Geopolítica[1]
Helio de Araujo Evangelista
( www.feth.ggf.br )
Resumo:
O artigo aborda a geopolítica, tendo por objeto a sua
relação com a geografia política a partir de textos de geógrafos brasileiros.
Ao final, apresentamos nossa posição sobre o tema.
Abstract :
This article deals with
the geopolitics. It has for objective to show the relationship between
political geography and geopolitics by using text’s brazilian geographers. At
the end, we explain our position about it.
·
Apresentação
Ao retomarmos as argumentações favoráveis ou contrárias à
transferência da capital brasileira para o interior do Brasil, encontradas em
Vesentini ( 1996 ) e Vasconcelos ( 1978 ), chama-nos a atenção a polêmica que
envolveu o geógrafo alemão, naturalizado americano, Sr. Leo Waibel, que então
prestava seus serviços no Conselho Nacional de Geografia.
Desta polêmica, pelo artigo intitulado “ Determinismo
Geográfico e Geopolítica ( contribuição ao problema da mudança da capital ) ”, [2]
o Sr. Leo Waibel comenta o Relatório
Técnico da Comissão de Estudo para a Localização da Nova Capital do Brasil,
no qual é observado que o trabalho do engenheiro Cristóvão Leite de Castro,
escrito sob a orientação de Leo Waibel, coloca “...a área do “Retângulo de
Cruls” em 6º lugar por não ter querido se elevar até o plano geopolítico do
problema, preferindo ficar no plano de puro determinismo geográfico ...” (
1961, pp. 612-614 ).[3]
O primeiro aspecto que Leo Waibel esclarece é quanto ao
determinismo, ele entende ser este um conceito introduzido por Ratzel pelo qual
os elementos da geografia humana seriam determinados, principalmente, pelos
fatores naturais. Waibel, enquanto discípulo de Alfred Hettner, considera que
os fatores físicos não tem tamanha densidade para exlicar a dinâmica social. “A
decisão cabe ao homem, ao seu estágio de desenvolvimento, ao poder da sua
vontade ( que é forte ) e ao espírito. Esta é a filosofia geográfica que hoje
em dia é geralmente aceita na França e na Alemanha...” ( Ibidem, p. 613 )
Sobre o trabalho desenvolvido pelo astrônomo Cruls, ele
observa que os fatores físicos assumiram grande destaque na indicação da
localização da futura capital, e :
“Os fatôres humanos mereceram ali
muito pouca ou nenhuma consideração, e aí está, sem dúvida, o mérito da Segunda
Expedição Geográfica, que aplicou os princípios da geografia humana ao problema
da futura capital. Se há um determinismo geográfico em algum dos dois
relatórios, êle está no da Comissão Cruls e não no nosso! nestas
circunstâncias, a observação do senhor presidente de que “mesmo êsse ( o nosso ) relatório confirma e
completa os dizeres essenciais do relatório da Comissão Cruls” é para mim
completamente desprovida de sentido.” ( Ibidem, p.. 614 )
Quanto à acusação de que Leo Waibel não teria se elevado
ao plano geopolítico do problema, este retrucou: “Mais uma vez êle errou ; o
que eu não quero é rebaixar o meu padrão profissional ao nível de um
geopolítico! Para os geógrafos alemães a palavra Geopolitik tem sabor amargo. A geopolítica é aquela pseudo-ciência
que é largamente responsável pela catástrofe da Alemanha atual, ...” ( Ibidem,
p. 614 )
E Waibel continua : “...O grande problema é : qual a
diferença entre a Geopolitik de
Rudolf Kjellén e a Politische Geographie
de Friedrich Ratzel ? Esta pergunta nunca foi respondida satisfatóriamente.” (
Ibidem, pp. 614-615 ) [4]
Pelo exposto, há uma notória repulsa ao termo
geopolítica, porém, nos dias atuais, costuma ser muito mais usado que geografia
politíica. Por quê esta ambiguidade ?
É o que procuraremos tratar nas linhas que se seguem a
partir de autores brasileiros que chegaram a abordar o tema de forma
aprofundada.
·
A geopolítica brasileira
Percebe-se na literatura nacional uma certa dicotomia
entre uma escola militar, para a qual não poucos civis prestaram seus serviços,
e uma escola acadêmico-civil, mais recente, que trazem modos distintos na
análise da relação entre geopolítica e geografia política.
Pela primeira escola, destacamos as contribuições dos
militares Mário Travassos ( 1938 ), Golbery do Couto e Silva ( 1981 ), Meira
Mattos ( 1979 ) e Octávio Tosta ( 1984 ).
Nesta corrente não incluimos Nelson Werneck Sodré que
embora militar não veio a configurar com os autores mencionados um coletivo
coeso.
Cabe ressaltar ainda que para a formalização desta
corrente, dita militar, contribuiram civis, particularmente, Everardo
Backheuser, Delgado de Carvalho e Therezinha de Castro ( esta falecida
recentemente ao início do ano ). A rigor, a contribuição destes decorre de uma
época na qual o diálogo entre civis e militares era mais fluente.
Assim, não é exclusivamente o paramento militar que
configura este coletivo, mas assim o designamos por formar uma unidade que veio
a ser mais estimulada pela Escola Superior de Guerra, criada em 1949.
O segundo grupo teria uma índole influenciada pela ambiência
acadêmico-universitária, do qual destacaríamos : Wanderley Messias da Costa (
1992 ), José William Vesentini ( 1996 ), André Martin ( 1993 ), Demétrio
Magnoli ( 1988 ), Manoel Correia de Andrade ( 1989 ) e Bertha Koiffman Becker (
1988 ) . [5]
Destaca-se, pela linha dos militares, que a geopolítica é
a face dinâmica da própria geografia política, isto porque a geopolítica teria
a incumbência de inspirar raciocínios que enveredariam em favor da formulação
de estratégias de características militares . Assim, a geografia política teria
um papel eminentemente informativo, ficando à geopolítica a incumbência de
traçar diretrizes estratégicas para o exercício do poder.
Já na linha do pensamento civil, verifica-se uma
diferença interna. Pois há os que entendem ser a a geopolítica como algo a ser
proscrito enquanto uma versão ideológica ( de cunho facista ) que pouco
contribuiu para o avanço da geografia. Por esta linha destacaríamos Wanderley
Messias da Costa.
Por outro lado, há os que entendem ser a geopolítica um
cabedal de conhecimento não passível de ser descartado pela comunidade
acadêmica; particularmente, por este caminho, perfila Bertha Koiffman Becker.
·
Geopolítica e a geografia política
Para o Gen. Meira Mattos ( 1979 ) a geografia política
ficou no campo das ciências geográficas como a entendiam Whittlesey, Renner,
Brunhes, Vallaux e tantos outros, enquanto que a geopolítica de Kjéllen e de
Ratzel adquiriu o sentido dinâmico das ciências políticas, indicadora de
soluções governamentais inspiradas na geografia.
Na escola raztzeliana, alinharam-se Kjéllen, Maul,
Mackinder, Spykman e o Haushofer. Mahan, norte-americano, anterior a Ratzel,
pode ser considerado o precursor da teoria geopolítica com a sua concepção de
“destino manifesto”, que tanta influência teve nos rumos da política exterior
dos Estados Unidos.
O despretígio da geopolítica como ciência vem de sua
apropriação pelos adeptos do Gen. Karl Haushofer que, depois da ascensão de
Hitler na Alemanha, apoderaram-se do Instituo de Munique e transfomaram a
geopolítica em um pretexto científico para justificar as teses do expansionismo
nazista. A teoria do lebensraum -
espaço vital - que dominou o espírito geopolítico da Alemanha nazista, foi
responsável pelo seu descrédito como ciência. ( Mattos, 1979, p. 4 )
Para o general Golbery do Couto e Silva ( 1981 ), por sua
vez, a geopolítica de Kjellén, tanto quanto a de Haushofer, sempre se propôs a
ser conselheira da política, sendo essencialmente uma arte, uma doutrina, uma
teoria e nunca uma ciência. Para Kjellen, ela era apenas um dos cinco grandes
ramos em que dividia a política; e, embora nas múltiplas definições da escola
alemã se fale tanto em arte, como em doutrina e mesmo em ciência, a geopolítica
é sempre caracterizada como “base da ação política”; o próprio Haushofer buscou
ressaltar o seu caráter dinâmico. ( Silva, 1981, p. 29 )
A geopolítica é sobretudo uma arte - arte que se filia à
política e, em particular, à estratégia ou política de segurança nacional,
buscando orientá-las à luz da geografia dos espaços politicamente organizados e
diferenciados pelo homem. Seus fundamentos se radicam, pois, na geografia
política, mas seus propósitos se projetam dinamicamente para o futuro. ( Silva,
1981, p. 33 )
A geopolítica nada mais é que a fundamentação geográfica
de linhas de ação política, quando não uma proposição de diretrizes políticas
formuladas à luz dos fatores geográficos, em particular de uma análise calcada,
sobretudo, nos conceitos básicos de espaço
e de posição. Um dos ramos, portanto,
da política, como a imaginara o próprio Kjellén e sempre a qualificou, entre
nós, o mestre Backheuser: “política feita em decorrência das condições
geográficas”. ( Silva, 1981, p. 64 )
Wanderley Messias da Costa ( 1992 ) , por sua vez,
observa:
... Descartadas
as confusões e dissimulações em torno do rótulo, pode-se afirmar com relativa
segurança que a geopolítica, tal como foi exposta pelos principais teóricos, é
antes de tudo um subproduto e um reducionismo técnico e pragmático da geografia
política, na medida em quem se apropria de parte
de seus postulados gerais, para aplicá-los na análise de situações
concretas interessando ao jogo de forças
estatais projetado no espaço.
Nesse sentido, a exemplo do que ocorre com
parte da ciência econômica em relação à economia política clássica, a
geopolítica representa um inquestionável empobrecimento
teórico em relação à análise geográfico-política de Ratzel, Vallaux,
Bowman, Gottmann, Hartshorne, Whittlesey, Weigert, e tantos outros. Essa é a questão essencial, desde logo, que
deve sobrepor-se às demais, a começar dos artifícios notoriamente
simplórios como o de tentar situá-la como “ciência de contato” entre a
geografia política e a ciência política, a ciência jurídica, etc., bastante
comum nas introduções de inúmeros generais-geógrafos-geopolíticos, a começar
por Haushofer.
Por outro lado, o assunto também está
sujeito a todo tipo de confusão terminológica, já que análises e estudos ditos
geopolíticos podem freqüentemente tratar-se de estudos geográficos-políticos,
preferindo os autores a utilização da primeira expressão por simples comodismo
vocabular ou modismos. Finalmente, e após um processo de “filtragem” por que
passou no período do pós-Segunda Guerra, especialmente em suas conotações
ideológicas vinculadas ao nazismo, muitos autores, até mesmo os críticos da
velha geopolítica, passaram a adotar esse rótulo em seus estudos de geografia
política. ( 1992, p. 55-56 )
Bertha K. Becker ( 1988 ) , por sua vez, observa que a
busca de novos paradigmas da ciência e o rompimento das barreiras entre as
disciplinas - a transdisciplinaridade - parecem hoje tornar-se uma exigência. E
o rompimento da barreira entre a geografia e a geopolítica numa perspectiva
crítica, integrando a natureza holística e estratégica do espaço, pode
representar um passo importante nesse caminho, pois que o poder e o espaço e
suas relações são, sem dúvida, problemáticas contemporâneas significativas.
Neste ponto, há uma distinção clara entre Becker e Costa.
Este último destaca o caráter ideológico que a geopolítica tem; para Becker, no
entanto, a geopolítica tem um caráter instrumental que não pode ser desprezado,
embora isto não a leve olvidar da ideologia que permeia a geopolítica, como
podemos perceber pela passagem abaixo.
“Mas a herança de Ratzel, embora por alguns
exacerbada, foi, em geral, negada pelos geógrafos que, ao recusarem sua
concepção determinista, negaram também toda a sua riqueza teórica. Sua herança
foi por outro apropriada.
Permaneceu, assim, a Geografia, à margem de
todo um conjunto de técnicas e de um saber que instrumentalizam e pensam o
espaço a partir da ótica do Estado ( e também da grande empresa ) - embora com
ele colaborando direta ou indiretamente - o que certamente a esvaziou de seu
conteúdo.
Negar, portanto, a prática estratégica,
seja a das origens da disciplina, seja a teorizada por Ratzel, seja a da
Geopolítica explícita do Estado Maior ou a implícita na prática dos geógrafos,
é negar a própria Geografia, que foi, assim, prejudicada no seu desenvolvimento
teórico e na sua função social. E repensar a Geografia envolve necessariamente
o desvendar da Geopolítica, sua avaliação crítica e seu resgate, e o trazer
desse conhecimento para debate na sociedade. Em outras palavras, nesse campo de
preocupações, à Geografia caberia a teorização sobre a prática estratégica
desenvolvida pela Geopolítica.
...
A Geopolítica que queremos resgatar é a do reconhecimento, sem fetichização, da potencialidade política e social do espaço, ou seja, a do saber sobre as relações entre espaço e poder. Poder multidimensional, derivado de múltiplas fontes, inerente a todos os atores, relação social presente em todos os níveis espaicias. Espaço, dimensão material, constituinte das relações sociais e, por isso mesmo, sendo, em si, um poder.
A tentativa desse resgate é aqui
apresentada em questões que constituem a nossa prática atual de pesquisa, sem a
menor pretensão de esgotá-las..( 1988,.p. 100 )
A dúvida, no entanto, que se abre da leitura do texto de
Becker é se ela não confunde o resgate da dimensão política do espaço com o
resgate da própria geopolítica. Não podem ser considerados procedimentos
distintos ? Mas, por outro lado, é possível retomarmos uma análise do conteúdo
político do espaço sem termos em conta o legado da geopolítica ?
Ela propõe resgatar a geopolítica :
“Resgatar não significa negar e sim reler
criticamente, aceitando o que se considerar uma contribuição e descartando o
que se considerar inaceitável. A postura metodológica aqui adotada para tal releitura
é a que privilegia a construção do objeto de estudo e não o objeto em si. A
Geopolítica não está dada - ela é construída hoje, no atual período histórico,
pelo trabalho humanao tanto material quanto intelectual e, assim produzida, tem
movimento e abertura para o indeterminado, que é essencialmente político.
Trata-se, portanto, de reconstruir o processo de sua produção material e
intelectual no final do Século XX, detectando as forças que nele atuam.
....
É, portanto, no contexto da instrumentalização
do espaço - e do tempo - bem como do reconhecimento de sua potencialidade que
se pode resgatar a dimensão política da Geografia contida no seu projeto
original e posteriormente renegada.” ( Ibidem, p. 101 )
Nesta passagem, Becker destaca o objeto em construção,
estando a indicar que se a geopolítica foi o quê muitos condenam, poderá vir a
ter outro perfil. Poderá mesmo ? Qual a raiz da geopolítica ? Acaso não é o
raciocínio pautado em dados geográficos voltado para a luta ?
A cerne da geografia política/geopolítica para Becker
encontra-se em duas contribuições de Ratzel, a saber:
1 - A Geografia Política como base de uma
tecnologia espacial do poder do Estado. A Geografia Política deveria ser um
instrumento para os dirigentes que, em contrapartida, aprenderiam a
instrumentalizá-la. Ela explica que, para compreender a natureza de um império,
é necessário passar pela escola do espaço, isto é, de como tomar o terreno (
Korinman, 1987 ). Daí a importância atribuída à Geoestratégia e à concepção da
situação geográfica como um dispositivo militar para o geógrafo que analisa o
comércio e as relações em geral, a economia, sempre configurada espacialmente,
é a guerra; os fatos do espaço são sempre singulares, cada qual situado na
interseção de processos diversos, onde precisamente devem atuar as
estratégicas.
2 - A busca de leis gerais sobre a relação
Estado-espaço. A busca de leis gerais reside na ligação estreita do Estado com
o solo, considerado a única base material da unidade do Estado uma vez que sua
população, via de regra, apresenta-se diversificada. Assim, politicamente, a
importância absoluta ou relativa do Estado é estabelecida segundo o valor dos
espaços povoados.
Como uma forma de vida ligada a uma fração
determinada da superfície da terra, o Estado tem como propriedades mais
importante o tamanho do seu espaço ( raum
), a sua situação ou posição ( lage )
em relação ao exterior - conceitos - chave da Geografia - e as fronteiras.
Se o desenvolvimento do Estado é um fato do
espaço, Ratzel admite que seu laço com o solo não é o mesmo em todos os
estágios da evolução histórica; em sete leis do crescimento do Estado,
estabelece que o crescimento deste depende de condições econômicas e da
incorporação de novos espaços, e é tarefa do Estado assegurar a proteção de
seus espaços através da política territorial.
A concepção organicista de Ratzel não se
restringe a comparar o Estado a um ser vivo. Ela reside na naturalização do
Estado, entendido como única realidade representativa do político, única fonte
de poder. Todas as categorias de análise procedem de um só conceito; Estado e
nação se confundem em um só ator, o Estado indiviso, como algo natural,
preestabelecido, não se concebendo conflitos a não ser entre Estados.
Isso não elimina sua contribuição básica
sobre a tecnologia espacial do poder e sobre a relação Estado-espaço naquele
período histórico. Um segundo momento crucial da relação Estado-espaço se
configura no segundo pós-guerra, não previsto por Ratzel. ( Ibidem, p. 103 )
Pelo exposto, Becker destaca a postura de quem produz
o estudo geográfico, que deve ser passível, ou não, de recriminações. Deste
modo, não se deve imputar a um rótulo, no caso geopolítica, a encarnação de
algo inválido.
Assim, Becker elogia em Ratzel o fato deste ter colocado
o Estado dentro das preocupações geográficas. O que cabe, então, é manter este
caráter renovador de seu pensamento, ao vislumbrar novos horizontes para a
geografia política.
Para Becker, a nova geopolítica, na verdade, resultará da
interação entre dois processos, a reeestruturação tecnológica e os novos
movimentos sociais. No entanto, ela ensina que esses movimentos e os atores
políticos só poderão reverter as tendências atuais se forem capazes de se
situar no novo domínio histórico resultante da revolução tecnológica e da
reorganização do capitalismo.
Wanderley Messias da Costa ( 1992 ) sobre a proposta de
Becker, observa que ela é inovadora :
“...sob todos os aspectos, e põe em debate
no país questões fundamentais que transcendem o âmbito da geografia.
Independente do rótulo pouco apropriado ( por que não resgatar a Geografia
Política, que afinal sempre gerou as “geopolíticas” ? ), o seu trabalho ( e de
seu grupo ) é realmente notável, especialmente porque introduz essa reflexão
incorporando o que há de mais avançado no setor ( assunto com o qual nos
ocuparemos adiante ). Com ele, também, Bertha Becker não resgata esse campo de
reflexões apenas para a Geografia, mas, ao lados de alguns poucos estudiosos
desses temas nas ciências sociais, recupera-o para o ambiente acadêmico. A
considerar-se a nossa peculiar história política, isto equivale, no Brasil, a
um legítimo resgate civil. ( 1992, p.
228 )
Ao refletirmos sobre a consideração acima, parece-nos que
Becker deseja resgatar algo que o primeiro deseja preterir, ou seja, Becker
intenciona encontrar na geopolítica instrumentos para melhor resgatar o teor
político da geografia. Já Costa, ao entender que a geopolítica só se apresenta
como um engodo ideológico, cabe então descartamos de nosso intinerário uma
preocupação com a mesma !
Na nossa interpretação, a origem histórica dos dois
termos, geopolítica e geografia política, está pautada pela situação de que
esta última está mais identificada com a formação de diagnósticos, enquanto a
primeira com a proposição de medidas que digam respeito à ação do estado. No
entanto, esta diferenciação, no curso dos estudos não se mostra tão decisiva
para se compreender a diferença entre os dois campos. A rigor, nesta discussão,
o que está em pauta é a questão da legitimidade entre a geopolítica e a
geografia política.
Se não encaramos os dois rótulos como sinônimos, estes
campos estão a disputar temas de estudos próximos. E sendo o caso, ao longo do
tempo, um ou outro estará sobressaindo ...
Conclusão
Entendemos, que a geopolítica, tal como se apresenta
hoje, e pelo que foi no passado, parece estar mais apta à realçar o conteúdo
político da geografia. A geopolítica apresenta uma maior densidade política em
função, de um lado, por estar marcada por uma maior interdisciplinaridade (
envolvendo diretamente a ciência política, assim como a ciência social ) , mas,
sobretudo, por estar voltada para a luta/guerra, algo comum na história humana.
Entendemos, também, que o caráter intrincado do poder na
geografia solicita uma melhor compreensão quando temos a perspectiva de que uma
guerra está sendo travada ( mesmo quando o conflito é incruento, como numa luta
comercial ). Esta familiaridade com a guerra, podemos verificar mais claramente
na geopolítica !
Pode-se argumentar que
na geopolítica encontra-se uma dimensão ideológica, sustentadora, por exemplo,
da ação do Estado. No entanto, esta dimensão ideológica adquire corpo quando se
trava uma luta. Se a pessoa opta em aceitar ou combater este viés, isto
decorrerá de sua inserção na sociedade. Inclusive, poderíamos pensar em sentido
semelhante em relação à geografia política, à qual não se atribui uma função
ideológica ... ora, este caráter não ideológico da geografia política parece
ser a sua própria ideologia ...
Deste modo, o campo de
estudo da geopolítica é, necessariamente, um campo que envolve todos os
artifícios para se controlar as diferentes partes do planeta, inclusive fazendo
uso da ideologia. Deste modo, quem se dedica à geopolítica cabe percorrer as linhas
de pensamento à luz dos dilemas que envolviam aqueles que as elaboraram; o que,
aliás, é algo próprio de quem se debruça sobre as ciências humanas como um
todo, pois estas estão marcadas pelas circunstâncias históricas, ideológicas,
etc.
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[1] Uma versão deste trabalho foi publicada na Revista de Geociências, do Instituto de Geociências da Universidade Federal Fluminense, ano 1, nº 1, 2000.
[2] Ele foi originariamente publicado no O Jornal, do Rio de Janeiro, a 19 de
dezembro de 1948 e reproduzido no Boletim
Geográfico de 1961, nº 164, pp. 612-617.
[3] O engenheiro Cristóvão Leite de Castro, como
explicita o próprio texto de Leo Waibel, teria redigido o relatório da Segunda
Expedição Geográfica que compreendeu três meses de trabalho de campo, contando
com a atuação de seis membros do Conselho Nacional de Geografia chefiados pelo
sr. Fábio Macedo de Soares Guimarães.
A equipe, de
forma unânime, foi desfavorável à localização da Comissão Cruls, chefiada pelo
astrônomo Cruls ao início do século, que indicava, tendo por base parâmetros
eminentemente físicos, a localização da capital num quadrilátero do planalto
goiano.
[4] Ao longo do texto, Waibel tece uma série de
comentários sobre a Comisão que definiu a posição que a capital do Brasil
atualmente ocupa.
[5] Isto sem mencionar os autores de áreas de
conhecimento distintas da geografia, mas voltados à discussão do tema, tais
como Miyamoto ( 1995 ) e Mello ( 1999 ), que curiosamente, somam com a posição
dos que defendem a geopolítica, como os militares, enquanto uma feição dinâmica
da reflexão política sobre bases territoriais, feição esta que a geografia
política não teria logrado alcançar.