Entrevista ao graduando Leonardo Mello, da área de biblioteconomia da Universidade Federal Fluminense, sobre a futura invasão norte-americana contra o Iraque. Março de 2003. Durante um certo período a mesma foi divulgada por uma página na internet.

 

Leonardo Melo ( LM ): A mídia fala em desarmamento do Iraque, controle das jazidas de petróleo, controle político do Oriente Médio ... Mas na sua opinião qual os reais motivos dos ataques ao Iraque?

 

Helio Evangelista ( HE ):  A medida que a guerra evolui, fica mais claro que os Estados Unidos cometeram uma série de equívocos  nesta invasão. Houve um erro na consideração de como atacar a nova ameaça que tomava formas mais claras a partir de 11 de setembro.

 

Após a Guerra Fria, um conflito pautado na lógica dos estados nacionais, ocorreu um processo pelo qual os principais movimentos bélicos dos Estados Unidos teriam um crivo multilateral, senão de aceitação ao menos de tolerância por parte dos principais países do globo. Porém, em função de 11 de setembro, foi acelerado um processo na elite dirigente norte-americana pelo qual a sua defesa não estaria tão pendente de decisões multilaterais! ( O que é um dos equívocos )

 

A política norte-americana atualmente vigente procura por meios inadequados enfrentar cenários para os quais não se encontra devidamente aparelhada, ou seja, é um estado nacional que em nome de sua proteção ataca um outro estado nacional. O que ameaça os Estados Unidos não é um estado nacional, mas uma rede de base conspiratória que tende a ganhar mais força com esta invasão sobre o Iraque. O meio comunicacional de nossa era possibilitou o alavancamento de movimentos libertários não tanto identificados com bases territoriais nacionais precisas mas com parâmetros ideológicos um tanto difusos mas suficientemente fortes para realizar operações audaciosas, tal como foi 11 de setembro. ( A luta contra esta rede está a exigir muito mais um eficiente rede de inteligência do que ficar lançando bilhões de dólares na forma de armas contra o território iraquiano )

 

Enfim, no meu entender, a guerra decorreu de um erro avaliação pois o que os Estados Unidos possam ganhar com petróleo  pode vir a perdê-lo à médio prazo com a instabilidade que ele próprio gerou no cenário internacional.

 

Leonardo Melo ( LM ): Até que ponto o ataque às torres gêmeas contribuiu para realizar o antigo desejo dos EUA de bombardear o Iraque ?

 

Helio Evangelista ( HE ): O ataque às torres gêmeas tornou mais fácil a ação dos que propugnavam um Estados Unidos afeito à defesa dos seus interesses independente das decisões coletivas dos outros países e são estes que agora atacam o Iraque. O ataque às torres deixaram os líderes do partido democratas norte-americanos sem muita alternativa diante do furor bélico do governo norte-americano.

 

Leonardo Melo ( LM ): Esta guerra é também uma guerra de informação, com TV, rádio e Internet sendo manipulados por ambos os lados para comover a opinião pública a favor de um ou de outro lado, afinal temos as "CNN's" e as "Al Jazeera's" da vida. Como você vê isso?

 

Helio Evangelista ( HE ):Este é um aspecto “interessante” da guerra. Se no campo estritamente material os Estados Unidos estão aplicando uma surra ao Iraque, no campo da imagem ocorre o oposto. E é uma situação tão grave que não mais atinge a figura do governo norte-americano, mas também as empresas norte-americanas ícones.

 

Mesmo que os Estados Unidos ganhem a guerra ele sai derrotado em termos de respeitabilidade e aí começa o lado mais sombrio do conflito, contra os Estados Unidos, que é a oposição silenciosa, afeitas a escaramuças atingindo diferentes escalas. Desde o que não bebe mais coca-cola, aquele que joga pedra no Mac Donald, ajuda financeira a movimentos de guerrilha, e até participação em atentados.

 

Leonardo Melo ( LM ): Porque França e Alemanha não apóiam os ataques? Seria apenas um desejo de paz ou poderia haver algum interesse econômico por trás disso?

 

Helio Evangelista ( HE ): Imagina! França e Alemanha não tem tantos pendores pela paz assim ! Ocorre uma questão comercial, particularmente para a França que já esperava contar com contratos na área petrolífera com Iraque. No caso da Alemanha, nação mais forte da União Européia no campo econômica, percebe que uma nação norte-americana descomprometida com o direito internacional deixa à União Européia pouco espaço para vir a ocupar um papel de ascendência no cenário internacional sem a tutela dos Estados Unidos.

 

Leonardo Melo ( LM ): Para atacar o Iraque, os EUA contrariaram a ONU, contrariaram a opinião pública mundial, mataram civis inocentes, dividiram a Europa ... Estes não deveriam ser objetivos de terroristas como Bin Laden ao invés de atos provocados por um homem como Bush, que julga fazer uma guerra pela liberdade e contra a opressão?

 

Helio Evangelista ( HE ): Esta pergunta tem uma referência de conteúdo mais ético. Nós saímos do campo da compreensão do conflito para entramos no julgamento.

 

Parece importante destacarmos que George Bush não é os Estados Unidos. A nação norte-americana não se encontra coesa em relação ao conflito. Os episódios que marcaram a entrega do Oscar e as passeatas ( com milhares de pessoas presas ) sinalizam que a guerra não é facilmente aceita pelo povo americano.

 

Leonardo Melo ( LM ): Se por um lado Saddam representa uma ameaça e se por outro lado Bush também representa uma ameaça, qual seria a solução para garantir segurança aos civis iraquianos que nada têm a ver com a guerra?

 

Helio Evangelista ( HE ): A saída, sem cair em idealismos, é aquela que se apresenta no momento. Concretamente, já há uma ajuda humanitária ao povo iraquiano proporcionada pelos próprios Estados Unidos. A Organização das Nações Unidas vem procurando entrar no processo. Afora isto, só mesmo o término do conflito o mais rápido possível !

 

Leonardo Melo ( LM ): Alguns analistas afirmam que a supremacia americana pode durar poucos anos, sinceramente eu não entendi o porquê. Qual a sua opinião à respeito?

 

Helio Evangelista ( HE ): Esta guerra está a mostrar que uma pesada máquina de matar nem sempre significa uma rápida vitória. Há outros elementos que decidem uma guerra, entre os quais, o da legitimidade. A ausência de legitimidade provoca uma série de reações, rancores, que passam a usar toda sorte de meios para atacar o inimigo. O ataque às torres gêmeas é uma etapa, a mais ambiciosa no momento, mas não parece que seja a última.

 

Provavelmente os Estados Unidos cairão não em função de uma guerra declarada formalmente por um país, mas sim por está múltipla ação de vários agentes, de todo globo, exercendo opções que de um modo, ou de outro acabam minando o poderio. Algo semelhante ao que ocorreu com o império romano ou ao império britânico na Índia.

 

Leonardo Melo ( LM ): Algumas pessoas têm confundido o desejo de Bush com o desejo do povo americano e com isso, em algumas partes do mundo, americanos estão sendo hostilizados. Inclusive, segundo a Rádio CBN, a MTV européia parece ter proibido a vinculação de clips musicais da banda americana B-52's. Você acredita que este ódio aos americanos que algumas pessoas cultivam pode trazer problemas aos EUA num futuro próximo?

 

Helio Evangelista ( HE ): Já está trazendo!

 

Leonardo Melo ( LM ): E como fica o Brasil e Lula diante disso tudo ?

 

Helio Evangelista ( HE ): Esta guerra é tudo que o Brasil e seu presidente não poderiam desejar. Para um país que decidiu combater o seu forte passivo social, a começar pela luta contra a fome, a instabilidade provocada pela guerra cria um embaraço terrível no fluxo de recursos em favor do Brasil na forma de investimentos e empréstimos, além de acelerar o retorno  de recursos estrangeiros para o seu país de origem ( deixam de investir para poder enviar lucros para a matriz ).

 

Leonardo Melo ( LM ): Muito obrigado pela atenção e fique à vontade para deixar suas considerações finais ou deixar qualquer mensagem para os que lerem esta matéria:

 

Helio Evangelista ( HE ): PAZ

 

Retorna