido, ele procura manter azeitada a mola de máquina de guerra. E uma coisa que me chamou a atenção, na época, embora o pacto militar URSS e Cuba tenha sido desmantelado ( os últimos soviéticos voltaram para Moscou ), você tem lá um quartel general soviético que indica claramente a existência de dois estados. O estado cubano e o estado soviético militar. Era tipo um departamento de defesa soviética dentro de Cuba. Geralmente os prédios maiores são os que representam mais poder ... Neste caso o prédio não era da nação local mas de outro país.

 

Outro ponto, a questão da bio-tecnologia.

 

Nós tivemos a oportunidade de chegar ao Centro Tecnológico de Havana  que é um centro de excelência a nível mundial. Quem faz tratamento de câncer, lá o serviço é de primeira linha. Uma coisa que nos chamou a atenção ao percorrermos os corredores, tinha um quadro com um lembrete: Professor tal de química estará aqui tal dia. Ocorre, no entanto, que era ganhador de prêmio Nobel. Aí pensava, poxa, se aqui  no Rio de Janeiro viesse um prêmio Nobel tocariam banda no aeroporto ! Lá não, é algo corriqueiro, pertencem a um circuito científico de nível internacional, com tecnologia de ponta .

 

O aparelho de saúde de Cuba é muito eficiente. Eles têm uma preocupação com a questão da saúde, nº de internações ... a eficiência do atendimento é muito grande.

 

Bom, outra coisa que chamou a atenção é a propaganda política. Os cartazes. Uma coisa interessante pois na época estávamos vivendo uma eleição, tanto para a Assembléia Constituinte quanto para a Estatuinte. Cuba tinha várias províncias, então havia eleições para dois níveis. Um local, municipal, para a prefeitura e outro nacional. Só que o número de candidatos era igual ao número de vagas! Isto, na época, era uma celeuma muito grande pois não havia uma eleição e sim um plebiscito ( de aceitar ou não os candidatos ) .

 

Na época, o governo cubano, Fidel Castro principalmente, jogava pesado na televisão e um elemento de aprovação dos candidatos era o slogan Valle Todos, baseado na novela brasileira Vale Tudo com Odete Roittman que fazia maior sucesso  na época.

 

Então, não havia uma discussão política da eleição ... Como tínhamos visto a novela no Brasil, com a Glória Pires, todo mundo nos perguntava quem iria morrer no final. A novela brasileira é muito bem quista.

 

Eles faziam o seguinte: eles quebravam a novela, num dia a novela era brasileira, noutro era mexicana. Mas a novela brasileira despertava mais empatia. Mas havia um incômodo na época, porque havia racionamento de energia na cidade de Havana, ela estava dividida em áreas e chegava  certa hora da noite que eles apagavam as luzes numa área para economizar energia. Havia um certo rodízio, ora uma área, ora outra. Então, quando acontecia de alguém perder a novela por causa do apagón isto criava um drama porque não queriam perder o fio da história.

 

Outro ponto que achei interessante, foi o seguinte: num domingo visitamos um cubano . Conversamos sobre Cuba, ele falou das circunstâncias, não só da vida dele mas também da família. Então, por exemplo, há uma preocupação do governo em não deixar instituir a família, então, por exemplo, quando a criança nasce, após uma certa idade, eles as separam da família e as levam para grandes escolas. Eles evitam a formação de núcleos familiares. Um outro ponto, as relações de casamento, afetivas, etc. são muito fortuitas porque o compromisso não ocorre com uma pessoa, numa relação com o outro, ela ocorre em função de uma circunstância. Não há , propriamente, um desenvolvimento, uma maturação em termos de fortalecer o vínculo das pessoas com relações afetivas, mas sim, principalmente, com um dado compromisso ideológico/político.

 

Agora, não é obrigado a todo cubano ser comunista, nem pertencente ao partido. Mas vimos claramente que há um tratamento diferenciado entre quem está no aparelho, no partido, daquele que não está. Então, o partido passa a ser uma forma de ascensão social. Enquanto que aqui, Brasil, a ascensão passa pelo salário, pelo aumento salarial, lá passa pelas posições que você galgue no partido.

 

Ok ? O que mais ?

 

Vamos ver os slides, as transparências. Trouxe-as na coleção de fotografias. Assim, veremos as transparências e depois passaremos às fotografias.

 

Aluno – O governo cubano apóia ou não a família.

 

Prof. Helio de Araujo Evangelista

 

Pelo que foi visto, há claramente um projeto de não ter esferas adversárias ao seu poder de projeção sobre o indivíduo. Então, por exemplo, a questão ideológica lá é muito séria. Assisti a um palestra que dizia isto, que no caso polonês a religiosidade foi mantida por causa da familiaridade, a malha fundiária polonesa abriga uma grande quantidade de pequenas propriedades. Na pequena propriedade, na família, incluia a religiosidade. Então, por exemplo, no caso cubano, você verifica que a família  cria um âmbito perigoso ao governo pois é um núcleo onde o referencial não é uma proposta política e sim um determinado contexto afetivo no qual se é possível ter outras formas de visão. Assim é a liberdade adquirida na família.

 

Outro ponto, você não tem outra instituição a não ser o partido comunista. Por exemplo, a Igreja Católica, ela é tolerada, embora em 1992, na ECO – 92, foi propalada um visita do Papa à Cuba e esta visita foi encostada pelo governo de Fidel Castro porque ele percebia claramente que Cuba, com suas dificuldades econômicas, não favorecer a todos, mas apenas aos vinculados ao aparelho de estado. As moradias são poucas, alimentação precária, emprego também, conhecemos pessoas bem formadas, com sub-empregos; nosso cicerone, por exemplo, era advogado formado em Moscou. Um cicerone, pelo que ele fez para nós, precisa apenas de 1º grau,  então há uma subutilização muito grande da mão-de-obra lá.

 

Então, voltando, a Igreja Católica é apenas tolerada mas quando ela adquire uma certa expressão ela tende a ser melhor controlada. Soubemos o caso de um cubano formado na Faculdade de Havana que por professar a fé católica não tinha como ascender profissionalmente. Você tem na cidade de Havana uma divisão por gleba, rua, são os Comitês de Defesa da Revolução. Neste comitê de defesa da revolução você tem fichas das pessoas que moram numa dada gleba. Então, por estas fichas, sabem  quem nasceu, a formação, se a pessoa professa ou não uma fé. O cubano, acima mencionado, que conhecemos chegou a uma formação superior mas não conseguiu ter acesso a um melhor emprego dada a sua profissão de fé. Era uma coisa ou outra, ou a fé ou a melhor oportunidade de trabalho. Ele preferiu a fé!

 

Há uma preocupação em não ter elementos anexos ao Estado no campo da formação, seja a família, seja a Igreja católica com catecismo. 

 

Outra coisa me chamou a atenção, foi algo muito forte, a saber: há uma religiosidade muito grande em Cuba. Uma religiosidade gratuita. Eles não tem a expressão de uma fé de forma institucionalizada, de ir à Igreja, de receber uma formação. Eles realizam pequenos cultos entre amigos e lêem o Evangelho.

 

Aluna ( pergunta sobre Fidel Castro )

 

Prof. Helio de Araujo Evangelista

 

Em primeiro lugar tem uma forte liderança num país subdesenvolvido. Em segundo lugar, ele tem uma maestria no jogo da linguagem, sendo que na época da revolução ele falava seis horas seguidas ou mais; numa época precária de comunicação... De modo que seu poder de verbalização era algo próprio da instalação de um poder, no caso comunista. A ciência de usar a palavra, um argumento, a imagem em favor dele. É uma coisa própria dele. São poucos os líderes que tem esta capacidade. Reparem que lá, Cuba, as pessoas não tanto se colocam como socialista mas sim fidelistas. O povo concebem Fidel Castro como um grande pai. Eles não vinculam a dificuldade de alimentação, habitação, transporte, emprego ao Fidel Castro. Ele não é tido como origem disto. O povo entende que aquilo é ocasionado por fatos externos, boicote norte-americano, mas não é culpa de Fidel Castro. Terceiro, Fidel Castro tem, além desta habilidade, além de ser querido, ele tem uma diferença no modo como gerencia o cotidiano cubano e o modo como se apresenta no cenário internacional.

 

Vamos ver as transparências!

 

Esta representa o transporte, os gua-gua ... e um mercedes-benz . Gua-gua é um termo que depende do país. O gua-gua é um transporte coletivo para mais de 100 pessoas . Os carros importados são reservados para pessoas de fora de Cuba, mas há pessoas cubanas enriquecendo em Cuba pois o acesso à liberalização de determinadas atividades são facilitadas desde que a pessoa tenha um bom trânsito no partido.

 

Nesta segunda transparência, há um grande número de bicicletas ... Aqui é o carro Lada, soviético. Aqui é a avenida Beira-Mar, Malecon. Depois da revolução, Cuba não mudou muito. Aqui é a cidade nova, da década de 50 e 60, Cuba não mudou muito, eles pegavam  aqueles casarões e os transformaram em unidades com 5 a 10 famílias.

 

A terceira transparência tem aspectos da viagem, o boteco famoso, La Bodeguita del Médio, bar muito famoso, com visitas de Jane Fonda, Ted Turner, Ernest Hemingway e outros.

 

Aluna – ( sobre expressão cultural da arquitetura )

 

Prof. Helio de Araujo Evangelista

 

Ah sim, há uma arquitetura espanhola do século XVIII, os costumes, há um museu que tem a relação dos presentes que Fidel Castro recebeu de diferentes países. Tem peças muito bonitas. Esta questão cultural em Cuba é muito forte. O povo cubano não é provinciano de forma alguma. Eles têm ciência do que está se passando politicamente no Brasil, Leste Europeu, ex-URSS . O estilo do jornal é internacionalizado.

 

Aluno : O povo tem acesso à informação ?

 

Prof. Helio de Araujo Evangelista

 

Sim, mas a questão mais interna ... política interna não é debatida. Não se tem visões das disputas internas em Cuba.

 

Aluna : ( sobre situação interna de Cuba, inaudível )

 

Prof. Helio de Araujo Evangelista

 

Do que vimos, a situação interna tinha: 1º ) uma preocupação com a morte de Fidel Castro, morrendo Fidel qual é o futuro de Cuba ? O povo tem uma empatia por Fidel Castro muito grande; 2º ) Eles não tem, fora do partido, nenhuma outra alternativa em termos de governo.

 

Aluno : ( inaudível )

 

Prof. Helio de Araujo Evangelista

 

Durante o curso que realizamos em Havana foi afirmado que o Produto Interno Bruto de Cuba equivalia à renda concentrada pelos cubanos nos Estados Unidos. A comunidade cubana que saiu com a revolução cubana e foi para os Estados Unidos com o tempo arrematou uma renda que equivale à riqueza do país Cuba. O que isto representa ? É uma alternativa à Cuba. Este bloqueio à Cuba não é uma questão norte-americana porque Cuba, hoje, é inofensiva. Cuba foi ofensiva em 60. Na época do foco, Tche Guevara morreu aqui, na Bolívia, ele esteve primeiro na África, depois foi para a América do Sul. Marighela foi treinado em Cuba, Lamarca enviou sua mulher e filha para Cuba.

 

Cuba era um perigo nas décadas de 60-70, mas hoje nunca !

 

Você hoje, para invadir Cuba ...  é um sopro ! Só que politicamente isto traria um desgaste e uma comoção que não vale a pena ! A beligerância dos EUA, hoje, não é mais em Cuba,  o Japão é um país que de fato tem uma contenção com os Estados Unidos. Os embates com o Japão ou com a Alemanha, originados pelas diferenças tecnológicas,  trazem muito mais prejuízos que qualquer discurso de Fidel Castro.

 

Aluno : ( inaudível )

 

Prof. Helio de Araujo Evangelista

 

Veja só, então Cuba tem uma saída que não é por esse governo,mas isto não é tão fácil ...  ( fita fica inaudível e há um corte na edição )

 

Há um jornal, o Gramma  . Nele há uma preocupação que não se tenha alterações no estado político interno ... A forma de governo cubano está muito entranhada e o que não seja continuidade passa por uma ruptura que talvez possa ser muito violenta.

 

Prof. Vicente Vaz de França : Helio, a questão de Cuba passa, ao contrário de Leste Europeu, por uma revolução nacionalista porque ... nós vimos um documentário ano passado sobre Cuba e vimos bem claro isto, as pessoas, os mais antigos que chegaram a conhecer o reinado de Batista sabe a facilidade com que Fidel Castro teve, com uma presença muito grande .

 

Esta questão de ideologia que você coloca, fiquei contrariado quando você disse que a saída para a Cuba passaria pelo término do governo de Fidel Castro com abertura de mercado entre haspas a favor do capitalismo. No entanto, a gente vê que esta forma ideológica,  percebemos em dois companheiros cubanos, eles não entenderam pois chegando no Brasil eles ficaram surpresos. Oh país bom ! Oh país maravilhoso ! Quando passaram pelas feiras, viram frutas por todo lado, a “televisão” de cachorro fazendo frango. Eles não entendiam que isso tem no Brasil com uma massa miserável grande. O verdureiro que está vendendo a fruta não tem acesso ao produto. Não vê a grande exclusão que há. As coisas que Velloso mostrou,  pois esteve lá e mostrou  a questão do cidadão bem grande. Você falou do cicerone que era advogado e que era isto ou aquilo mas ao mesmo tempo ele tem formação, tem um contingente de saber muito grande, sabe que tudo que tem é graças à revolução ! Por que meu pai, foi citado o exemplo de um membro de um hotel, ele é formado em 2 ou 3 faculdades. Tudo isto é graças à revolução. O pai dele era bóia-fria, e tudo indica que ele seria bóia-fria também. Eles tem um saber todo graças à revolução que aqui o pessoal só olha para o topo do mundo.

 

Se enterrar Cuba é jogar fora a utopia e achar que não tem jeito. É achar que o dominador tem que dominar mesmo. Isto aconteceu, como exemplo na URSS. Então a saída geral é a máfia, prostituição, são coisas que a gente vê no Brasil. Coisas que aos poucos o regime consegue parar um pouco.

 

Prof. Helio de Araújo Evangelista

 

Olha só. Coloco que a revolução cubana foi socialista, foi, mas deixou de ser ao longo do tempo . Por que ?  Primeira que a revolução cubana não era uma revolução comunista, Fidel Castro quando tomou o poder não se colocou enquanto comunista, foi um movimento que tinha apoio de alguns empresários americanos no sentido de viabilizar a queda daquele governo corrupto de Batista. Só que por tramas políticas, que não dá para abordar neste breve espaço de tempo, Fidel Castro vai se colocando no bloco socialista. Houve momentos de ruptura num movimento macro. Houve um processo interno, vários líderes foram mortos. O movimento da burguesia favorável a ele ficou contrária a ele depois. Foi um processo semelhante a que se deu com Lênin na União Soviética. Há uma frente, atingem o poder e há um processo interno de disputa. Quando houve a instalação do poder  em Cuba, a tentativa era quebrar a grande coluna vertebral da economia cubana que era a economia açucareira. Então havia uma tentativa, por exemplo, de criar um parque industrial para gerar outras alternativas. Ora, isto era até projeto de Tche Guevara que chegou a ser presidente do Banco Central do governo de Fidel Castro. Este projeto não decolou, ai entra aquela combinação do império x colônia, ou seja, você vai verificar que dentro do bloco socialista havia uma divisão social do trabalho não marcada por relações mercantis, sendo os preços marcados por referência comerciais, mas uma relação mercantil pautada por cálculos geopolíticos, por cálculos propagandísticos. Dentro desta divisão social do trabalho Cuba tendo de  produzir açúcar ! É um bom açúcar, de boa qualidade ! Os demais tipos de produção econômica vinham de fora. Tive uma oportunidade de ver uma fábrica de pão, vindo da URSS, que fazia tanto pão que a cada fornada havia produção para seis dias porque a planta industrial adotada não era própria da sociedade cubana. Então você teve uma mazela nesta forma como Fidel de Castro se inseriu neste mundo soviético, este mundo socialista, e que hoje ele paga um preço ! Cuba não alcançou uma situação autônoma, então abre a pergunta: não fez por que não quis ? ou por que não foi possível ?

 

Provavelmente porque não foi possível porque o jogo bi-polar entre USA e URSS era muito pesado. Por que administrar uma economia autônoma de Cuba implicaria uma autonomia deste governo cubano em relação à URSS. Mas será que alguém interviria contra a invasão americana em Cuba ? O que acho importante nesta minha apresentação é não ter em relação à Cuba uma visão preto x branco, pró e contra. O que é importante é nós registrarmos a informação . É desta forma que percebemos diferentes modos de ver o que está ocorrendo hoje !

 

Outra questão sobre a saída de Cuba, não que eu venha aqui com o papel de dizer que seja esta a saída para Cuba, mas o que queria colocar é o seguinte: os cubanos morando nos EUA, os mais velhos não investirão um centavo enquanto Fidel Castro não cair ! O que é interessante, e isto foi colocado no curso é que a classe dirigente intermediária que na época da revolução era pequena ( criança ) e que agora começa a galgar poder, tendo 40-50 anos  não tem esta visão tão bipolarizada, contra ou a favor de Fidel Castro, eles tendem a buscar um acordo, um certo imbrincamento de interesses. Mas há um impasse entre a Cuba/dentro e a Cuba/fora enquanto isto o mundo roda. Ou seja, você tem, por parte do governo cubano, iniciativa de liberar a economia mesmo. Ai entram dois setores fundamentais, um é o turismo, uma economia limpa, que envolve pouco investimento ( é só fazer um hotel, o resto é a natureza ), é marcado por serviço, não precisa ter uma máquina; o retorno se dá rapidamente, não tem muita coisa para amortizar. O segundo setor é o da biotecnologia. Então a saída para Cuba não pode ser visualizada a partir de um prisma onde você tem  a manutenção ou a não manutenção do governo. Além disso, mesmo que Cuba caia a questão socialista não cai. A questão socialista vem de Platão ( A República ), Thomas Moore ( Utopia ), este ideário de uma sociedade igualitária não morre, é inerente à busca por uma sociedade mais justa. O jogo da história é este. É uma trama, bem e o mal, positivo/negativo, individualismo e coletivismo vão interferindo na história.

 

( dirigindo-se para as transparências )

 

Então eu estava assinalando na transparência  para a questão da propaganda, dos cartazes. Aqui embaixo você tem uma região ( a de Valladero ), uma região que só pode entrar turista, cubano não entra,  a menos que pertença ao corpo da diplomacia ou tenha alguma cargo ascendente do partido, ou trabalhe lá . Há construções novas bem impressionantes. Mostra como está jogando pesado nesta área a construção imobiliária.

 

Aluna ( indaga sobre como o povo cubano reage a estas mudanças )

 

Prof. Helio de Araujo Evangelista

 

Você tem que levar em conta a propaganda. O cubano quando vê o turista, gosta, ele gosta de ver o turista, sabe que você é fonte de renda do país. Há um sentimento de que a situação é difícil mas percebem claramente que o governo irá beneficiá-los de uma forma ou outra. Então não é um coisa que desperta tanta rejeição.

 

O índice de criminalidade, até assaltos a turistas, é muito baixo. De um lado há uma vigilância do Estado, o sistema repressivo é muito acentuado, mas há uma consciência de que aquilo ali é bom . Então há uma aceitação . O cubano, como o brasileiro  tem semelhanças. Há uma empatia, de modo que esta convivência entre Cuba e turista é suave em relação à realidade que se tem lá !

 

Vou passar a vocês as fotos. Pediria que não tirassem para não perder a ordem das fotos. O que tiver de pergunta ....

 

Aluno : Gostaria de saber se o turista tem de ter uma autorização para entrar . O turista tem que ter alto poder aquisitivo ou pode ser qualquer um turista para entrar em Valladero.

 

Prof. Helio de Araujo Evangelista

 

Tanto faz a atividade que o turista tenha. Agora, tem que ver um aspecto sobre a questão do visto. Não é fácil ter um visto em Cuba. O governo cubano é muito cioso em saber quem está entrando em Cuba! Tudo é possível ! O presidente Fidel Castro, oficialmente, já passou por oito tentativas de assassinato. Já tentaram matá-lo oito vezes. Então, para quem já passou por tantas, ele glosa, passa uma peneira para saber quem está entrando.

 

Até a pessoa responsável por aquele curso em Cuba era sabedor que Fidel Castro tinha conhecimento que nós, brasileiros, estávamos lá. Pois bem, então toda essa questão financeira, há uma carência e um alargamento de setor, os hotéis estão lotadíssimos. Uma coisa que dificulta é o aeroporto. Ele é primário, não dá para pousar um grande Boeing. O avião que pousa lá tem, no máximo, 150 lugares. A pista é pequena. Aqui no Rio de Janeiro tem aqueles corredores que dão acesso ao avião, mas lá não, o cara desce do avião de escada e sai andando até chegar no saguão. Quem te recebe é um militar, com seu registro. Enfim, esta entrada em Cuba não é fácil, é muito vigiada.

 

 

Aluno ( sobre seleção de turistas )

 

Prof. Helio de Araujo Evangelista

 

Se é americano, eles têm um cuidado maior. Com os Estados Unidos e também com cubanos. Procuram conhecer o percurso destas pessoas.

 

Aluna : ( difícil escutar, o tema é : Cuba é viável ? )

 

Prof. Helio de Araujo Evangelista

 

Do que foi possível ver do curso, uma iniciativa da universidade cubana tradicional ( a de Havana ), ela procura através deste curso ter recursos para ela ! Estes cursos são pagos. O que o professor apresenta é uma visão muito lúcida, então, por exemplo, você tinha um valor paritário do dólar. O dólar igual a um peso. Só que o peso para o estrangeiro não era o peso para o cubano. Você tinha três moedas. Um do povo cubano, o peso estrangeiro, e o dólar. Os hotéis, as tiendas, recebem estas moedas. Pois bem, o povo cubano não pode ter o peso do turista e vice-versa. Então olha só, o peso cubano era considerado igual a um dólar. Um salário de um cubano, salário mínimo, está em torno de 150 pesos que lhe dava direito a uma cesta alimentar. O peso estrangeiro não podia cair na mão deste. Então havia duas economias, a doméstica e a do turista, por quê ? Se você permite o peso estrangeiro ou o dólar com o povo cubano você tende a desvalorizar a moeda cubana. Então, para não desvalorizar a moeda cubana você cria uma clivagem, esta divisão.

 

Agora, como você pode compreender que o povo cubano usando dólar desvaloriza o peso ? Ora, o dólar é uma moeda que se pode usar em qualquer lugar. O peso cubano não. A dívida cubana é grande. Como era com o nosso antigo cruzeiro. Pegar um cruzeiro brasileiro, 30% ao mês desvalorizado, você troca rapidamente para ter um dólar. Então, você tinha uma divisão na forma de preservar a economia frente a avalanche de dólares que passava a aparecer nos hotéis e no comércio.

 

Aluno ( inaudível )

 

Prof. Helio de Araújo Evangelista

 

Aí depende, na época, 1993, eles tinham aprovado recentemente a de que empresas pudessem ter propriedades em Cuba. Coisa que constitucionalmente era proibido. Por que numa sociedade socialista a propriedade é coletiva. Ora, para uma empresa estrangeira investir num local sem ter reconhecido a propriedade ... Então, uma forma de abrir espaço e que estas empresas tivessem mais garantia no ponto de vista do investidor foi a alteração da Constituição reconhecendo o direito de propriedade não coletiva em Cuba. Agora essa associação, ação de empresas, estão sendo desenhados.

 

Aluna ( inaudível )

 

Prof. Helio de Araújo Evangelista

 

Não, por exemplo, você tem no setor de turismo uma empresa que se chama Cubacan. Ela controla  toda a parte hoteleira colocada no turismo. Então, por exemplo, ponto de táxi, hotéis, empresas que venham de fora podem ter com ela associação.

 

Aluna ( inaudível , sobre a responsabilidade da empresa, seu controle )

 

Helio de Araújo Evangelista

 

 É feito a Embratur do Brasil .

 

Aluna ( inaudível )

 

Ah sim! Bom gente, isto era o que eu tinha para apresentar. Espero que tenha sido útil para vocês do curso. Não quero pegar as fotos agora, porque estou vendo que vocês estão namorando as fotos. Mas, não tem pressa não !

 

Aluno : ... há um grupo de ex-exilados aqui que estão ajudando Cuba ... Quero saber se tem alguma entidade que ....

 

Prof. Helio de Araujo Evangelista

 

Olha, pela Universidade Estácio de Sá, eles mandam material para lá. Promovem coletas, baton ( que faz maior sucesso ), caneta, lápis, coleta de outros materiais, há ainda agasalhos, produtos não perecíveis como cereais ( por exemplo ). Agora ... há caravanas, ainda heranças da revolução, as chamadas brigadas. Então, ao retornarmos, nós tivemos um encontro com pessoas que tinham ido para Cuba para a coleta na agricultura. São pessoas de várias partes do mundo, do Brasil tinha alguns, que vão lá para plantar e colher. Mas o custo da viagem, a estadia, ficava por conta da pessoa . Na época, foi até questionado por que esta mão de obra não tinha a projeção que tinha no passado. Era até uma projeção ideológica. Era a chamada continuação do comunismo. Tendo uma filiação internacional, todos acorrendo ao local privilegiado.

 

Agora, a trama está difícil. O movimento é menor. A questão fundamental é: o que fazer depois de Fidel Castro ? Porque o irmão dele, o Raul, chefe das Forças Armadas, o Fidelito, o filho de Fidel Castro, cerca de 40 anos ... mas não se sabe se terão a habilidade de Fidel Castro de poder gerenciar a orquestra da nação cubana.

 

Aluno – ( inaudível )

 

Prof. Helio de Araujo Evangelista

 

Os cidadãos de fora, nos EUA, têm muito dinheiro e poder. O que emperra as negociações é a comunidade cubana tanto que o bloqueio a Cuba não acabou. Havia uma questão histórica, baía de Porcos, o vínculo com a URSS. A maça vinha da Hungria. Então o papel-moeda de Cuba sempre foi o açúcar. Acabou ocorrendo um enforcamento do governo cubano. O açúcar, em si, está caindo de preço como ocorre hoje no Brasil; o setor agro-açucareiro está decadente. O valor do produto primário perde peso.

 

Aluno ( inaudível )

 

Prof. Helio de Araujo Evangelista

 

O sistema de troca não era realizado por preços mas por cotas. Assim, você recebe tanto de maçã, você leva tanto de açúcar. Recebe tanto de petróleo, recebe tanto de açúcar, assim era . Hoje você vê a herança deste processo. Por isso coloco, embora não de modo muito apropriado, a relação Império/colônia porque era uma forma outra de subordinação cubana só que realizado por outros vieses. O nervo era o mesmo, a economia sem autonomia.

 

Aluna ( ... com salário baixo, você tem ... lá há uma imposição de levar um produto  ... )

 

Prof. Helio de Araujo Evangelista

 

Olha só, eles têm uma cartela que dá direito a uma quantidade, além disso recebem dinheiro que pode ser usado no mercado negro. O mercado negro em Cuba é muito forte. Por exemplo, na época, fevereiro de 1993, a relação peso e dólar era de um para 50, um dólar era igual a 50 pesos. Quando íamos às tiendas haviam cubanos que nos pediam para que comprássemos para eles pois não podiam entrar. Eles nos ofereciam o dinheiro deles para comprar. Mas era algo fora do tramite legal.

 

Aluna (os cubanos pedirem, não há problema deles pedirem ... )

 

Prof. Helio de Araujo Evangelista

 

Lá tem o jeitinho cubano semelhante ao nosso. Legalmente, nós poderíamos ser presos se fizéssemos isso e há casos que ocorrem. No entanto, há formas de contornar a situação. Se fossem prender todos os que já usam dólar não haveria lugar na prisão !

 

Aluna ( inaudível )

 

Prof. Helio de Araujo Evangelista

 

Quem se encontra numa faixa de salário mínimo não requisita ... Na época, houve uma endemia atingindo os olhos dada a carência de vitaminas. Então há problemas de sub-alimentação. Por exemplo, no trajeto entre o aeroporto e o hotel tinha favela ... com madeira, papel ... O governo, mesmo que queira não tem meios para atender a todos. O grande fluxo econômico do pólo soviético definhou.

 

Ao instaurar uma lógica comercial no lugar de uma lógica político/geopolítico onde contava o peso do país na luta pelo socialismo, passa a valer a eficiência, a competência.

 

( houve um pulo na fita durante a edição – o assunto passa a ser o governo de Fidel Castro )

 

De 5 em 5 anos há um projeto. Olha, agora, é produção de alimentos, agora o plano é educação, agora é saúde. Atualmente, eles caracterizam como o Período Especial.

 

( novo pulo da fita feita ao editá-la )

 

Como a economia de guerra é algo estratégico no governo, eles aproveitam o máximo deste produto ( açúcar ) e o que eles podem trazer do mercado internacional. Mas há um limite pois a pressão interna por alimentos é muito grande. Levando em conta que há uma serra atravessando Cuba, dificultando a produção agrícola, com diferença de relevo e de temperaturas. Isto acaba acentuando o drama.

 

( outro pulo da fita ao editá-la )

 

Mas há espaço, então, por exemplo, conhecemos uma gaúcha, bailarina, formada em Moscou, mas com a queda da economia cubana estava voltando, naquele ano, para o Brasil. A situação estava difícil, então você tem, hoje, em Cuba, os melhores quadros, cientistas, literatos, mão de obra especializada que estão saindo de Cuba, quando é possível sair.

 

Aluno ( inaudível )

 

( mais outro pulo da fita ao editá-la )

 

Usei formas caricatas na minha apresentação, não muito adequada a um estilo acadêmico mais acabado, mas tive um esforço de tornar mais clara a compreensão do que ocorre em Cuba. Como aqui o curso é para pré-vestibular não há porque ficar enrolando no linguajar para mostrar sofisticação.

 

 

Coordenador Prof. Alexandre Luís Gonzaga Madeira

 

Gostaria de expressar nosso agradecimento por sua disponibilidade, sabemos que está doutorando, vai defender uma tese. Muito obrigado !

 

Segue abaixo a última imagem da fita com os dizeres .

 

 

 

A coordenação do curso pré-vestibular para negros e carentes, através de seus professores de Geografia, Alexandre Luís Gonzaga Madeira e Vicente Vaz de França, ainda alunos do curso de Geografia da UFF, agradecem ao Prof. Helio de Araujo Evangelista pela palestra proferida e a disponibilidade a serviço da Educação e Cidadania, reiterando protestos de estima e consideração.

 

OBRIGADO .

 

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