A fusão dos estados da Guanabara e do Rio de Janeiro

Helio de Araujo Evangelista

( www.feth.ggf.br )

 

Durante o ano de 2002 chamou-me a atenção dois episódios, o primeiro, indo na direção da Praça Sãens Pena ( praça da Tijuca na cidade do Rio de Janeiro ) encontrei um out-door convocando a população para ter uma posição sobre a fusão dos estados da Guanabara e do Rio de Janeiro, ato ocorrido no tempo do governo militar que unificou os dois antigos estados; o segundo foi o encontro de um aluno que vendo um cartaz próximo de sua casa ( na Baixada Fluminense ) indagou-me se estava metido nesta campanha . Esclareci que não ... mas percebi que o assunto começava a ficar sério, afinal, bancar out-door para debater o assunto não sai barato!

 

No sentido de participar das discussões sobre o tema, reproduzo depoimentos que prestei.  Minha tese de doutorado foi defendida em 1998 no Programa de pós-graduação em Geografia da UFRJ e premiada pelo Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, este órgão veio a editar não integralmente a tese com o título A fusão dos estados da Guanabara e do Rio de Janeiro.

 

Entrevista 1 - para o jornalista Pedro Dória que a utilizou para o jornal virtual www.nominimo.com.br

 

Entrevista 2  - segue a matéria publicada pelo Jornal do Comércio em sua edição de 30/4, 1 e 2/5 de 2000 p. A-21 no encarte sobre o Rio de Janeiro. A matéria tem por título: Economia perdeu com a fusão e  foi assinada pelos jornalistas Miro Nunes e Vanessa Teixeira. Em seguida, segue a entrevista original com Miro Nunes.

 

Entrevista 3 - segue a matéria publicada no Informativo do Centro de Estudos Gerais/UFF nº 32 ( agosto/1998, pp. 1-2 ) e assinada jornalista Regina Schneiderman da Universidade Federal Fluminense. Em seguida há a reprodução da entrevista com a própria  sobre a fusão dos estados da Guanabara e do Rio de Janeiro.

 

Autonomia Carioca - um artigo sobre o movimento Autonomia Carioca ( outubro de 2004 )

 

Dia da fusão – uma data comemorada no sentido inverso, um apelo pela desfusão . ( abril de 2005 )

 

Afora os temas destacados, não deixe de conhecer www.feth.ggf.br/video.htm ( um entrevista gravada para tv tratando do tema em tela ) assim como www.feth.ggf.br/Luta.htm ( um artigo tratando da fusão e particularmente da luta pela desfusão ). Produzidos em 2005, nos meses de abril e setembro, respectivamente.

 


 

 

Entrevista 1

 

Segue abaixo o teor da entrevista de 11/10/02 concedida ao jornalista Pedro Dória que a utilizou na elaboração do seu artigo – O destino da Guanabara – divulgado em 15/10/02 no jornal virtual www.nominimo.com.br 

Esta entrevista está circunstanciada pelo recente movimento de se alcançar a desfusão do antigo estado da Guanabara. Sobre o tema veja www.guanabaraja.com.br que também publica o teor do artigo

Rio, 11 de outubro, 2002

Prezado jornalista Pedro Dória

Envio as respostas solicitadas; caso entenda ser necessário, consulte minha página na internet ( www.feth.ggf.br ), onde há dados do curriculum vitae e formas de contato por e-mail. Solicito que seja enviada uma mensagem  assim que o material abaixo venha a ser aproveitado pelo nominimo.com.br .

1 ) Na opinião do senhor, quais os motivos que foram mais importantes para a decisão de fundir os estados: econômicos ou políticos ?

R: A idéia da fusão é antiga, decorre das primeiras discussões sobre a transferência da capital federal do Rio de Janeiro e a preocupação com o futuro da cidade. Isso proporcionou uma cultura favorável à fusão. Mas, provavelmente, sem a ditadura militar não teria ocorrido a fusão. Em 1967 e 1969 este regime de governo realizou profundas mudanças na ordem constitucional de modo que viabilizou mudanças na federação, como a fusão, sem a necessidade de um plebiscito ( como era indicado, para um caso como este, na Constituição de 1946 ).

            Havia uma visão técnica ( econômica ) para se defender a fusão como uma forma de otimizar o desenvolvimento regional. A idéia era de que havia um pólo rico ( a cidade do Rio de Janeiro ), com grande arrecadação, e uma periferia pobre ( a Baixada Fluminense ) com muita carência de infra-estrutura. Assim, como um estado não poderia investir no outro, a fusão faria desaparecer o impedimento político administrativo da transferência de recursos entre as duas áreas. Os empresários cariocas se empenharam na defesa técnica da fusão, através de argumentos econômicos. No entanto, essa fase aconteceu em 1969, logo após a edição do Ato Institucional nº 5 e não próximo ao período que ocorreu a fusão ( 1973/1974 ).

            Também existia uma visão política, para a qual a cidade do Rio de Janeiro era um foco de oposição ao regime militar. Como o Estado da Guanabara era o único estado governado pelo MDB, partido da oposição, esperava-se com a fusão debelar este foco ao juntar o “conservadorismo” fluminense com a “vanguarda” carioca. A perspectiva era de que com a fusão seria possível alterar a representatividade da população numa Assembléia Legislativa Estadual unificada, através de uma nova correlação de forças entre os partidos o MDB ( Movimento Democrático Brasileiro ) e a ARENA ( Aliança Renovadora Nacional ).

            No entanto, ao longo de nossa pesquisa, percebemos que tanto a visão política, quanto à econômica, acima expostas eram insuficientes para compreender o episódio. A rigor, a fusão deve ser vista à luz de uma agenda de governo, envolvida em um projeto geopolítico de Brasil Potência, que tinha uma nova forma de pensar a federação brasileira. Esta visão vai privilegiar a fusão como uma decisão decorrente de um plano de governo que visava alavancar o desenvolvimento sócio-econômico através de mega-projetos. Este plano era corporificado pelos PND’s ( Programa Nacional de Desenvolvimento – programas que estabeleciam as principais metas de cada presidente no tempo do governo militar ). O sucesso desses programas não perdurou, logo o governo do Sr. João Batista Figueiredo ( 1979-1985 ) se viu comprometido por uma séria crise financeira. Desta forma, a fusão deve ser entendida como parte de uma agenda de governo de país-potência que não teve o sucesso esperado, embora tenha deixado seqüelas, entre elas, a usina de Itaipu, a usina nuclear, a transamazônica, a criação do Mato Grosso do Sul, etc... além da própria fusão.

Pedro Dória, o que segue abaixo retrata uma opinião, algo distinto do apresentado até aqui, fruto de uma pesquisa para tese de doutorado aprovada em 1998 e premiada pelo Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro.

2 ) Há diferenças de preocupações por parte das populações da antiga Guanabara e do antigo Rio de Janeiro ? Neste caso, são grandes o suficiente para se cogitar uma nova separação ?

R: Há ainda grandes diferenças entre as duas partes, o “antigo” estado do Rio de Janeiro não assume a sua capital, e esta o seu interior. Esta separação chega a ter uma conformação institucional; a título de exemplo destaco a questão do turismo, setor tão caro à economia, e particularmente à geração de oportunidades de trabalho. A nível do estado, temos a Turis-Rio, com a incumbência de pensar o turismo para todo o território fluminense; a nível municipal, no entanto, temos a Rio-Tur, que praticamente atua autonomamente em relação à instância que lhe é superior em termos formais.

Quanto à possibilidade destas diferentes serem suficientes para a separação, sinceramente não acredito que esta divisão venha a ser suficiente para estimular a separação. Se esta ocorrer, ocorrerá por outros motivos, talvez até utilizando como elemento legitimador a diferenças de preocupações das populações das respectivas partes. Por que afirmo isto ? Porque por mais separada que seja a população, até hoje não logrou sucesso as sucessivas tentativas de se aprovar no Congresso Nacional um plebiscito junto à população sobre a continuidade da fusão. Olha que não faltaram tentativas ! De todo o discurso sobre a chamada herança da ditadura militar, a questão da fusão ficou incólume, inatacável !

3. O fato de a cidade do Rio de Janeiro ter vivido desde sua fundação até meados dos anos 1970 com confortável autonomia é motivo para apontarmos uma tradição histórica que justifique nova cisão ?

R: É necessário um discernimento, há um processo de fundo que poucos levam a frente, que diz respeito à como gerir um estado que não tem memória enquanto estado ! Este problema de raiz do estado do Rio de Janeiro traz seqüelas sérias no desenvolvimento de um projeto que atravesse governos ( estaduais, no caso ).

No entanto, há um processo de momento, dada a circunstâncias de índole de ordem política, principalmente, que suscita de tempo em tempo uma discussão sobre a desfusão. Por exemplo, quando resolvi estudar a fusão, ao final de 1997, tinha por estímulo as discussões registradas na imprensa numa reação do então prefeito da cidade do Rio de Janeiro, Conde, frente a decisão do governador do estado, Marcelo Alencar, em alterar o critério de distribuição do Imposto sobre a Circulação de Mercadoria, o que acabaria prejudicando a cidade do Rio de Janeiro.

4. Uma nova Guanabara, mantendo as antigas fronteiras, seria capaz de se sustentar economicamente ? ( O Estado, por conta do petróleo, creio que sim – corrija-me se estiver errado ). Ou faria sentido estender à região metropolitana as novas fronteiras, incluindo a Baixada ?

R: Não tenho dúvida alguma quanto a capacidade da Guanabara em se sustentar, independente dos royalties do petróleo. A cidade do Rio de Janeiro, em termos de Brasil, ainda é uma cidade rica !

5. Faz sentido a desfusão ? Há ( ou podem haver ) condições políticas para implementá-las ?

R : Depende de sua perspectiva, se a perspectiva é a do longo prazo, procurando melhor conhecer o drama deste estado brasileiro cuja origem é bifacetada ( a carioca e a fluminense ); a questão de uma consulta junto à população sobre a manutenção da fusão me parece imperiosa!

Porém, se é verificado que uma nova onda discursiva sobre a fusão decorra de elementos por demais circunstanciais, tipo seqüelas da última campanha política para o governo estadual, este tema pode estar sendo capturado em nome de uma possível barganha política.

Prof. Helio de Araujo Evangelista

 

 


 

Entrevista 2

 

Segue abaixo a matéria assinada pelos jornalistas Miro Nunes e Vanessa Teixeira e publicada pelo Jornal do Comércio em sua edição de 30/4, 1 e 2/5 de 2000 p. A-21 no encarte sobre o Rio de Janeiro. A matéria tem por título: Economia perdeu com a fusão. Após a transcrição da matéria, temos a entrevista com o jornalista Miro Nunes.

Passados 25 anos da fusão da Guanabara com o antigo Estado do Rio, levantamento a partir de dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ( IBGE ) mostra que a participação do faturamento do Estado nos setores agropecuário, de comércio e indústria registrou quedas significativas, de até 50% diante do total nacional, contrariando teses de então, no sentido de que a união das duas unidades da Federação representaria marcante estímulo à economia local.

Hoje, o assunto não perdeu atualidade. Ainda há os que pregam a “desfusão” do Estado, motivados principalmente por uma memória nostálgica daquele tempo.

- Toda vez que se comemora o aniversário da fusão, o que vem à tona, paradoxalmente, é o tema da desfusão. Em épocas de eleição, assunto também costuma ser levantado – disse a professora Marly Motta, integrante da equipe de historiadores do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil ( CPDoc ) da Fundação Getúlio Vargas ( FGV ) que promove, no próximo dia 5 de maio, seminário sobre os 25 anos de fusão entre os antigos Estados da Guanabara e do Rio de Janeiro, contemplados em março.

O otimismo quanto à fusão era alardeado desde 1959, no estudo “Efeitos econômicos da integração do Distrito Federal com o Estado do Rio de Janeiro”, financiado pelo antigo Centro Industrial do Rio de Janeiro.

Entretanto, os números referentes ao período de 1970 ( pouco antes da fusão ) ao período de 1970 ( pouco antes da fusão ) a 1996 evidenciam queda na participação do Rio de Janeiro no total em vendas realizadas no Brasil pelos setores comercial, industrial e agropecuário. Este período engloba 21 dos 25 anos da fusão.

No mesmo sentido, também declinou a participação da economia fluminense no Produto Interno Bruto ( PIB ) do País: em 1985, quando o IBGE fez este cálculo pela primeira vez, esta participação era de 12,7 %. Em 1997, 12 anos depois, o Estado era responsável pela geração de 11,2% do PIB brasileiro.

Na avaliação de economistas ouvidos, a descoberta de petróleo na bacia de Campos, em meados da década de 70, e a sua posterior exploração comercial, de 1981 até hoje, conseguiu sustentar a economia do Rio de Janeiro no segundo lugar nacional, abaixo apenas da de São Paulo, descontadas sazonais e breves ascensões da atividade econômica em Minas Gerais.

O censo comercial realizado pelo IBGE em 1970 indicou a participação somada dos antigos Estados da Guanabara e do Rio no total de vendas praticadas no Brasil era de 16,1%. Pesquisa semelhante feita em 1996 pelo mesmo IBGE descobriu que o atual Estado do Rio de Janeiro participou com 15,2 % em tudo o que foi vendido no País, o que representa queda de 0,9 ponto percentual.

Ainda em 1970, a soma da inserção da Guanabara e do Rio de Janeiro no chamado Valor da Transformação Industrial ( VTI ) – o equivalente à diferença entre o Valor da Produção e as despesas com as operações industriais – representava 15,3% do VTI apurado no Brasil. Estudo semelhante verificou que em 1996 tal participação passou para 9,45%, caindo 5,85 pontos percentuais.

QUEDA NA AGROPECUÁRIA

Na agropecuária, seguindo a mesma linha de apuração dos dados, apurou-se que em 70 a Guanabara e o Estado do Rio participavam com 2,6% do total desse setor no Brasil. Em 96, a participação do Estado do Rio de Janeiro foi de 1,3% redução em 1,3 ponto percentual, segundo dados dos Departamento de Agricultura do IBGE.

O economista Nilo Lopes de Macedo, do Departamento de Comércio e Serviços do IBGE, observou este resultado foi influenciado pela decadência, verificada especialmente nos anos 80, do setor açucareiro instalado no município de Campos dos Goytacazes.

-Sob o ponto de vista econômico, frustrou-se a expectativa gerada pela fusão. Exceto o petróleo, nada de novo aconteceu durante a maior parte destes últimos 25 anos. O Estado precisa de uma política efetiva de reindustrialização, o que está sendo retomado de 96 para cá com a instalação de novos pólos industriais, como o automobilístico em Resende – observou Macedo.

A relevância do petróleo para o Rio de Janeiro também foi destacada por Paulo Gonzaga, do Departamento da Indústria do IBGE. Ao verificar os percentuais de crescimento industrial, do País e do Estado, Gonzaga ressaltou que, nos últimos dois anos, enquanto foram registradas quedas de, respectivamente, 2% e 0,7% na produção industrial brasileira, no Rio de Janeiro ocorriam taxas de crescimento de 7,2% em 98 e 6,1% em 99, graças à influência da produção de petróleo.

A travessia da barca que liga o Rio a Niterói e vice-versa talvez seja a última lembrança de que um dia ambas as cidades pertenciam a Estados diferentes. A ponte Rio-Niterói, batizadas presidente Costa e Silva pelo regime militar e inaugurada em 3 de março de 1974, simbolizou quase um ano antes da fusão tornar-se realidade,  a união preconizada desde 1821, quando José Bonifácio de Andrade e Silva defendia a mudança da capital da então colônia para a região central do Brasil, citando pela primeira vez o nome Brasília.

Na monografia “A Fusão dos Estados da Guanabara e do Rio de Janeiro”, editada pelo Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, o professor Helio de Araújo Evangelista relata a história e origens da fusão, chamando a atenção para o comportamento das entidades empresariais Cirj e Federação das  Indústrias do Estado da Guanabara ( Fiega ).

“Pela ótica econômica, estava em questão a melhor forma de se otimizar o desenvolvimento regional. Havia a crença, na época, de que existia um pólo econômico rico ( a cidade do Rio ), com uma alta arrecadação tributária, e uma periferia imediata muito pobre ( a Baixada Fluminense ), carente de investimentos em infra-estrutura. Assim, segundo os empresários, representados por suas entidades ( Cirj e Fiega ) a fusão faria desaparecer o impedimento político-administrativo da transferência de recursos entre os dois estados, já que passaria a existir um único estado”, frisou Evangelista na apresentação do livro.

PROJETO DE LEI

O ministro Célio Borja, atual reitor da Universidade Santa Úrsula, lembrou que em 1973 o então candidato Ernesto Geisel o chamou para conversar no Centro do Rio a respeito da proposta da fusão da Guanabara com o Estado do Rio.

Borja preparou um estudo entregue ao militar e somente na Semana Santa de 1974, o já presidente Geisel chamou Borja, então guindado à posição de líder do Governo na Câmara dos Deputados, e pediu-lhe que fosse elaborado o projeto de lei complementar que viabilizaria a fusão.

O documento legal foi votado e aprovado no Congresso Nacional em julho de 74. Nos meses anteriores Borja reuniu-se diversas com lideranças políticas cariocas e fluminenses para debater o tema. Lembra o hoje ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal ( STF ), que não houve resistência relevante em relação à proposta apresentada.

Borja imagina que o futuro da economia fluminense, especialmente com a avanço das novas tecnologias de informação, estará ligado à prestação de serviços, sobretudo de caráter intelectual. Acredita que o Estado caminhará neste sentido, tendo como base a ciência do conhecimento e as técnicas avançadas ligadas à Informática.

***

Teor da entrevista com  o jornalista Miro Nunes realizada em abril de 1999 ( sic ). Antes da entrevista formal, ocorreu um bate-papo que também gravamos e abaixo reproduzimos.

BATE-PAPO

Miro Nunes - Sobre as razões da busca pela fusão segundo a ótica dos empresários:

Primeiramente procurava-se criar infra-estrutura em direção à Baixada Fluminense, particularmente vias de acesso, educação, terraplanagem, ... visando, enfim, criar um novo espaço econômico. Tratava-se de transferir recursos de uma cidade rica, como o Rio de Janeiro, em favor de áreas mais pobres como a Baixada Fluminense.

A riqueza da cidade era tamanha que no tempo no Carlos Lacerda nós tivemos grandes obras aqui. Tivemos o sistema Guandu, uma senhora obra de engenharia, assim como vários túneis. Havia recursos. Além disso, a cidade tinha estofo político, isto forjava a indicação de recursos para a cidade...

Miro Nunes – Quando foi criado Brasília, e a correspondente formação do estado da Guanabara, havia alguma disposição legal transferindo recursos para o novo estado ?

Helio - Olha só, há um capítulo em nosso trabalho, o primeiro, que realiza um histórico do processo de fusão. Nele, a fusão, a sua idéia, vem desde o início da república, quase tão antiga quanto a idéia de se transferir a capital para o interior do Brasil. A fusão era uma das idéias sobre o que se faria com a cidade do Rio de Janeiro após a transferência da capital.

Na década de 50, pelo que observamos, quando fica mais clara a transferência da capital para o interior do país; já nesta época fica uma discussão mais apurada quanto a origem dos tributos para a nova unidade da federação após a formação da nova capital . A bancada fluminense, do antigo estado, buscava atrair a cidade do Rio de Janeiro em prol dos seus limites territoriais por uma questão tributária. Procurava-se, através da cidade do Rio de Janeiro, gerar uma maior fonte de tributos para o então antigo estado do Rio de Janeiro. Mas este é um dos panos de fundo da fusão, há outros panos de fundo. Este aspecto tem uma dimensão econômica.

Há a dimensão político-partidária, já que a Guanabara era o único estado, mesmo com o chaguismo, que tinha o MDB no poder. Mesmo sendo um MDB domesticado à época, você tinha uma cidade pensante, uma cidade que pensava em contra-ponto ao governo federal . A cidade tinha um caráter cosmopolitano, até como herança de seu tempo enquanto capital...

Miro Nunes – O Rio de Janeiro foi a cidade que mais tempo foi capital ...

Helio - A sim ... O Rio de Janeiro, desde o tempo de Brasil-colônia foi tipo como uma referência. Isto criou uma cultura, uma política, um ambiente... durante duzentos, quase, da colônia até a república, o Rio de Janeiro ficou com referência. Isto criou ...

Miro Nunes – Gostaria de destacar esta questão das indústrias, nesta parte desta obra que aqui você aponta na página 33...

Helio – Bom, havia um contra-ponto entre ocorria no Rio de Janeiro, em relação a São Paulo e Minas Gerais. Em São Paulo, tínhamos a implantação do setor automobilístico, enquanto em Minas Gerais cresce a siderurgia, a metalurgia, as construtoras pesadas como Camargo Correa, Mendes Júnior, etc. É um projeto de Juscelino que aposta em dois estados, São Paulo e Minas Gerais ... já Getúlio Vargas apostava no Rio de Janeiro, aqui ele coloca a CSN, a Fábrica Nacional de Motores, cria uma classe média burocrática muito forte aqui no Rio de Janeiro ( através de órgãos, instituições ).

Miro Nunes – Com Juscelino Kubitschek há uma mudança em favor do eixo São Paulo – Minas, ... aliás tinha São Paulo aquela questão de emancipação muito forte ..

Helio – quando Getúlio Vargas ascende ao poder, ele não tem aquela antiga aliança do café com leite ( uma divisão de poder entre Minas Gerais e São Paulo ) ...

Miro Nunes - ... que deve ter afetado muito São Paulo ... que sempre lutou pela hegemonia ...

ENTREVISTA DEFINITIVA DO JORNALISTA MIRO NUNES

Miro Nunes – Professor, gostaria de saber em primeiro lugar, o que motivou a fusão entre os antigos estados da Guanabara e do Rio de Janeiro ?

Helio – Bom, a fusão tem um forte paralelo com a transferência da capital do Rio de Janeiro em favor de Brasília. Ficava uma questão básica: o que poderia ser feito da cidade, ex-Distrito Federal. Uma das idéias era exatamente a fusão, agora, entre a proposta e a execução ocorreu uma longa distância medida em décadas. A idéia da fusão vem desde o início da república. Mas, por que ela realmente ocorre no período militar, em 1974/75 ? A resposta tem de ter em conta vários aspectos ... pelo aspecto econômico, temos de considerar, fundamentalmente, o acesso à estrutura tributária que a cidade do Rio de Janeiro tinha, era uma estrutura rica, era uma cidade muito mais rica que o antigo estado do Rio de Janeiro, era uma cidade que dispunha de infra-estrutura na área de educação, saúde, vias de acesso, eletricidade, muito superior ao outro estado vizinho. Na fusão, havia a expectativa de se poder melhorar a distribuição destes recursos públicos....

Tinha também o aspecto político-partidário, a cidade do Rio era uma cidade polarizadora de opiniões, não raro contrárias ao regime militar; então era uma cidade que gerava uma certa instabilidade ao regime da época, embora o regime já estivesse claramente cristalizado, mas este se mostrava muito sensível a qualquer tipo de crítica pois poderia criar movimentos que poderiam não ter mais controle ...

No entanto, além do observado, havia um projeto nacional sendo desenhado. O Brasil estava, paulatinamente, criando fatos novos em sua política, tais como a energia nuclear, as grandes obras de engenharia ( as grandes estradas, usinas ) . Você tinha um projeto nacional , mesmo ditatorial ( militar ), mas identificado com uma certa projeção de país enquanto um estado nacional procurando superar seu subdesenvolvimento. Neste sentido a fusão foi uma re-costura institucional como ponto de apoio para forjar este projeto. Não é a toa, por exemplo, que o novo governante, Sr. Faria Lima, era da Marinha, não é a toa que é no novo estado que temos o principal projeto do governo federal da época, a implantação das usinas nucleares; além de outras grandes obras, como a continuação da ferrovia dos aços...

Convém vermos a fusão à luz desta nova estrutura que para viabilizar um projeto geopolítico de Brasil-Potência destaca certos re-desenhos institucionais que tinha na fusão como um capítulo ...

Miro Nunes - ... A fusão era tida como uma medida que facilitaria do aparecimento de um outro pólo além dos tradicionais São Paulo e Minas Gerais...

Helio – Bom, o Rio de Janeiro, paulatinamente, vinha perdendo espaço desde o início do século ( XX ) principalmente para São Paulo. O Rio de Janeiro que chegou a ser a principal economia do país, economia industrial, chegou a perder esta posição nos primeiros trinta primeiros anos para São Paulo . Com o aceleramento da industrialização brasileira após 1930, ocorriam certos “bons” econômicos que o Rio de Janeiro já não mais acompanhava. Por exemplo, no grande crescimento verificado na década de 50, o Rio de Janeiro apresentou taxas relativamente tímidas em relação a São Paulo e Minas Gerais. São Paulo passou a desenvolver a indústria auto-motiva, enquanto Minas Gerais cresceu com a construção civil e a construção pesada como a Camargo Correa, Mendes Júnior e outras, muito favorecidas, aliás, com a construção de Brasília neste período.

Havia, assim, um esforço para alavancar o crescimento do Rio de Janeiro. No período do chamado milagre brasileiro ( 1968-1974 ), o Rio de Janeiro mostrava-se, novamente, a parte deste processo. E a interpretação para este fenômeno, a apatia do Rio de Janeiro, era de que tinha uma cabeça separada de seus membros, no caso a cidade do Rio de Janeiro em relação ao antigo estado do Rio de Janeiro. Sendo necessário, então, fundir as duas partes; promovendo-se uma articulação entre o core e a sua região vizinha ( Baixada Fluminense, Niterói, região serrana ). A fusão otimizaria os recursos públicos e melhor aproveitaria a importância política da cidade do Rio de Janeiro em favor de áreas do antigo estado do Rio de Janeiro que estavam pouco incentivadas.

Miro Nunes – Em relação à fusão, que visava dar maior equilíbrio entre as partes do que foi considerado, indago, após 24 anos da fusão, o que ocorreu com a cidade do Rio de Janeiro ?

Helio – Bom, este é um trabalho em curso, nós não paramos, estamos agora realizando um levantamento sobre o Rio de Janeiro nos dias de hoje, e podemos notar que o desequilíbrio na arrecadação tributária que havia entre a cidade e o antigo estado fluminense diminuiu muito, já há uma certa equivalência ( a cidade detém 60% da arrecadação e o interior 40% ), algo bem diferente quando ocorreu a fusão. Poderíamos dizer que a fusão foi positiva ? Diríamos que ela teria sido mais positiva se quem a orientou não tivesse um caráter não consultivo como acabou tendo. Porque, este é um assunto, o da fusão, que tão logo foi implantado, desde então, não faltam propostas para reaver esta fusão, pelo menos reabrir, pelo menos criar uma consulta para saber se as pessoas querem ou não manter a fusão. Então é um assunto que pertence a nossa memória e que não está resolvido. E isto tem um desdobramento político e conseqüentemente econômico, por exemplo, na última eleição, nós tivemos aí quase uma divisão clara entre o interior e a capital. César Maia e Garotinho, poderíamos considerá-los com identidades geografizadas. Um mais identificado com a cidade do Rio de Janeiro e outro com o interior. O grande trunfo do Garotinho foi sua aliança com o PT.

( trecho cortado ... assunto é : valeria a pena a desfusão ? )

Helio - ... paulatinamente, nós temos hoje uma liberalização do mercado, uma certa ruptura das fronteiras, a valorização dos governos locais em contra-ponto aos governos estaduais e nacionais... Então, pensar em desfusão é imaginar ainda que o estado, que a esfera estadual ainda tem a ascendência que tinha algum tempo atrás. Mas ainda estamos numa situação que este tema, dependendo do modo como ele é tratado, abordado, ele ainda bate fundo a uma dificuldade nossa em ter claramente qual a nossa identidade. O que unifica este estado ? Este tema, a fusão, unifica por ser um elo para as pessoas discutirem o que foi feito até então. Mas, ele não dá um passo a frente. Assim, cabe ao Garotinho e aos outros que virão o desafio de criar uma unidade federativa que tenha superado de fato este trauma que é o de unir duas unidades regionais tão distintas num breve tempo sem consulta alguma. ... Qual é o êmulo das duas partes quanto ao pensar nacional ou o pensar regional, há uma distinção aí. Bom, fica o desafio de como superar este problema sem ter na desfusão uma varinha de condão ... pois não acredito que seja

Miro Nunes – Pelo que o senhor estudou, concluiu, o senhor não entende que caberia um retorno da Guanabara e do antigo estado do Rio de Janeiro ...não há esta possibilidade ...

Helio – Não porque a situação é bem outra. Há uma situação de carestia pública muito séria. Há, inclusive, a perspectiva de demissão de funcionários, então a desfusão implicaria na formação de um novo estado, uma nova assembléia, uma nova capital ... enfim, acho que saiu da agenda nossa uma proposta como esta ... mas de qualquer forma este tema-fusão é um dos assuntos que sendo discutido ajudaria amenizar um pouco nossas diferenças de modo a promover projetos comuns entre os cariocas e os fluminenses.

 



 

Entrevista 3

 

Segue abaixo uma matéria publicada no Informativo do Centro de Estudos Gerais/UFF nº 32 ( agosto/1998, pp. 1-2 ) decorrente de uma entrevista para a jornalista Regina Schneiderman da Universidade Federal Fluminense sobre a fusão dos estados da Guanabara e do Rio de Janeiro.

Memória fluminense – a fusão em questão

O que a ditadura desejava quando encaminhou o projeto da fusão ? O que motivou a fusão ? Quem participou desse processo e por que? O que aconteceu na cidade e no Estado do Rio de Janeiro ? depois da fusão ? O que herdamos deste processo nos dias atuais ? Será que vale a pena manter a fusão ? Existem muitas perguntas e foi procurando responder a essas e outras questões que o prof. Helio de Araujo Evangelista, do Departamento de Geografia da UFF realizou a pesquisa “A Fusão dos Estados da Guanabara e do Rio de Janeiro segundo uma perspectiva de análise geográfica” que resultou na tese de doutorado defendida no Instituto de Geografia da UFRJ, em março deste ano.

Segundo Evangelista conhecer o processo da fusão vai ajudar a compreender os impasses que o Estado do Rio enfrenta nos dias atuais. A tese, por sua vez, procurou aprofundar dois aspectos, que favoreceram a aprovação da fusão, o econômico, através da ação dos industriais no episódio e o político-partidário, analisando a situação otimizada que o MDB ( Movimento Democrático Brasileiro ) tinha enquanto partido de oposição na época do Estado da Guanabara.

APROVAÇÃO

A aprovação do projeto de fusão dos Estados da Guanabara e do Rio de Janeiro aconteceu no Congresso Nacional, no final de junho de 1974. Mas as verdadeiras personalidades políticas que se destacaram neste episódio foram o deputado Célio Borja, líder do governo na Câmara Federal e mentor jurídico da fusão, o presidente Ernesto Geisel, pela disposição política em realizá-la e o então governador do Estado da Guanabara, Chagas Freitas, que apesar de pertencer ao MDB, partido da oposição, não chegou a lutar contra a fusão e sim a favor de que ele pudesse indicar o novo governador.

MOTIVOS

A idéia da fusão é antiga, decorre das primeiras discussões sobre a transferência da capital federal do Rio de Janeiro e a preocupação com o futuro da cidade. Isso proporcionou uma cultura favorável a fusão. De acordo, com o pesquisador, sem a ditadura militar, provavelmente, não teria ocorrido a fusão. Em 1967 e 1969 este regime de governo, a partir das alterações na Constituição de 1946 ( que previa um plebiscito), facultou a presidência viabilizar a fusão sem uma consulta prévia a população.

Havia uma visão técnica ( econômica ) para se defender a fusão como uma forma de otimizar o desenvolvimento regional. A idéia era de que havia um polo rico ( a cidade do Rio ), com grande arrecadação, e uma periferia pobre ( a baixada fluminense ) com muita carência de infra-estrutura. Assim, como um estado não poderia investir no outro, a fusão faria desaparecer o impedimento político-administrativo da transferência de recursos entre as duas áreas. Os empresários cariocas se empenharam na defesa técnica da fusão, através de argumentos econômicos. No entanto, essa fase aconteceu em 1969, logo após a edição do Ato Institucional nº 5 e não próximo ao período que ocorreu a fusão ( 1973/74 ).

Também existia uma visão política, para a qual a cidade do Rio de Janeiro era um foco de oposição ao regime militar. Como o Estado da Guanabara era o único estado governado pelo MDB, partido da oposição, esperava-se com a fusão debelar este foco ao juntar o “conservadorismo” fluminense com a “vanguarda” carioca. A perspectiva era de que com a fusão seria possível alterar a representatividade da população numa Assembléia Legislativa Estadual unificada, através de uma nova correlação de forças entre os partidos o MDB e ARENA ( Aliança Renovadora Nacional ).

Segundo o prof. Evangelista o enfoque inicial do processo de fusão relacionava duas visões, mas tanto a técnica ( econômica ) quanto a política não davam conta de explicar a fusão. Entretanto, ele não exclui a importância que elas tiveram na cultura favorável a esta decisão. A fusão deve ser vista à luz de uma agenda de governo envolvida em um projeto geopolítico de Brasil Potência que agregava uma nova forma de pensar a federação brasileira. Esta visão vai privilegiar a fusão como uma decisão decorrente de um plano de governo que visava alavancar o desenvolvimento sócio-econômico através de mega-projetos. Este plano era corporificado pelos PND’s ( Programa Nacional de Desenvolvimento – programas que estabeleciam as principais metas de cada presidente no tempo do governo militar ). O sucesso desses programas, no entanto, não perdurou, logo o governo do Sr. João Batista Figueiredo ( 1979-1985 ) se viu comprometido por uma séria crise financeira. Desta forma, a fusão deve ser entendida como parte de uma agenda de governo de país-potência que não teve o sucesso esperado, embora tenha deixado seqüelas, entre elas, a usina de Itaipu, a usina nuclear, a transamazônica, a criação do Mato Grosso do Sul, etc... além da própria fusão.

PERDAS

Antes da fusão, o Rio de Janeiro contava com duas fontes ( orçamento estadual e municipal, podendo arrecadar enquanto estado e município ). Além disso, a cidade ainda usufruía de grandes transferências do governo federal na medida que este mantinha diversos órgãos de sua alçada no Rio de Janeiro. Depois da fusão, o Rio de Janeiro passa a usufruir unicamente do orçamento municipal, o que representava que do ICM ( Imposto sobre Circulação de Mercadorias ), a principal fonte arrecadadora, a cidade teria apenas direito a 20% . Esta previsão de queda na receita fez com que a Emenda Complementar nº 20, que estabeleceu a fusão, indicasse que no período de quatro anos ocorreria uma gradação nesta súbita perda de arrecadação. A capacidade arrecadadora da cidade seria paulatinamente diminuída em correlação a ação do Governo Federal e do Estado em assumir novas tarefas.

O TRABALHO

A pesquisa começou em abril de 94, inicialmente sobre a questão do litígio entre as cidades de Cordeiro-Cantagalo. Este foi nos últimos 30 anos, o mais sério conflito intermunicipal da história recente do E. do Rio. A disputa entre essas cidades era em função da vultuosa arrecadação de ICM de três fábricas de cimento, próxima aos limites dos municípios. Esta pesquisa coletou informações sobre a história e a fusão do Rio de Janeiro. Em 96 começou a pesquisa específica sobre a fusão e, em 97 terminou o trabalho sobre Cantagalo e Cordeiro.

A colheita de informações para a pesquisa foi realizada em três cidades. Em São Paulo, foram recolhidos dados sobre a federação brasileira na FUNDAP – Fundação do Desenvolvimento Administrativo ( do Estado de São Paulo ). No Rio de Janeiro, uma parte da pesquisa foi feita nos anais das assembléias dos antigos estados, acervo da Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro e outra, na Biblioteca da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro ( FIRJAN ) onde foram consultadas atas micro-filmadas. Em Brasília, também foram feitos estudos que serviram para complementar os dados obtidos no Rio de Janeiro.

De 94 a 98 a pesquisa recebeu oito bolsas de iniciação científica, sendo seis do CNPq e duas da FAPERJ e, ainda, onze bolsas de treinamento. O Centro de Estudos Gerais da UFF colaborou na pesquisa dando apoio as viagens para São Paulo e Brasília.

Segue abaixo a entrevista com a jornalista Regina Schneiderman que serviu de base para a elaboração da matéria acima apresentada. Só constam as respostas !

1 – A idéia da pesquisa surgiu a partir de nossos estudos sobre a malha municipal do Estado do Rio de Janeiro, tendo por estudo de caso o litígio entre os municípios Cantagalo e Cordeiro. Com estes estudos, iniciados em abril de 94, notamos a relevância da fusão enquanto um momento no qual cruzam diferentes forças políticas procurando formar um novo estado, o Estado do Rio de Janeiro.

2 – Passamos a tratar com maior apuro a fusão dos dois estados a partir de 1996 quando, por força do acirramento do conflito entre a Prefeitura do Rio de Janeiro e o Governo Estadual, foi deliberada pela Assembléia Legislativa uma alteração na distribuição dos recursos obtidos com o I.C.M. ( Imposto sobre Circulação de Mercadorias ). Esta alteração ocorreu em detrimento dos interesses da Prefeitura, o que suscitou diferentes matérias publicadas em jornais sobre a desfusão dos estados. O trabalho continua ainda hoje; após a defesa da tese sobre o tema em março de 1998 na U.F.R.J, passamos a fazer uma avaliação da fusão para os dias atuais.

3 – ( relaciona os alunos do projeto )

4 – A pesquisa teve três locais-chaves na obtenção de informações. Rio de Janeiro, naturalmente; São Paulo, na aquisição de dados sobre federação brasileira na FUNDAP; Brasília, onde foi possível um material que complementou ao obtido no Rio de Janeiro.

Foi notada uma carência de fontes que nos apoiassem a análise da fusão. Assim, privilegiamos duas delas por apresentarem um grande acervo. A primeira na Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, onde consta os anais da Assembléia dos antigos estados; a segunda foi a biblioteca da Federação Industrial do Estado do Rio de Janeiro – FIRJAN que tem boa parte de suas atas micro-filmadas e de fácil acesso ao público. A nossa visão inicial era de que a fusão resultou numa alteração institucional de um limite territorial para o qual concorreram a ação do vetor econômico ( papel desempenhado pelos industriais cariocas ) e o vetor político-partidário ( ou seja, a intenção de se “abafar” a oposição da cidade do Rio de Janeiro através da fusão ) .

5 – A decisão em favor da fusão ocorreu na última semana de junho de 1974 pelo Congresso Nacional. A sanção presidencial ocorreu na primeira semana de julho de 1974. A efetivação da fusão ocorreu em 15/3/1975. Destacaria, em resumo, três políticos – Célio Borja ( o grande mentor jurídico da fusão ) o então Presidente da República – Ernesto Geisel ( pela disposição política em realizar a fusão ) e o então governador do Estado da Guanabara – Chagas Freitas ( pela pequena aptidão em querer afrontar a decisão do Presidente; a sua luta não foi contra a fusão e sim a favor de que ele pudesse indicar o novo governante ).

6 A – A idéia é antiga, remonta às primeiras discussões sobre a transferência da capital federal do Rio de Janeiro; nestas discussões já estava embutida a preocupação com o futuro da cidade do Rio de Janeiro após a mudança da capital tendo a fusão como uma das opções para seu porvir. De modo que não há um único responsável pela idéia. A idéia foi cultivada e retomada quando as discussões sobre a transferência da capital do país tomavam força. Ela é cercada por circunstâncias de tal modo que a partir do seu recorte temporal você chega a diferentes conclusões. Como estabeleço o ano de 74 o meu principal recorte respondo as perguntas do 6A a partir das perguntas que se seguem ( trecho incompleto da entrevista ) .

Fundamental

Sem a ditadura militar provavelmente não teria ocorrido a fusão. Pois este regime de governo a partir das alterações na Constituição de 1946 ( que previa um plebiscito ) em 1967 e 1969 facultou a Presidência viabilizar a fusão sem uma consulta prévia à população.

7 – Havia uma visão técnica ( econômica ) para se defender a fusão como uma forma de otimizar o desenvolvimento regional. Ou seja, a idéia era de que havia um pólo ( a cidade do Rio de Janeiro ) rico, com grande arrecadação, e uma periferia ( a baixada fluminense ) pobre com fortes carências no campo da infra-estrutura. Assim como, um estado não podia investir no outro, a fusão faria desaparecer o impedimento político-administrativo na transferência dos recursos entre as duas áreas.

Havia ainda uma visão política, segundo a qual a cidade do Rio de Janeiro era um foco da oposição ao regime militar. Sendo o Estado da Guanabara o único estado governado pelo partido de oposição o M.D.B ( Movimento Democrático Brasileiro ). Assim, a fusão intentaria debelar este foco ao juntar o “conservadorismo” fluminense com a “vanguarda” carioca. A perspectiva era de que com a fusão, seria possível alterar a representatividade da população numa Assembléia Legislativa Estadual unificada, através de um nova correlação de forças entre os partidos – MDB e ARENA ( Aliança Renovadora Nacional ).

8 – A conclusão a que chegamos vem a ser de que nem a visão técnica ( econômica ), nem a política ( político-partidária ) dão conta para explicar a fusão. Entendemos que a fusão deve ser vista à luz de uma agenda de governo emulado pelo projeto geopolítico de Brasil-potência que agregava uma nova forma de se pensar a federação brasileira. Uma agenda que compreendia grandes projetos e uma redefinição da malha federativa no intuito de torná-la mais apta a potencializar o processo sócio-econômico cristalizado no Programa Nacional de Desenvolvimento.

No entanto, esta conclusão não exclui a importância das duas visões acima citadas pois elas corroboraram no fomento de uma cultura a favor da fusão.

9, 10 – respostas extraviadas

11 – O Rio de Janeiro por força de ter sido sede do governo por tantos anos, teve a tendência de pensar temas nacionais. Inclusive parte de suas  lideranças eram de outros estados ( p. ex: Leonel Brizola do Rio Grande do Sul, Nelson Carneiro da Bahia, etc. ) .

Isto dificultou, e muito, que fosse criada uma cultura que privilegiasse  temas regionais; não raro, os projetos implementados na cidade do Rio de Janeiro eram tidos como projetos pilotos a serem transpostos para outros estados. Assim, a dinâmica do aparelho do estado estava moldado segundo a característica de sermos capital do país.

Ao contrário de São Paulo que pensa o Brasil a partir de seus interesses, isto porque teve uma formação atrelada às condições locais. Por exemplo, a cidade do Rio de Janeiro quando foi criada pouco tempo depois passou a ser referência na defesa da colônia recém-descoberta ... Enquanto São Paulo elaborou um notável esforço de interiorização; o Rio de Janeiro fortificava a Baía da Guanabara, verdadeiro ponto de defesa a apoiar patrulhas de defesa da colônia. O interior do Rio de Janeiro, por exemplo, só veio a ser ocupado de fato a partir do cultivo do café, iniciado no século XVIII.

12 – Além do que observamos na pergunta 8 estamos analisando a fusão à luz do que vem ocorrendo hoje no Estado. Assim, deixamos de nos ater a uma percepção de um passado recente do Estado em favor de uma ênfase que procure avaliar a importância de se manter ou não a fusão. Para tanto estamos nos concentrando em entrevistas, realizando um acompanhamento dos jornais que tratam sobre o assunto, entre outros recursos.

Como a pesquisa ainda está em andamento, não temos no momento uma outra conclusão além do que foi apontado na pergunta nº 8. 

 

 


 Autonomia carioca

 

Dois anos depois, em 2004, o tempo da fusão ( desfusão ) pega “fogo” . Surgiram palestras, candidaturas para a Câmara dos Vereadores defendendo a revisão da medida, etc. Curiosamente, terminada a campanha eleitoral, o assunto está menos propalado. Segue abaixo uma reflexão de um movimento, Autonomia Carioca, que teria absorvido um outro, o Guanabara Já , e que capitaneou as discussões sobre o assunto.

Autonomia Carioca  ( outubro de 2004 )

Ao término do processo eleitoral cabe uma reflexão sobre um movimento que até então esteve afeito a alguns artigos, discussões fechadas entre políticos, mas que pouco avançava além disto, refiro-me ao movimento Autonomia Carioca. Pela primeira vez, desde a decisão do Congresso Nacional em favor da fusão dos estados da Guanabara e do Rio de Janeiro em junho de 1974, o tema chega às ruas do Rio de Janeiro.

É uma situação alvissareira porque coloca em discussão a medida em outro patamar. Do regime militar muita coisa foi discutida, porém, a fusão adotada numa época em que o Congresso encontrava-se literalmente dominado pelo exercício do poder pelos militares encontra-se incólume de qualquer revisão até o presente momento.

Assim, discutir a fusão significa tratar do modo como o atual estado do Rio de Janeiro foi formado em termos burocrático e administrativos. Querer compreender a situação econômica do mesmo sem ter em conta a sua situação institucional, sem levar em conta o modo como a decisão foi deliberada e como esta contamina as atividades produtivas é pouco produtivo.

Naturalmente, que a resistência a esta discussão não é pequena. Mas está na hora de a realizarmos publicamente. Não é possível negar, também, iniciativas oportunistas no sentido de viabilizar bandeiras que nada dizem respeito à situação de uma cidade com cerca de seis milhões de pessoas que de vitrine nacional passa a ser vista como o exemplo de que há de mais sombrio no campo da insegurança pública.

Na intenção de viabilizar uma consulta à população da cidade do Rio de Janeiro sobre a continuidade da fusão e , ao mesmo tempo, evitar propostas caronas cujo intuito pouco se afina com os dissabores que afetam a cidade; cabe considerarmos um processo em duas etapas, a saber: tendo em conta que é esta cidade que apresenta nestes últimos trinta anos as principais pessoas que lutam pela revisão da fusão, haveria uma consulta ( um plebiscito ) sobre ser favorável ou não à continuidade da decisão.

Caso a população se posicionasse desfavorável à fusão haveria uma segunda etapa, nesta seriam apresentadas propostas de diferentes recortes do estado do Rio de Janeiro que seriam postas em votação considerando as populações diretamente afetadas pelas alternativas.

Naturalmente que a segunda fase é de maior complexidade, porém, não há sentido de discuti-la se na primeira a população carioca posicionar-se favorável à fusão. E caso isto ocorra é sinal de que a tese da fusão saiu consagrada !

Helio de Araujo Evangelista ( www.feth.ggf.br )

 

 


 

Dia da fusão – 15 de março, uma verdadeira confusão !

 

A atual governadora estadual do Rio de Janeiro, Rosinha Garotinho, estabeleceu em 2005 o dia 15 de março como o dia da fusão dos estados da Guanabara e do Rio de janeiro; havendo, inclusive, o intuito de não só ficar na comemoração mas também estabelecer neste dia um feriado estadual; não fosse a pronta reação dos empresários é possível que teríamos um novo feriado.

 

Porém, qual não foi o lado irônico da situação que a data foi comemorada pelo sentido inverso, qual seja, gerou um rotundo apelo pela desfusão com direito a faixa na praia etc.

 

Por força da situação, nos meses de março e abril daquele ano vim a prestar oito depoimentos sobre o assunto, sendo que quatro no Rio de Janeiro ( RJ ) e quatro em Niterói ( RJ ). No Rio, duas entrevistas foram prestadas, respectivamente, para os jornais O Globo e Jornal do Brasil, ainda participei de uma mesa-redonda sobre o tema na Rádio Mec AM e dei uma entrevista à rede de televisão TVE .  Em Niterói, por sua vez, dei entrevista para os jornais Tribuna e O Fluminense, assim como para a revista Naturalmente; e, em termos de televisão, participei de um programa universitário ( Conversa de Academia ) promovido pela Universidade Federal Fluminense e transmitido pelo canal 17 da tv a cabo Net para as regiões de Niterói ( RJ ) e São Gonçalo ( RJ ). [1]

 

Dos depoimentos, alguns foram registrados, ou porque realizados por e-mail, ou porque foram gravados. Como de costume, do muito que você fale sobre o tema, o que acaba sendo aproveitado na edição final é muito pouco ... televisão menos ainda. Mas, muito do que foi observado encontra-se acima já registrado em entrevistas anteriores, assim, neste novo capítulo do processo, introduzo aqui uma reflexão sobre o que vem ocorrendo relacionado ao tema.

 

Em termos simplificados percebe-se duas tendências, uma de índole questionadora e crítica que defende a desfusão; outra, com característica mais amena e ponderada defende a necessidade de não entrarmos em aventuras ! O que chama a atenção nestas duas posições é a existência destas já na década de 70. Quando, por exemplo, o deputado Álvaro Valle elabora o primeiro projeto de lei prevendo o plebiscito junto a população sobre a continuidade ou não da fusão; e, a funcionária do Instituto de Pesquisa em Economia Aplicada, Ana Maria Brasileiro, confecciona o primeiro livro sobre o tema, caracterizando a fusão como uma política pública; temos, então, o desenho de um cenário que hoje mostra-se revigorado só que com titulares diferentes.

 

Mas o que parece ficar claramente visível que os defensores da desfusão não pertencem a uma dada geração, a luta remonta ao primeiro ano da fusão, além disso,  não pertencem a um perfil ideológico definido, não podemos caracterizar a defesa da desfusão como sendo de direita ou de esquerda! Enfim, é um processo rotineiro, repetitivo, que se recusa a sair da agenda do estado do Rio de Janeiro. Por que isto ?

 

Há uma variável constante que suscita pessoas, de tempos em tempos, a levantar a bandeira da desfusão. Que variável é esta ? Parece-me que tem uma relação com o processo de formação da identidade de um membro da federação brasileira. O Estado do Rio de Janeiro não tem identidade; não há um eixo estruturante do mesmo enquanto um corpo coeso de história, interesse, projetos, etc. É um estado bi-fronte, um carioca, outro fluminense. E a união entre as partes foi estabelecida numa época que era difícil dizer NÃO. Houvesse ocorrido um plebiscito na época , ou até mesmo depois, e que houvesse tido a população uma posição favorável à fusão, não passaríamos pela situação de comemorar o surgimento do estado levantando a bandeira de sua diluição.

 

Outra questão é: por que tanto medo do plebiscito ? O plebiscito, como em outras oportunidades, esteve muito próximo de ter sido aprovado em 2005, mas, como já ocorrido em outras épocas, a proposta foi capturada e não levada para frente. Será que eles ( elite empresarial e política ) têm tanta certeza que ocorrendo o plebiscito a população forçosamente votaria pela desfusão ? Seria tão fácil assim, criar um processo de conscientização e uma unidade de modo que a maioria da população carioca viesse a votar contra a fusão como a solução de seus problemas ?

 

Os argumentos favoráveis à fusão, como à desfusão, são, consistentes ! Particularmente não me sinto devidamente esclarecido para lutar por um lado, ou outro. Geralmente, as argumentações giram em torno de questões técnicas, tributárias, porém, pouco fica amostra a correlação de forças que estaria ensejando o processo. A questão da desfusão é essencialmente uma questão de poder; fruto de uma correlação de forças; a depender do teor político da desfusão , a mesma pode vir a gerar um grande problema !!!

 

De qualquer modo, o assunto não termina por aqui ! Afinal, a história já tem trinta anos e não ocorreu desfecho algum, por que então pensaríamos que o processo termina aqui. Novos capítulos surgirão! Talvez tenhamos no futuro lideranças mais audaciosas que enfrentem o desafio de saber se de fato há um estado, o do Rio de Janeiro, ou temos uma farsa !

 

De qualquer modo, coube aos movimentos Guanabara Já e Autonomia Carioca, a popularização do tema, ou seja, pela primeira vez, neste espaço de trinta anos, o assunto fusão/desfusão ganhou as ruas e encheu auditórios para debates.

 

Helio de Araujo Evangelista ( www.feth.ggf.br )

 

Não deixe de conhecer: www.feth.ggf.br/Video ( uma entrevista na televisão sobre  o tema ) e www.feth.ggf.br/Luta.htm ( um artigo tratando do caminhos percorridos pela fusão e desfusão até o dias atuais ).

 

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[1] Mais recentemente, em setembro de 2005, prestei um novo depoimento que veio a ser utilizado pelo Jornal da UFRJ na edição mensal do mês seguinte,