Geografias moderna e
pós-moderna: os debates recentes [1]
Helio de Araujo Evangelista [2]
( www.feth.ggf.br )
INTRODUÇÃO
Hoje, podemos considerar que há uma crise da razão [3]
, e subjacente à mesma, há uma busca por novos caminhos. Afortunadamente,
vivemos uma época em que as certezas caíram, e a perplexidade toma vulto, deste
modo a procura por novas respostas é acentuada.
Mas, qual seria a perspectiva para a Geografia dentro de
um quadro tão “confuso” e rico pelo qual passa a ciência? Não é uma resposta
muito fácil de ser dada, pois, afinal, vários são os enfoques conceituais sobre
a Geografia, havendo diferentes intelectuais que duvidam da cientificidade da
mesma, como o faz, por exemplo, Jean Piaget [4].
A Geografia não é uma disciplina paradigmática, como é a Física[5],
e, portanto, fica ao sabor de interpretações e julgamentos, que em última
análise, estão norteadas pela visão de mundo daquele que analisa e critica a
sua história.
A análise desta fase contemporânea da Geografia é
realizada no trabalho em três partes: na primeira, são analisados os conceitos
de modernidade e de pós-modernidade - a compreensão destes dois termos nos
auxilia a qualificar o nosso olhar sobre o curso da Geografia ; em seguida, na
segunda parte do trabalho, são analisadas as linhas recentes do pensamento
geográfico e os respectivos momentos de rupturas; a partir deste levantamento,
é realizado na última parte do trabalho uma análise da Geografia Moderna e
Pós-Moderna.
PARTE I - Modernidade e
Pós-Modernidade
·
A
Modernidade
O tema da modernidade é por demais controverso e complexo
para ser tratado de forma acabada neste espaço do trabalho; deste modo,
procuraremos, a partir de dois geógrafos, David Harvey e Paulo César da Costa
Gomes, traçar linhas gerais e fundamentais que ajudem a defini-la.
David Harvey in A condição pós-moderna - uma pesquisa
sobre as origens da mudança cultural
chama atenção para o aspecto estético do modernismo que é marcado por um
movimento dual entre o transitório e o eterno; a característica deste processo
é o da ausência da preservação dos laços com o passado...“A modernidade, por
conseguinte, não apenas envolve uma implacável ruptura com todas e quaisquer
condições históricas precedentes, como é caracterizada por um interminável
processo de rupturas e fragmentações internas inerentes”. ( 1993, pp. 21-22)
O que importa destacar na contribuição de David Harvey é
a não existência de um modernismo, ou uma modernidade; quando ele historia o
processo, ele demarca claramente as diferentes fases históricas, assim como, as
suas conotações conforme os lugares ( Ibidem, p. 33)
A primeira fase corresponde à expansão do movimento
iluminista, a partir do século XVIII, neste período houve a perspectiva de que
era possível conferir à razão um caráter universal, sendo possível alcançarmos
uma única resposta a qualquer pergunta. ( Ibidem, p. 35 )
A seguir, os eventos históricos ocorridos na França,
culminados com a revolução social de 1848, fizeram o projeto iluminista começar
a ruir pois passou a ocorrer um questionamento de se ter uma única forma de
pensar e conceber a realidade “.... A fixidez categórica do pensamento
iluminista foi crescentemente contestada e terminou por ser substituída por uma
ênfase em sistemas divergentes de representação.” ( Ibidem, p. 36 )
Para efetivar a desilusão com o projeto do iluminismo,
concorreu a difusão do ideário socialista; a análise da sociedade a partir de
suas disparidades sociais evitou a noção de que todos eram iguais, com iguais
condições de expressão e luta pelos seus interesses. ( Ibidem, p. 37 ) Este
processo adquiriu maturidade ao final do século XIX quando a experimentação na
literatura, artes plásticas, concepções políticos, etc. prepararam o caminho
para uma nova fase do modernismo, que se desenvolve até a época da Primeira
Guerra Mundial quando denotava-se uma verdadeira alienação em relação aos fatos
políticos, ou seja, a expressão cultural não tinha no campo político um
engajamento pautado por compromissos.
No entanto, na fase seguinte, a do interstício das duas
grandes guerras, o quadro mudou os artistas foram cada vez mais forçados pelos
acontecimentos a explicitar seus compromissos políticos. Nesta nova fase, nós
verificamos que o “... o modernismo assumiu um perspectivismo e um relativismo
múltiplos como sua epistemologia, para revelar o que ainda considerava a
verdadeira natureza de uma realidade subjacente unificada, mas complexa.” (
Ibidem, p. 37-38) Esta fase histórica
foi caracterizada por uma profunda quebra dos ideários que até então conduziram
o projeto modernista ( o da razão universal, código de valores universais, etc.
), deste modo, houve uma profusão de correntes que chegaram a obscurecer o
significado da razão neste processo .
Nesta profusão de imagens, valores, ideários, numa
verdadeira convulsão de padrões culturais, inclusive comportamentais, o aspecto
mítico do modernismo adquiriu relevo, a premência de dar um término neste
“caos” da época tornou a questão mítica orientadora de um novo caminho pelo
qual “resolvesse” os impasses da época [6]
Neste sentido, algumas correntes iriam tomar certos aspectos da sociedade como
denotadoras de uma racionalidade redentora. ( Ibidem, p. 38 )
Por último, temos a última fase, a do pós-Segunda Guerra
Mundial, nesta, o modernismo “heróico” deu lugar ao modernismo “universal” que
usufruí uma hegemonia e apresenta uma relação mais favorável com os centros de
poder emergentes do pós-guerra. O establishment,
o status quo, é o êmulo da produção
cultural; na arquitetura, por exemplo, as idéias de seus próceres produzem
imagens de poder e de prestígio. ( Ibidem, p. 42 ) [7]
Neste contexto, o modernismo perdeu definitivamente a sua
característica de luta contra o reacionarismo e às forças tradicionais, com
exceção de alguns campos, como o cinema; a experimentação na cultura passou a
ser compreendida por um grupo reduzido e seleto, tal quadro ensejou o
aparecimento de movimentos anti-modernistas e contraculturais que desembocaram
no pós-modernismo. ( Ibidem, p. 44 )
Em sua obra Geografia e Modernidade, Paulo César
da Costa Gomes, por sua vez, entende ser a modernidade construída...“sob a
forma de um duplo caráter: de um lado, o território da razão, das instituições
do saber metódico e normativo; do outro, diversas “contracorrentes”,
contestando o poder da razão, os modelos e métodos da ciência institucionalizada
e o espírito universalizante” ( 1986, p. 26 ).
A modernidade é considerada, como um novo código de
valorização que se espraia pelas mais diversas esferas da vida social tomando
diferentes formas “...e que possui uma dinâmica espaço-temporal muito complexa
para ser objeto de uma precisa localização, ainda que uma época moderna seja
facilmente identificada.” E é dentro do espectro deste processo de
reconfiguração dos valores sociais que a ciência ocupa um destacado papel por
ser um discurso fundamental do novo código de valores da modernidade. ( Ibidem,
p. 28 ). [8]
Paulo César aventa a hipótese de que a modernidade retém
em sua base um duplo fundamental caráter formado pelo par novo/tradicional.
Embora sejam noções antigas (novo/tradicional ), elas se tornaram um verdadeiro
sistema de valores; para se falar de tradição, por exemplo, há de se referir a
um sistema de valores apoiados no novo, assim, ..“são dois sistemas que se
opõem mas que estruturam uma mesma ordem”.(Ibidem, p. 29 ).
O sistema da racionalidade, dentro do contexto da ordem
forjada pelos dois sistemas de valores novo/tradicional é constituído por uma
percepção de progresso, que tende “...a uma aproximação das realidades últimas
de um fenômeno, através do controle e domínio da linguagem e da lógica
científica”. ( Ibidem, p. 30 )
Correlata à dimensão da progressão, pautada pela
confrontação, ....“a crítica é, desde o final do séc. XVIII, até nossos dias, o
veículo e o motor do processo da renovação moderna”. ( Ibidem, p. 31 ).
No entanto, quando Paulo César chama atenção para a
descrição dos dois pólos epistemológicos que estão a se defrontar no curso do
modernismo, a razão e a anti-razão, ele não pretende esgotar o assunto da
modernidade, ou seja, ele reconhece que este enfoque tem as suas próprias
limitações, porém o que valida esta sua forma de abordar o modernismo é a sua
preocupação com a evolução da ciência e seu respectivo efeito para a Geografia.
Deste modo, a análise da oposição entre correntes epistemológicas propicia luz
sobre o papel da racionalidade na ciência moderna e abre um debate sobre a
natureza da Geografia. ( Ibidem, pp. 39-47 )
·
A
Pós-Modernidade
David Harvey analisa o pós-modernismo enfatizando a
perspectiva estética deste movimento, ao introduzir uma série de referências
que dizem respeito à arquitetura, cinema, literatura, pintura, etc. de modo a
realçar aspectos que no seu entender caracterizam o processo pós-moderno. No
entanto, ele reconhece que o movimento não se restringe ao exclusivo campo cultural;
no campo do planejamento urbano, por exemplo, é adotado a norma de se procurar
“...estratégias “pluralistas” e “orgânicas” para a abordagem do desenvolvimento
urbano como uma “colagem” de espaços e misturas altamente diferenciados, em vez
de perseguir planos grandiosos baseados no zoneamento funcional de atividades
diferentes”. ( 1993, op. cit, p. 46 )
Para David Harvey, o fato mais marcante sobre o
pós-modernismo é a sua aceitação “...do efêmero, do fragmentário, do
descontínuo e do caótico que formavam uma metade do conceito baudelairiano de
modernidade.” ( Ibidem, p. 49 ) [9]
Na medida que não se tenta legitimar-se pela referência
do passado, o pós-modernismo valoriza o pensamento que destaca o caos da vida
moderna e a impossibilidade de lidar com ela pela via racional; não sendo
possível, assim, por uma metalinguagem ou metateoria[10]
revelar uma conexão entre os fatos, o que significa a inexistência de uma
determinada ordem na vida.
Não sendo possível ter uma visão unificada do mundo, o
pragmatismo é a única filosofia de ação possível. A improcedência de se engajar
num projeto global, dada a característica multifacetada da vida, exige que o
pragmatismo venha a ser a forma mais adequada para lidar com os diferentes
aspectos da vida, e assim garantir um caráter não repressivo. “...A ação só
pode ser concebida e decidida nos limites de algum determinismo local, de
alguma comunidade interpretativa, e os seus sentidos tencionados e efeitos
antecipados estão fadados a entrar em colapso quando retirados desses domínios
isolados, mesmo quando coerentes com eles.” ( Ibidem, p. 56 ).
Um outro aspecto que Harvey destaca no pós-modernismo,
diz respeito ao seu lado psicológico; enquanto o modernismo dedica-se à busca
do futuro, o pós-modernismo concentra-se nas circunstâncias induzidas pela
fragmentação e pela instabilidade características da vida de modo a impedir o
planejamento do futuro. [11]
Esta atitude niilista configura um quadro que o geógrafo
inglês, tendo por referência Jameson ( 1984 ), compara-o à esquizofrenia. “...A
redução da experiência a “uma série de presentes puros e não relacionados no
tempo” implica também que a “experiência do presente se torna poderosa e
arrasadoramente vívida e ‘material’: o mundo surge diante do esquizofrênico com
uma intensidade aumentada, trazendo a carga misteriosa e opressiva do afeto,
borbulhando de energia alucinatória...O caráter imediato dos eventos, o
sensacionalismo do espetáculo ( político, científico, militar, bem como de
diversão ) se tornam a matéria de que a consciência é forjada”. ( Ibidem, p. 57
)
A relação do pós-modernismo com a cultura da vida diária
é um aspecto de difícil análise, segundo David Harvey. Vários são os elementos
que forjam esta relação difusa e difícil de ser compreendida : a degeneração da
autoridade intelectual na década de 60, a chamada democratização do gosto numa
diversidade de sulbculturas, o próprio fenômeno da televisão que influencia a
cultura com elementos aparentemente soltos e desarticulados a ponto de não se
destacar qual a característica maior da situação cultural de uma determinada
sociedade, etc...O movimento contemporâneo, a rigor, explora ao máximo os
recursos fornecidos pela mídia e diferentes espécies de arenas culturais, no
entanto, não trás no seu bojo um processo de vanguarda, na verdade, ele é um
movimento antivanguardista. ( Ibidem, p. 62-64 )
PARTE II - As Correntes de
Pensamento na Geografia
·
Apresentação
Há um consenso dentre os autores consultados [12]
de que após a Segunda Guerra, até os dias de hoje, existiram, e continuando
atuando no campo da Geografia três grandes escolas, a saber: Geografia
Quantitativa, a Geografia Humanística e a Geografia Crítica.
A análise destas correntes de pensamento decorre da
intenção de aumentar a nossa perspectiva do que possa ser moderno e pós-moderno
na Geografia; deste modo, evitamos uma discussão bipolar entre modernidade e
pós-modernidade na Geografia.
A análise de cada corrente, por sua vez, será realizada
segundo os aspectos histórico e teórico; ficando ao final desta segunda parte
do trabalho o “diálogo/duelo” entre estas correntes.
·
A
Geografia Quantitativa ou Nova Geografia
Aspectos históricos
A profunda transformação do pensamento geográfico nos
anos cinqüenta teve sua origem no que foi verificado durante a Segunda Guerra Mundial,
a saber: tendência generalizada de se criar formas de compreensão mútua entre
diferentes campos de conhecimento como parte do esforço para vencer a guerra;
tal fenômeno levou a uma nova interpretação conceitual e metodológica a partir
da adoção de uma mudança das bases cognitivas até então adotadas. ( Mário Bunge in Mendoza et alli, op. cit., p. 97 )
David Landes ao analisar o período do pós-guerra em
sua clássica obra Prometeu desacorrentado destaca que o evento bélico
trouxe significativas perdas tanto no aspecto demográfico, quanto material.
Numa estimativa, David Landes indica, no que tange à
questão demográfica, a perda de 32, 2 milhões de pessoas atingidas diretamente
pela guerra, fora as que deixaram de nascer e as que morreram devido aos efeitos
indiretos da guerra como a propagação de doenças. [13]
No que diz respeito aos recursos materiais, apenas como
uma referência, cabe destacar que através da União Européia de Pagamento, uma câmara de compensação de
compromissos financeiros entre os países-membros, foram compensados, no prazo
de oito anos, empréstimos contraídos pelos países europeus para a sua
reconstrução no total de US$ 46,4 bilhões de dólares. ( Ibidem, p. 522 ). [14]
A forma como ocorreu o soerguimento dos países envolvidos
no conflito, e principalmente os europeus, é motivo de controvérsias dado a
complexidade de fatores que interferiram no processo, mas, numa forma sintética
David Landes destacou quatro aspectos, dos quais o primeiro, e provavelmente o
mais importante, veio a ser o aumento do conhecimento, tanto científico quanto
tecnológico. ( Ibidem, p. 553 )
Segundo David Landes, a compreensão do processo de
soerguimento dos países afetados pela guerra passou pela formação de uma nova
mentalidade, assim ele se expressa: “No mundo do após-guerra, o mais
proeminente desses elementos tem sido o cognitivo - o crescimento do
conhecimento científico e sua transposição para uma espantosa gama de novos
produtos e técnicas. Qualquer um de nós é capaz de redigir uma lista dessas
inovações, muitas das quais passaram, no espaço de uma geração, de curiosidades
a esteios fundamentais da vida e do trabalho no século XX - desde o rádio
portátil em miniatura que o adolescente hipnotizado prende ao ouvido enquanto
anda pela rua, até o gravador do amante da música ou do antropólogo e os
imensos computadores de muitos milhões de dólares da IBM. ” ( Ibidem, p. 530 ).
Assim, a partir das observações de David Landes, fica
frisado que não apenas o esforço para a guerra vinculou novas formas de
relacionamento no campo científico, mas, também, o período de reconstrução
trouxe uma notória necessidade de se forjar uma nova forma de comunicação que
favorecesse o processo de soerguimento dos países atingidos pela guerra.
A fundamentação deste novo padrão científico, a partir de
diferentes contribuições de filósofos e epistemólogos, esteve assentada na
preocupação com o esclarecimento da lógica do pensamento, que implicou numa
compreensão da estrutura formal da linguagem como sistema de regras ( havendo
assim, uma íntima relação entre lógica, linguagem e mundo ) . ( Mendoza et alli, 1982, pp. 99-100 ).
A nova formatação do campo do conhecimento, a partir da
2ª G.M., encontrou na ciência física o modelo na seleção dos critérios
conceituais e metodológicos a serem utilizados; assim, este projeto, de
reformulação do campo do conhecimento, foi permeado por uma preocupação em
adotar sistemas lógicos e matemáticos que favorecessem a homogeneização das
ciências por tratamento metodologicamente uniformes.
Valorizada a questão da linguagem, coube a busca de uma
forma de comunicação que expressasse: a ) a lógica interna de um raciocínio; b
) a conexão entre este raciocínio e a experiência da realidade; c ) uma
comunicação entre campos do saber ao ter um sistema de códigos comuns, e d )
que fosse universalmente aceito . Tal busca encontrou na linguagem matemática a
melhor forma de se alcançar os objetivos almejados. ( Mendoza et alli, 1982, p.
101 )
Assim, a quantificação viabilizou a transferência de
teorias e conceitos de um campo a outro da ciência; sendo uma linguagem
formalizada, que garantia a clareza, coerência e rigor da explanação de uma
idéia, evitando a existência de incongruências. ( Capel, 1981., p. 386 )
Dada a circunstância da época, e com a mesma afetava a ciência,
cabe considerarmos, a seguir, a situação da Geografia.
Segundo Antônio Christofoletti in “As características da
Nova Geografia” ( 1985, pp. 71-101 ), a Geografia Quantitativa foi sendo
desenvolvida na década de 40 nos Estados Unidos, mas apresentou na década
seguinte, com grupos de geógrafos de Washington e Chicago as formulações mais
maduras, por exemplo, é desta época a obra de Fred Schaefer que em
“Excepcionalismo na Geografia” de 1953 escreveu que a Geografia apresentava um
atraso em relação às demais ciências sociais, devido “...às ambições
irrealistas alimentadas pela idéia indefinida de uma ciência integradora única,
com uma singular metodologia própria ” ( 1977, p. 6 ).[15]
Na década de sessenta, tivemos uma outra obra,
considerada como um clássico da Geografia Quantitativa, que foi a de William
Bunge - Theoretical Geography, publicada em 1962 e ampliada e reeditada
em 1966. Esta obra teve a intenção, logo expressa em sua introdução, em atacar
a carência de discussão teórica na Geografia, muito embora advertisse que fosse
uma obra difícil para aqueles não familiarizados com a moderna geografia
matemática. Logo, ele elaborou uma relação entre o esforço de teorização na
Geografia com a sua respectiva matematização. ( Bunge, 1973 ).
A obra acima citada, combinada a de Peter Hagget - Locational
Analysis in Human Geography e
ainda Frontiers in Geographical Teaching coordenada por Richard J. Chorley e Peter Haggett, alimentaram um
ambiente onde as discussões teóricas e metodológicas em Geografia foram muito
acentuadas[16].
Durante a década de 60, os geógrafos quantitativos
passaram a controlar departamentos acadêmicos nos Estados Unidos e revistas
além de criar novas formas para veicular as suas idéias como veio a ser o
“Geographical Analysis” editado por L.J. King. (
Capel, 1981, p. 379 ).
Na Europa, segundo
Paul Claval in Evolución de la Geografía Humana, teria ocorrido um
atraso na absorção desta nova corrente da Geografia, dada “...una tradición más
estimable y más larga de trabajos orientados según los criterios clásicos; la
compartimentación de los estudios era mayor en algunos casos, lo que reducía
los contactos con-otras disciplinas”( Claval, 1974, p. 207 )
No Brasil, a escola
quantitativista teve dois grandes centros divulgadores de seu ideário, foram a
Universidade de São Carlos em São Paulo e a Universidade Federal do Rio de
Janeiro.
A Geografia Quantitativa apresenta ainda hoje uma
sobrevivência através, por exemplo, do Sistema de Informações Geográficas -
SIG’s [17],
entre outros meios oferecidos pelo sensoriamento remoto e o avanço da
matemática[18].
Aspectos Teóricos
Ao início do século XX, conforme Conceição Coelho
Ferreira et Simões in A evolução do pensamento geográfico, alguns
círculos de filósofos alemães vão aprofundar os postulados do positivismo
legados por Augusto Comte; estes círculos, a partir de seu crescimento,
forjaram o que veio a ser considerado como neopositivismo ou positivismo
lógico. [19] Esta
corrente postulava por uma ciência unificada, com uma linguagem objetiva
caracterizada por um sistema neutro de comunicação, e apoiada fundamentalmente
na evidência dos sentidos. (1986, p. 80-81 )
Entre 1940 e 1950, época da gestação da Geografia
Quantitativa, o neopositivismo apresentava as seguintes características:
“Todo o conhecimento assenta na experiência;
O neopositivismo é profundamente anti-idealista e exclui todos os problemas metafísicos;
Deve existir uma linguagem comum a todas as ciências ;
A investigação científica e os seus resultados devem ser expressos duma forma clara, o que exige o uso da linguagem matemática e da lógica;
Recusa de um dualismo científico entre as ciências naturais e as ciências sociais.” ( Ibidem, p. 81-82 )
Esta corrente filosófica, embora não fosse a única,
tentou responder aos desafios trazidos pelo término da Segunda Guerra Mundial,
que Conceição Coelho Ferreira et Simões assim sintetiza:
“Necessidade de superar a crise económica capitalista, o que provoca o aparecimento da econometria e da economia positiva;
Procura de instrumentos de controle social mais eficazes, o que teve conseqüências na sociologia e na psicologia social;
Exigências de planificação regional e urbana, originadas quer pela crise econômica, quer pela necessidade de reconstruir as áreas devastadas pela guerra, com conseqüências imediatas na geografia.” ( Ibidem, p. 83 )
Dada a circunstância histórica originada pela segunda
Grande Guerra, os “...problemas da organização espacial já não podiam ser
encarados como meras necessidades descritivas, mas assentavam, fundamentalmente,
na procura de soluções que permitissem otimizar a utilização do espaço
terrestre, de modo que a própria organização espacial das atividades humanas se
tornasse mais eficaz em si e nas relações que sempre se estabeleceram com o
espaço envolvente.” ( Ibidem, p. 83 )
Segundo Horacio Capel, Fred K. Schaefer, nascido em
Berlim, e foragido da Alemanha diante o avanço do nazismo, passou a ensinar
Geografia na Universidade de Iowa nos Estados Unidos, onde tornou-se amigo de
um dos membros mais proeminentes da corrente do neopositivismo, o Sr. Gustav
Bergmann; é através deste relacionamento que a concepção científica
neopositivista chegou à Geografia. ( 1981, op. cit., p.
381 )
O tratamento dispensado por Fred Schaefer à
Geografia Tradicional, clarifica as grandes diferenças desta com a Geografia
Quantitativa, Schaefer in “Excepcionalismo na Geografia” indica que há na
Geografia Tradicional uma concepção ideográfica-regional, não rara permeada por
uma perspectiva que valoriza a história como mola explicativa daquela paisagem,
este procedimento, segundo Schaefer não atenta para as leis subjacentes naquela
realidade analisada, logo, os geógrafos de então estariam destinados à estudar
casos únicos, excepcionais, o resultado de uma análise sobre um lugar não seria
passível de ser transferido para um outro. ( Ibidem, p. 381 )
Fred Schaefer identifica em Immanuel Kant a origem do
caráter excepcionalista da Geografia, a partir deste filósofo foi formada a
idéia da divisão dos campos de conhecimento: um voltado para uma elaboração
lógica, intelectualizada, e o outro caracterizado pela descrição localizada no
tempo e no espaço, dos fenômenos; a Geografia e a História estariam inseridas
neste último campo. ( 1977, pp. 13-14 )
Pelo neopositivismo; verificamos um vigor da análise que
enfatiza o aspecto teórico, a crença de que a realidade tem uma ordem
subjacente, sendo necessário uma preocupação com a teoria que vem a ser a
tradução desta ordem; estes postulados tiveram para a Geografia a conseqüência
de destinar aos trabalhos empíricos ( como é o caso do trabalho de campo ) um
papel marginal na pesquisa. ( Capel, op. cit. , p.
381-383 )
Em concordância a esta
orientação, os estudos de casos únicos, como determinadas regiões que
apresentam combinações singulares de variáveis físicas e humanas, são
analisados a partir da aplicação de diferentes teorias que dizem respeito às
variáveis verificadas. ( Capel, op. cit., p.
383-384 )[20]
Tendo como pressuposto a
unidade da ciência, não há porque separar os aspectos físicos dos sociais,
deste modo, a Geografia Quantitativa, não teria uma divisão entre Geografia
Física e Geografia Humana, nem seria levada a se denominar como uma ciência
social ou natural.
·
A
Geografia Crítica[21]
Aspectos Históricos
É caracterizada pela influência de uma corrente de
pensamento pouco utilizada pelos geógrafos antes da 2ª Guerra Mundial : o
marxismo.
Houve diferentes aspectos sócio-econômicos que
deflagraram a expansão do marxismo e sua respectiva influência na Geografia; de
forma resumida, a partir de Horacio Capel in Filosofia y Ciência en la
Geografia Contemporânea, caberia destacar: a) após a morte de Stálin
ocorreu um florescimento da reflexão marxista que não se viu mais tão premida
em defender as políticas do Estado Soviético; b) a expansão dos movimentos
libertários nas antigas colônias européias impulsionou a reflexão sobre o
subdesenvolvimento social e a busca de solução para os problemas sociais
encontrados; c) a consciência da degradação ambiental concorreu com a
verificação da deterioração da qualidade de vida das grandes cidades,
justificando o aparecimento de movimentos sociais que procuraram se opor a este
processo. ( 1981, pp. 404-406 )
Segundo Antônio Carlos Robert de Moraes et Costa in Geografia
Crítica - a valorização do espaço, os
geógrafos que introduziram uma abordagem crítica foram Pierre George, Bernard
Kayser, Jean Tricart, entre outros, e um marco que emulou este pioneiro grupo
da Geografia Crítica foram as Jornadas dos Intelectuais Comunistas realizadas
em Ivry, na França, no ano de 1953. ( 1987, p. 40 )
Segundo Horacio Capel, o aparecimento da Geografia
Crítica nos Estados Unidos ocorreu em 1969 quando foi apresentado na reunião da
Associação dos Geógrafos Americanos a
revista Antipode - A Radical Journal of Geography editada
por Richard Peet. Cinco anos mais tarde ocorreu a organização da Geografia
Crítica americana através da criação da Union
of Socialist Geographers e da associação Socially and Ecologically Responsible Geographers ( SERGE ). (
Ibidem, p. 427 )
A Geografia Crítica, conforme Horacio Capel, surgiu na
Europa em parte dadas as condições políticas internas caracterizadas pelo
avanço do partido comunista, e também ao influxo da escola americana. Ela
trouxe grande influência a países como a França, que tem, atualmente, em Yves
Lacoste, o seu principal representante que ao criar a revista Herodote em 1976 forjou a formação de um
grupo de geógrafos desta escola na França. (Ibidem, p. 435 )
O crescimento e a projeção da Geografia Crítica, porém,
não ocorreu sem os percalços das divisões internas.
Na França, por exemplo, existiram aqueles que comungando
a teoria marxista defenderam o abandono da Geografia na justificativa de que a
mesma seria uma herança da sociedade burguesa, de base positivista, e, portanto,
contrária aos interesses dos trabalhadores, eram os chamados liquidacionistas segundo Yves Lacoste. (
Moraes, 1987, pp. 43-44 )
Nos Estados Unidos, por sua vez, ocorreu uma discussão
interna sobre a propriedade de se manter ou não o caráter revolucionário da
Geografia Crítica, e se deveria ou não ser propagadora de uma quebra da
estrutura social vigente. Horacio Capel exemplifica esta polêmica na discussão
sobre a adoção do termo radical ou revolucionária pela Geografia. ( Capel,
1981, pp. 430-431)
No Brasil, o seu aparecimento ocorreu no segundo lustro
da década de setenta. Nesta época, a Geografia Crítica teve poderosa influência
no âmbito universitário e nas disputas verificadas na Associação de
Geógrafos Brasileiros. Poderíamos afirmar que o Encontro Nacional de
Geógrafos Brasileiros realizado em Fortaleza ( Ceará ), em 1978, demarcou o
início da projeção da Geografia Crítica, sendo o encontro seguinte, o de 1980,
no Rio de Janeiro, a vitória desta corrente frente às tendências existentes na
Geografia Brasileira.
Esta ausência da Geografia Crítica no Brasil, até o final
da década de 70, e o posterior vigor a partir desta época, podendo ser
compreendido pela situação política então vigente no país. O governo militar
instaurado a partir de 1964 conferiu à qualquer corrente de pensamento
socialista o destino de ser perseguida e banida do ambiente acadêmico. Porém,
com o estabelecimento da abertura a partir da década de setenta, o marxismo
tornou-se um verdadeiro ponto de referência para compreender o que passou e o
que se passava . Cabe destacar, no entanto, que este vigor da Geografia Crítica
era mais fácil ser verificado no ambiente universitário e menos junto aos
geógrafos dos órgãos de planejamento do governo.
Aspectos Teóricos
Horacio Capel indica que o marxismo foi considerado até a
Primeira Guerra Mundial como um pensamento que proporcionava uma visão completa
da sociedade e da natureza, ( 1981, op. cit, p. 439 ) sendo indicado como uma
espécie de um novo padrão científico, pelo qual seria possível um forma global
de analisar a realidade.[22]
Após a Primeira Grande Guerra, a interpretação sobre o
marxismo primou por uma discussão histórica, já não alimentando a pretensão de
ser uma nova forma de ser ciência, mas fundamentalmente uma nova forma de ver a
sociedade. Por este enfoque, a história passou a ser compreendida por mudanças
nos sistemas sociais decorrentes do esforço humano em dominar a natureza, e
estas trocas estariam permeadas por um progresso que levaria a um determinado
fim. ( Capel, op. cit., pp. 439-440 )
O pensamento filosófico da Geografia Crítica, no entanto,
é, segundo Josefina Gómez Mendoza et alli ,
reconhecido pela sua diversidade de direções, tendo assumido, basicamente,
duas rotas, a saber: 1ª encontrar uma teoria nos textos fundadores do
materialismo histórico; 2ª a partir das categorias existentes e do método
marxista, operar novos conceitos para a Geografia. (
1982, op. cit., p. 148 )
Para a primeira rota foi verificada uma divergência
entre aqueles que entendiam Marx como fundador de uma teoria da geografia [23]
; e outros que entendiam o oposto, Marx negligenciou o espaço [24].
( Ibidem, p. 149 )
Para a segunda rota, foi considerado importante destacar
o método marxista enquanto proporcionador de uma teoria da sociedade; por esta
teoria, existiriam relações complexas entre a sociedade e o espaço; tal
posicionamento incorreu em negar a autonomia do espaço, tendo seu conteúdo dado
pela sociedade. ( Ibidem, p. 149-150 )[25]
A partir da configuração do pensamento marxista na Geografia,
onde foi enfatizado um entendimento historicista da sociedade, surgiu a
dificuldade de se adequar a linguagem da temporalidade com o da espacialidade.
Yves Lacoste indica a dificuldade de se ter em Marx um ponto de apoio para a
Geografia, e, segundo uma passagem encontrada na obra da Josefina Mendonza,
Lacoste observa: “...el razonamiento marxista no basta, en particular, para
garantizar un fecundo entendimiento de las estrategias diferenciales sobre el
espacio. Se acepte o no en toda su dimensión la
crítica lacostiana al discurso geográfico marxista, parece indudable que éste
supone un modo de entendimiento que, al centrar toda su argumentación en las
capacidades de determinación que se atribuyen a los procesos históricamente
actuantes, se ve abocado a negar de hecho - explicita o implicitamente - la
espacialidad. ” (
Mendoza, op. cit., pp. 152-153 )
Além deste aspecto, Josefina Mendoza indica na Geografia
Crítica a falta de uma melhor compreensão dos aspectos ecológicos e
energéticos, falta, assim, em sua base
uma tomada de consciência, conceitual e analítica para tratar destes temas (
Ibidem , p. 153 ); sobre a relação homem-natureza, Antônio Carlos identifica
que o marxismo força a opção dos geógrafos ou a Geografia é uma ciência da
sociedade ou uma ciência da natureza, e sendo adotado a Geografia como ciência
social os fenômenos da natureza serão destacados enquanto recursos para a
sociedade . ( Morais et Costa, 1987, p. 58 ) [26]
·
A
Geografia Humanista .
Aspectos Históricos
João Baptista Ferreira de Mello in O Rio de Janeiro
dos compositores da música popular brasileira - 1928/1991 - uma introdução à
geografia humanística definiu a
Geografia Humanística como sendo uma forma de compreender a multiplicidade dos
acontecimentos da vida a partir dos valores e sentimentos das pessoas, evitando
assim o esforço de se reduzir o mundo a leis, ou corpo teórico, etc. ( Mello,
1991, p. 30 ).
A Geografia Humanística foi originada, segundo Werther
Holzer in A Geografia Humanista - sua trajetória de 1950 a 1990, pela
contribuição de David Lowenthal que, a partir dos estudos de “percepção do
entorno” propostas por Wright ( 1947 ) e estudos provindos de outras
disciplinas como a psicologia comportamental e o urbanismo culturalista, abriu
um novo horizonte na Geografia. ( 1992, p. 7 )
Para realizar um levantamento histórico desta corrente da
Geografia há uma notória dificuldade pois falta material e ainda há uma
confusão quanto a forma de precisar o campo da Geografia Humanista [27]
; deste modo, Werther Holzer apresenta, a partir de um precioso levantamento
bibliográfico, os principais precursores e promotores desta linha da Geografia.[28]
A década de 60 foi marcada pela busca de uma renovação na
Geografia, principalmente por geógrafos culturais e históricos que perfilaram
os seus esforços valorizando a subjetividade das ações humanas. Dentro deste
espectro David Lowenthal e em seguida Yi-Fu Tuan assentaram as bases da
Geografia Humanista. Um encontro acadêmico decisivo que demarcou esta nova
forma de perceber o estudo geográfico ocorreu na sessão especial intitulada
“Percepção do entorno e comportamento” realizada durante encontro nacional de
geógrafos americanos promovido pela Association
of American Geographers em 1965. ( Holzer, 1992, p. 8 )
Na década de 70, segundo Werther, tivemos esforços
isolados para a constituição da Geografia Humanista ( como os de Yi-Fu Tuan e
Anne Buttimer ) até o advento da publicação da obra de David Ley e Marwyn
Samuels Humanistic Geography:
prospects and problems em 1978, que amealhando uma série de contribuições
de geógrafos, configuraram um coletivo de geógrafos humanistas . ( Holzer,
1992, p. 285 )
A ascendência deste coletivo conheceu na segunda metade
da década de 70 a sua melhor fase, foi a época que o movimento adquiriu maior
projeção na mídia - dado o destaque da temática ambiental, assunto tão
trabalhado por eles. ( Holzer, 1992, pp. 305-306 ).
A década seguinte, a de 80, assistimos a um refluxo do
movimento pois a expansão “...gerou um crescente ecletismo, com apropriações
diferenciadas das idéias enunciadas pelo coletivo humanista, que passavam a
domínios bastante diferenciados do inicial, ligada à geografia cultural e
histórica norte-americana”. ( Holzer, 1992, p. 345 ).
Esta expansão rumo à dissolução foi permeada por uma “troca
de idéias” entre diferentes linhas de pensamento, destacadamente com o
positivismo e o marxismo. Neste sentido caberia aqui aprofundarmos os aspectos
filosóficos desta corrente.
Aspectos Teóricos
A Geografia Humanista ao analisar as relações homem-meio
apoia-se numa rede de tendências filosóficas que inclui: a ) a fenomenologia, b
) o existencialismo, c ) o idealismo e d ) a hermenêutica. ( Mello, 1991, p. 35
)
A primeira, a fenomenologia, critica, principalmente, o
positivismo, por ser excessivamente apegado à crença de que a realidade se
reduz àquilo que se percebe pelos sentidos. Esta linha de pensamento tem por
pressuposto da consciência só ser entendida a partir de sua referência a um
objeto, logo, sujeito-objeto fundidos na realidade, são passíveis de serem
analisados distintamente conforme uma intencionalidade “...Assim, a
fenomenologia analisa a dinâmica que fornece aos objetos sentido e significado.
O objeto é sempre objeto para uma consciência, e “consciência de alguma coisa”
caso contrário, não existe nem consciência, nem objeto. Desse modo, a
fenomenologia ultrapassa a dicotomia sujeito x objeto inerente às ciências.” (
Mello, 1991, pp. 36-37 ).
Werther Holzer utilizando Muchail indica “...A Filosofia
( Conhecimento ), para os fenomenologistas,
não pode ser captada como acontecimento vindo do exterior, ou como
acontecimento que exija um retorno à consciência e à análise reflexiva. Ao
contrário, deve ser reassumida como gênese, vai-vém onde o problema originário
é a inevitável dialética entre essência e fato, reflexão e vivência, sentido e
não sentido, isto é, a fecunda ambigüidade do próprio filosofar ( Muchail, 1973
). A Fenomenologia é, antes de tudo, uma meditação sobre o conhecimento. Surge
como uma revisão radical das categorias do “Sujeito” e do “Objeto”, buscando
levar Filosofia, Ciência e Arte a caminhos que se entrecruzem. ” ( Holzer,
1992, p. 328-329 ).
Para a Geografia, a fenomenologia destaca os atos da
consciência sobre o mundo vivido, evitando aquele exame de um mundo exterior
que está fora do pesquisador, deste modo os estudos sobre vizinhança, o pavor (
topofobia ), a agradabilidade ( topofilia ), a fixação aos espaços e lugares,
enfim, as experiências quotidianas vão adquirir um destaque na produção
geográfica sobre o espaço vivido. ( Mello, 1991, p. 37 ).
O existencialismo, por sua vez, entendeu, ao contrário da
fenomenologia, que o ser vem antes da essência, deste modo, a atribuição de
significado não deriva da existência da consciência.( Mello, 1991, p. 38 ) “O
existencialismo fundamentalmente é uma perspectiva sobre a qualidade e
significados da vida humana no mundo vivido... A primeira tarefa do método
existencial é não estabelecer leis empíricas, nem constituir um método
universal, mas sim redescobrir a cada pegada um símbolo, no caso particular, no
qual algum sujeito é considerado. Esses símbolos particulares conduzirão a
símbolos coletivos”. ( Mello, 1991, p. 39 )
Segundo Werther Holzer, o existencialismo “...distingue a
essência da existência fazendo corresponder a primeira ao conhecimento
intelectual, e ao conhecimento sensível. Os sentidos põem em contato seres
particulares - os indivíduos, únicos que realmente existem, pois sua
inteligência permite apreender as essências, que são meras possibilidades do
ser. A apreensão desta essência não esgota a realidade dos seres, porque não
explica sua existência. A Humanidade só existe a partir das características dos
indivíduos que, mesmo sendo diferentes, partilham da qualidade de existirem
como seres humanos”.( Holzer, 1992, pp. 331-332 )
Na Geografia, a corrente do existencialismo destacou os
atos dos seres humanos. A Geografia deve ter em conta, principalmente, a punção
do homem para exercer a sua liberdade e a sua auto-significação, “...o homem
vem primeiro de tudo que existe, encontra a si próprio e define-se mais tarde,
livre e responsável para fazer o que bem entender”. ( Mello, 1991, p. 40 )
A corrente do idealismo propugna que o mundo deva ser
pesquisado através das idéias que regem o próprio. Pela concepção idealista a
teoria é encontrada no próprio ser humano, que é um animal teorético segundo
Leonard Guelke que é utilizado por Mello ao observar: “...O homem teoriza sobre
os fenômenos do mundo e vive paixões, desejos e medos. Tais teorias são
inferidas a partir de dados observáveis”; cabe ao geógrafo idealista analisar
os pensamentos daqueles cujas ações estão imprensa em fatos. (Mello, 1991, p.
41 )
Werther Holzer indica que o Idealismo que influenciou a
Geografia é baseado em Descartes e Berkeley; este ramo da filosofia está
assentado no Cogito cartesiano (compreendido pelo sujeito e interioridade do
pensamento) mediado por Deus; através desta mediação, trabalha-se a Realidade
do mundo com a idéia do Mundo, perfazendo uma dualidade entre subjetivo e
objetivo quanto ao objeto. ( Holzer, 1992, p. 333).
Segundo Mello, a “... primeira meta dos geógrafos
idealistas é elucidar o significado da atividade humana em seu contexto
cultural, tendo em vista que os eventos e fenômenos do mundo adquirem
significância e significado para os indivíduos e grupos em termos de idéias e
teorias. O geógrafo idealista condena a descrição do mundo em termos de leis e
teorias prontas, até porque a filosofia idealista capacita o pesquisador a
explicar as ações humanas, de uma maneira crítica, sem o emprego de teorias.” (
Mello, 1991, pp. 40-41 )
Por fim, a hermenêutica[29]
entende que para qualquer coisa a ser entendida há de ter um quadro de
referência durante o exercício de compreender o mundo. A hermenêutica, enquanto
uma filosofia do significado, considera que não há separação entre sujeito e
objeto, cabendo então a explicitação dos conteúdos da mente e demais aspectos
da experiência vivida. ( Mello, 1991, pp. 41-42 )
Para a Geografia, a hermenêutica incorreu na valorização
de se analisar “...a ambivalência, ambigüidade e complexidade da consciência
dos indivíduos e/ou grupos sociais a respeito do meio ambiente”. ( Ibidem, pp.
42 ).
Em resumo, as correntes da filosofia da fenomenologia,
existencialismo, idealismo e hermenêutica perfazem as grandes bases da
Geografia Humanista, porém, sua influência sobre a Geografia não foi realizada
a partir de rígidas fronteiras entre elas; não havendo, portanto, uma Geografia
propriamente Fenomenológica, ou uma outra Idealista, mas sim, uma fusão, na
qual a base existencialista às vezes é mais reforçada em alguns autores, ou o
oposto; de qualquer modo, a fenomenologia, conforme Mello e Holzer, é o
principal prumo na concepção da via cognitiva dos geógrafos humanistas.
A rigor, o traço comum destas diferentes linhas de
pensamento quanto a forma de observar os fatos está na valorização do
indivíduo, o que pressupõe a aceitação pela Geografia Humanista da
predominância dos dados subjetivos. “Em todas estas posturas filosóficas o
indivíduo e a subjetividade delimitam um campo, que obriga a criação de um
sistema ou teoria da percepção e de uma visão de mundo centrada no pensamento e
no conhecimento, referente ao sujeito.” ( Holzer, op. cit, p. 335 ).
·
“Diálogo/duelo”
entre as correntes
Na leitura da obra de R. J. Johnston - Geografia e
Geógrafos - a Geografia Humana anglo-americana desde 1945 é assinalado que
a crítica à Geografia Quantitativa era originada por duas perspectivas, a
saber: a primeira combatia a teoria que norteava a mesma mas não o método
quantitativo utilizado; já a segunda combatia tanto o método, quanto propugnava
por uma nova teoria na Geografia. ( 1986, pp. 175-176 )[30]
A Geografia Humanista vai defrontar-se com a base
positivista da Geografia Quantitativa, incluindo como base de sua argumentação
as experiências tentadas pela Geografia Comportamental. Segundo Johston, o
aspecto básico da Geografia Humanista encontrava-se na consideração de que o
mais importante é decifrar o comportamento humano, a ação humana, a partir de
um enfoque individual, do que interpretá-la à luz dos mecanismos que induzem a
ação, que grosso modo vem a ser o modo como a Geografia Quantitativa e a
Geografia Crítica trabalham os seus objeto. ( 1986 a, p. 55 )
A Geografia Humanista ocorreu no bojo de uma profunda insatisfação
com o positivismo. Este separava o observador daquilo que observava, não
destacando a própria experiência que se dava na interação destas partes.
No entanto, segundo Yi-Fu Tuan, um dos precurssores da
Geografia Humanista, a experiência é entendida como uma operação complexa que
varia do sentimento primário até concepções complexamente elaboradas, e é
através dela que o observador detém determinadas informações que pelo método
positivista não é possível alcançar. ( Tuan, 1983, p. 10 )
A decepção com o esforço “métrico” do positivismo em
analisar a realidade, a partir de enfoques mecanicistas, tendo como pressuposto
que a mesma é conduzida por mecanismos bem programados, geraram a demanda por
um enfoque onde o medo, a paixão, a loucura, enfim, tudo aquilo que a princípio
não obedecessem a uma ordem racional pudesse ser também campo de reflexão.
A Geografia Radical, por sua vez, ataca a Geografia
Quantitativa porque procura “leis” na superestrutura da sociedade, ou seja, no
campo ideológico, jurídico e político da sociedade; sem relacioná-las com a
infra-estrutura da sociedade, que vem a ser a base econômica da mesma.
R. J. Johnston interpreta a Geografia Radical como
participante de um processo questionador da sociedade, cujo paradigma científico,
político e social liberal é colocado em questão. Logo, a Geografia Crítica tem
a diferença das duas outras correntes ao nortear a sua produção científica à
luz de objetivos políticos com características revolucionárias, onde a teoria
marxista é a que inspira os seus principais objetivos.
Na análise comparativa da Geografia Radical com os outros
campos da Geografia verifica-se uma deliberada luta desta contra a Geografia
Quantitativa, não pelo seu conteúdo técnico, mas sim aos seus pressupostos de
base positivista. Neste aspecto há um ponto de proximidade com a Geografia
Humanista.
A Geografia Radical alega que os elaborados métodos
quantitativista, em função de sua base de apoio, estariam apoiados em enfoques
que não mais trariam contribuições para a compreensão da sociedade, além de ter
uma função mitificadora sobre a realidade; por trás da “parafernália”
tecnológica haveria um subjacente objetivo de não revelar os processos sociais
e as dinâmicas das lutas travadas no bojo da sociedade, este seria o exemplo
maior da personificação do puro escamoteamento da realidade. ( Mendoza et alli,
1982, p. 143 )
Deste modo, a Geografia Quantitativa apresenta dois
aspectos condenáveis para a Geografia Crítica, a saber: o reducionismo e o
feitichismo espacial.
Pelo primeiro aspecto há um esforço de matematização dos
fenômenos naturais e de sua relação com os aspectos sociais, o que segundo
Anderson citado em Mendonza et alli, é uma forma de camufladamente introduzir a
ciência natural na ciência social e desta forma naturalizar as relações
sociais.( Ibidem, pp. 143-144 )
Assim, a quantificação ocorreria à custa do
empobrecimento do que se procura estudar, ou seja, para validar a posição de um
discurso sem contradição, você retira do seu objeto de análise aspectos que não
possam ser imediatamente apreendidos pela teoria adotada, desta forma, o
resultado advindo deste procedimento é uma imagem higienicamente tratada da realidade, higienicamente vista aqui no
ponto de vista de que a matemática não apreende o caos da vida, os sentimentos,
as contradições sociais; e no dia que vier a apreender deixará de ser
matemática, uma linguagem formal, rigorosa e clara nos seus enunciados. Este
aspecto trás conseqüências para o campo político pois a partir de uma visão
matemática/natural da sociedade as desigualdades sociais, por exemplo, são
tidas como o aspecto natural de um organismo em crescimento ( ou doente ) cujo
problema pode vir a ser superado sem rupturas da estruturas sociais.
O segundo aspecto diz respeito à formalização geométrica
do espaço, pela qual as relações sociais se apresentam como relações entre
áreas, assim o espaço é tido como uma variável independente, onde as origens
dos processos sociais estariam detectadas e compreendidas por processos
espaciais, cuja dimensão unidimensional não destacaria a própria dinâmica da
evolução da economia capitalista. ( Ibidem, p. 144 )
Ao tratarmos tanto da Geografia Humanista, quanto da
Geografia Radical, percebe-se que estas representaram cortes em relação à
Geografia Quantitativa, não podendo assim ser caracterizada a existência de uma
linha de continuidade entre elas. No entanto, verifica-se nas duas primeiras
correntes que elas não separam o sujeito do objeto.
No entanto, numa percepção marxista, a consciência é
determinada pela vida, enquanto para a fenomenologia a consciência é o próprio
indivíduo que por uma interpretação pessoal reflete sobre a sociedade. Assim,
no marxismo há uma importância às estruturas sociais enquanto meio para
compreender a sociedade, a visão fenomenológica, por sua vez, destaca o papel
da individualidade para compreender esta mesma sociedade. Enquanto, pela visão
marxista, é criticado na Geografia Humanista a ênfase na cultura e nas ações
individuais; o geógrafo humanista critica a Geografia apoiada no marxismo por
destacar o aspecto econômico e racionalista da sociedade e diminuir o o papel
que a individualidade tem para a organização social de uma dada sociedade.
PARTE III - Modernidade e
Pós-Modernidade na Geografia
·
Geografia
e Modernidade
A proposição de trabalharmos
a questão da modernidade na Geografia a partir das diferentes correntes
contemporâneas da Geografia nos indica que devamos retroceder na nossa análise
ao aprofundarmos a análise sobre a chamada Geografia Tradicional.
Esta volta ao passado tem a seguinte razão de ser para
tratarmos do tema - Geografias Modernas e
Pós-Modernas: diálogos recentes - sob que prisma devemos considerar a
modernidade na Geografia ?
Paul Claval in Evolución de la Geografia Humana assinala que não é suficiente para
compreendermos a evolução da Geografia pela análise das obras de geógrafos
famosos do passado, importa destacar o meio no qual ocorreu a formação dos
geógrafos. Neste sentido, Paul Claval destaca a idéia de só depois de 1870 é
que houve o aparecimento de um verdadeiro ambiente geográfico. Inicialmente, na
Alemanha, e a seguir na França, a Geografia conheceu um período de forte
crescimento; no entanto, segundo tese de Paul Claval, a Geografia
recém-estabelecida em instituições de ensino, pouco deveu aos pioneiros da
disciplina, como o foram Humboldt e Ritter.( 1974, p. 35 ) [31]
Embora atribua-se a fundação da Geografia aos precursores
Humboldt e Ritter; não vem a ser as suas descobertas, ou suas obras que darão
sustentabilidade à Geografia, mas serão homens como Friedrich Ratzel e Vidal de
la Blache, pertencentes a instituições de ensino, que farão escolas.
Deste modo, Humboldt e Ritter adquirem significado não
porque tenham descobertas leis sobre a relação homem e natureza, ou tenham dado
a revelar características de países até então inimagináveis; mas sim, dado o
imperativo de sistematizar um campo do conhecimento estratégico para o Estado,
as suas obras foram aproveitadas e seletivamente introduzidas na bibliografia
dos cursos acadêmicos das universidades.
Mas, para compreender o exposto acima, é importante
observar o que ocorria com o Estado na Europa daquela época e como a sua
situação se relacionava com o ensino e mais especificamente com a Geografia ?
Eric J. Hobsbawn in Nações e Nacionalismo desde 1780
afirma que o Estado Moderno típico, que teria se constituído sistematicamente a
partir da revolução francesa, vem a conhecer no século XIX um forte crescimento
que se refletia no campo do controle das informações através de um sistema de
documentação e registro pessoal que impulsionava o estreitamento de laços entre
o Estado e a população. [32]
Este crescimento ensejou duas ordens de problema, a
saber: a necessidade de se ter um aparelho técnico-administrativo para gerir o
exercício do governo, e o segundo, de cunho mais político, apresentado pela
urgência de se obter um grau de fidelidade e lealdade da população ao Estado. (
Ibidem, pp. 102-103 )
Para o nosso trabalho interessa ver o modo como Eric J.
Hobsbawn trata o segundo aspecto, pois trata, especificamente, da cooptação
da população para um projeto nacional.
O Estado, na época, defrontava-se com o desmantelamento
de formas de coesão proporcionadas pela religião e com o desafio de ter meios
alternativos para obter uma posição legítima de representante máximo da
população; embora o Estado ainda não corresse o risco de enfrentar ameaças
sérias à sua existência, ele se defrontava com o surgimento de novos atores
sociais, como os movimentos operários, que dada a voga da política liberal
então dominante na época, recrudescia as suas manifestações contrárias a ordem
pública; sendo assim, era requerido uma religião
cívica ( “patriotismo” ) que não apenas levasse a população à uma
passividade, mas sim à uma participação positiva num projeto de governo. (
Ibidem, p.106 ).[33]
A partir desta perspectiva, entendemos que o ensino
incorreu decisivamente no processo de construção desta religião cívica “...Os Estados e regimes tinham todas as razões
para reforçar, se pudessem, o patriotismo estatal com os sentimentos e símbolos
da comunidade imaginária, onde e como eles se originassem, e concentrá-los
sobre si mesmos. Tal como aconteceu, o tempo em que a democratização da
política tornou essencial “educar nossos mestres”, “fazer italianos”, transformar
“camponeses em “franceses” e fazer com que todos se ligassem a uma bandeira e a
uma nação, foi também o tempo em que os sentimentos nacionalistas populares, de
todos os modos xenófobos, se tornaram mais fáceis de ser mobilizados, junto com
a superioridade nacional pregada pela nova pseudociência do racismo...” (
Ibidem, pp. 111-112 )
Assim, a questão do ensino não viabilizava apenas um
cadastramento das pessoas que participavam do ensino, mas facultava aos alunos
um engajamento num processo que em última análise dizia respeito à formação de
um Estado Nacional. Estado este que era forjado por “...homogeneização e
padronização de seus habitantes, essencialmente por meio de uma “língua
nacional” escrita. Tanto a administração direta de um vasto número de cidadãos
pelos governo modernos quanto o desenvolvimento técnico e econômico o
requeriam, porque eles tornam desejável a alfabetização universal e obrigatório
o desenvolvimento de massa da educação secundária.” ( Ibidem, p. 114 )
A formação do Estado/Nação passou a ser gradativamente
firmado pelo caráter etnolinguístico da população ( Ibidem, p. 126 ), a língua
passou a ser um elemento identificador de uma nação, a escolha entre os vários
idiomas aquele que viria a ser o “idioma oficial”, compondo assim a língua
nacional, foi um aspecto intrínseco da formação do Estado Nacional; e neste
aspecto a escola teve um papel capital, “...Assim, na época anterior à
generalização da educação primária não havia, nem poderia haver, nenhuma língua
“nacional” falada...” ( Ibidem, p. 69 ).
Mas, o que credencia a inclusão de um campo de
conhecimento num determinado sistema de ensino? A rigor, ele é inserido na
grade escolar para divulgar o seu saber e/ou para forjar uma determinada
mentalidade nos alunos. Parece que a Geografia teve o papel de forjar uma
determinada mentalidade, de base racionalista, que valorizasse a “...observação
sistemática em busca de constâncias, ritmos e relações entre os fenômenos” (
Moraes, 1989, p. 21 ), assim como, de prover a fundação de uma noção de
nacionalidade, de patriotismo, enfim, de fomentar uma ideologia, a partir do
conhecimento do país[34]
. Logo, o que estamos aqui a considerar é a propriedade da Geografia ter sido
“promovida” institucionalmente, para o qual concorria a atuação das então vigorosas
Sociedades de Geografia[35],
segundo uma estratégia do Estado Burguês na busca de forjar o seu ideário na
população e assim aumentar o seu espaço político através do controle da mente
das pessoas e da forma como estas sentiam; em última análise, era preparar as
pessoas a viverem aceitando o Estado, ora para poder cobrar impostos, ora para
promover a guerra.
Dado o exposto das duas formas de ingresso de uma
disciplina no sistema de ensino, o da procedência originada pelas descobertas
de leis como ocorre na física ou química, e a procedência fundada num processo
de cooptação que sirva para projetos estratégicos que possibilitem um controle
da sociedade, a Geografia parece estar mais inserida no segundo caso.
Segundo Paul Claval, é pelo ensino que teremos uma
perpetuação, uma continuidade na produção geográfica, a sala da aula se prestou
melhor, que um livro, para transmitir a filosofia, a forma de perceber a
realidade por parte do geógrafo-professor, dado o pressuposto de que um leitor
não se atém à estrutura lógica do pensamento, ou ao seu embasamento filosófico,
mas sim a algumas partes, as partes mais interessantes, em função do objetivo
que se tem para realizar a leitura; e isto explica, a valorização dada por Paul
Claval às modificações dos métodos de transmissão de conhecimento advinda com o
Ensino Superior. ( 1974, pp. 41-42 ).
Para Claval esta
questão traduz uma realidade na evolução da Geografia: “...la identidad de
método y del interés es posible gracias a la transmisión directa del saber,
gracias a la formación de discípulos que se agrupan en torno a un maestro al
que deben mucho más de lo que generalmente creen: les ha enseñado a ver y a
sentir; les ha dado lo esencial de su filosofia. ” ( Ibidem, p. 42 ).
Assim, até aproximadamente 1870, a Geografia progrediu de
forma débil, confusa, caracterizada por uma Geografia dos autodidatas; mas, ao
período que se segue à implantação do ensino da Geografia, verificou-se uma
multiplicação dos geógrafos profissionais que ...“Asegura la continuidad en el desarrollo
de la disciplina. Explica la excepcional importancia en la
historia del pensamiento de la generación del siglo pasado. La mayoría de los
grandes temas de la geografia contemporánea pueden relacionarse directamente
con los que se trataron en aquella época. ” ( Ibidem, pp. 42-43 ).
José William Vesentini in Geografia e Ensino - textos
críticos trás a contribuição de Yves Lacoste na discussão sobre o assunto.
Ele, em artigo “Liquidar a Geografia...Liquidar a idéia Nacional ?” sugere que o discurso geográfico teve
decisiva participação no processo de expansão da hegemonia cultural da
burguesia que tinha na ideologia nacional e independência nacional um de seus
lastros, e isto era realizado em sala de aula ao ser destacado um poderoso
símbolo desta ideologia, o da representação geográfica do território do
Estado-nação delimitado pelas fronteiras, assim, a digressão sobre o
território, o clima, o tamanho, os costumes, a economia, as vias de acesso,
colmatavam uma idéia de unidade nacional , pois a mesma lição era dada de norte
a sul do país. [36] ( 1989, pp.
48-51 )
Yves Lacoste in A Geografia - isso serve, em primeiro
lugar, para fazer a guerra indica que no ensino há duas Geografias desde o
final do século passado: a ) uma, de origem antiga, a geografia dos
Estados-maiores, ...claramente percebida como eminentemente estratégica pelas
minorias dirigentes ...b ) e outra, a dos professores, que apareceu há menos de
um século, se tornou um discurso ideológico
no qual uma das funções inconscientes
é a de mascarar a importância estratégica dos raciocínios centrados no espaço.
( 1988, p. 31 ).
Sobre esta visão de Lacoste, Paul Claval, no entanto,
atribui o descompasso entre as exigências sociais daquilo que é transmitido em
sala de aula às incongruências dos sistemas sociais que validam determinadas
formas de saberes na expectativa de que o mesmo possa vir a conferir prestígios
aos governantes ou a possibilidade de vir a ser útil em futuro próximo. ( 1982,
p. 136 )
Embora seja observada uma diferença entre os dois autores
franceses acima citados sobre a questão do ensino, eles têm em comum a ênfase
na importância da questão do ensino para o processo de sistematização da
Geografiaa, deste modo chegamos a uma conclusão para o nosso trabalho, a saber:
a Geografia e suas respectivas escolas que demarcaram a sua fase tradicional (
determinista e possibilista ) é sistematizada não em laboratório, experimentos
de campo, mas sim por estar inserida num projeto de ensino que exige uma
sistematização de seu conhecimento. [37]
Assim, a sala de aula, pelas características que
apresenta, para uma época que não tinha os nossos modernos meios de comunicação
como o rádio, televisão, telefone, etc. veio a ser um meio nodular a
arregimentar quadros, fomentar discussões, segundo um projeto de Estado em
favor de uma nova visão de sociedade. [38]
Mas, se a Geografia pode vir a ser caracterizada muito
mais como uma linguagem de transmissão de conhecimento advindos de outras áreas
( geologia, climatologia, sociologia, etc. ), é próprio a interpretarmos como
pertencentes a um campo da modernidade? Esta indagação serve para destacar a
seguinte questão: como identificar a modernidade na Geografia, ela o apresenta
? ; como um campo de conhecimento que apresenta fraqueza na produção teórica,
como já afirmavam geógrafos de diferentes linhas de pensamento ( tais como
William Bunge e Yves Lacoste ) pode ser tida como um campo de conhecimento
característico da modernidade ?; não seria próprio pensarmos que a Geografia
foi gestada no período da modernidade sem dela assumir as suas características,
e não o pode pois estava norteada segundo um claro projeto de Estado que tinha
na Geografia como um elemento chave na construção do imaginário popular sobre o
conceito de Estado/Nação de modo que seria intolerável interpretações que
fugissem à regra, como foi o caso de alguns trabalhos de Elisée Reclus ?
·
Geografia
Moderna
Paulo Cesar da Costa Gomes in Geografia e Modernidade analisa a Geografia a partir da
existência de dois pólos epistemológicos, o da racionalidade e o da
contra-racionalidade, que permeiam a modernidade. ( 1996, p. 39 )
Paulo Cesar realiza um levantamento histórico da
Geografia, subordinando-o a um sistema de oposição entre as correntes da
geografia, objetiva, assim, traduzir o debate geral da modernidade, entre o
racionalismo e as contracorrentes, em sua especificidade no discurso
geográfico. ( Ibidem, p. 45 )
Paulo Cesar assinala a imediata relação entre modernidade
na Geografia e o seu caráter científico fundado a partir de duas heranças
preservadas pela Renascença, a saber: as influências de Ptolomeu e de Estrabão,
sendo o primeiro voltado para uma preocupação matemática da representação da
terra em termos cartográficos, e o segundo com uma preocupação descritiva com
base na história ( Ibidem, pp. 127-131 ).
No período que antecede à “modernização da Geografia”,
esta era muito marcada pelas narrativas de viagens, não possuindo “...um corpo
de interpretação individualizado, capaz de lhe dar uma clara identidade...” (
Ibidem, p. 149 )
A necessidade de sistematização das informações e
estabelecimento de uma forma de controle e regulamentação da produção do
conhecimento gerou a demanda por um método científico. ( Ibidem, p. 150 ) [39]
A partir dos então considerados fundadores da Geografia Moderna
- Alexander von Humboldt e Carl Ritter - , segundo Paulo César, verifica-se uma
dualidade cujo legado vem a ser os dois níveis de análise considerados na
análise do nosso planeta, o cosmológico
- a Terra enquanto fenômeno global, e o regional
- na qual são destacadas as suas partes . ( Ibidem, p. 172 ). [40]
Ao analisar as obras de Friedrich Ratzel e Vidal de La
Blache, Paulo César destaca no primeiro o caráter pioneiro em gerar uma
“perspectiva rigorosa, objetiva e geral à geografia, permitindo-lhe, portanto,
ascender ao ranking das ciências
positivas modernas.” A investida de Ratzel na compreensão da relação homem -
meio natural formatou uma perspectiva determinista, de cunho racionalista, pela
qual o meio natural enquadraria as atividades humanas, e teria realizado, se
comparado com Humboldt e Ritter, uma obra com maior rigor metodológico. (
Ibidem, p. 188 ) [41]
Quanto ao geógrafo francês, Vidal de La Blache, Paulo
César reconhece uma série de influências na constituição de seu pensamento
próprio de uma época na qual existiam acirradas discussões quanto aos limites
da ciência e a melhor forma de realizá-la.
Vidal de la Blache dava grande importância ao método como
elemento denotador de uma cientificidade na Geografia; havendo uma preocupação
em não abrir uma cissão entre o que fosse geral e o particular, na sua
concepção “ ...O geral deve se ligar aos estudos particulares, da mesma maneira
que se deve sempre procurar nos casos particulares indícios de regularidade.” (
Ibidem, p. 212 ). Deste modo, a conexidade era um elemento caro na sua
concepção de objeto geográfico. Por esta perspectiva, Vidal de La Blache
apresentou um distanciamento de Friedrich Ratzel, a ponto de vir a representar
a corrente possibilista da Geografia.
Sobre Vidal de La Blache, Paulo observa, ainda, de um
lado, que ele “...sempre manteve um discurso sobre a importância de buscar a
generalização, as leis e a explicação, reproduzindo o modelo de ciência
objetiva. De outro, tirou proveito de todo um renascimento da tradição metafísica
e de seu prolongamento nos movimentos como a Filosofia da Natureza ou o
Romantismo. ” ( Ibidem, p. 221 ).
Paulo Cesar observa que, tanto em Ratzel quanto em La
Blache, os ditames do modernismo são encontrados em suas obras, o aspecto
racionalista-determinista de Ratzel e o aspecto “subjetivista” possibilista de
La Blache, estão influenciados, em última análise, nos dois grandes pólos
epistemológicos constituidores da modernidade, o da racionalidade e o da
contra-racionalidade.
O possibilismo teria por característica a ênfase nos
aspectos atinentes à cultura humana, à capacidade de trabalho do homem, que
tornariam a relação da sociedade com o meio natural não passível de ser
enquadrado pelas determinações do meio natural. A orientação da produção de
Vidal de La Blache é distinta a de Ratzel no tocante a forma como os dois
concebem a causalidade nos fenômenos estudados pela Geografia. Em Vidal, por
força de uma influência da qual pode ser denotada aspectos “...espiritualistas,
metafísicas, cientificistas, etc. ...” o objeto geográfico é permeado por
variáveis na qual o meio natural não tem o mesmo papel de projeção que o
destacado por Ratzel. ( Ibidem, p. 221 ).
As premissas do discurso ratzeliano, por sua vez, são
discutíveis, mas seu processo de buscar leis, generalizações, sustentadas por
hipóteses teóricas, é freqüentemente considerado como a atitude correta para a
ciência, em oposição às outras tradições.( Ibidem, p. 264 ) .
Ao analisar o advento da Geografia Quantitativa, Paulo
Cesar assevera que a linha racionalista adquiriu uma nova forma de expressão
com a Geografia Nova.
Na fase da Geografia Quantitativa, o determinismo
reapareceu com conteúdo novo, destacando instrumentos mais eficientes, segundo
linguagem, métodos e técnicas, que acesassem a face verdadeiramente científica
do determinismo moderno. ( Ibidem, p. 265 ) [42]
Ao analisarmos a Geografia Quantitativa, à luz do combate
encerrado na modernidade, percebemos que ela se reveste do ideário do novo para
denunciar as mazelas da produção geográfica de então; muito embora, mais tarde,
década de setenta, ela tenha decaído, mas não desaparecido diante de novos
horizontes críticos. ( Ibidem, pp. 271-272 )
A Geografia Crítica, por sua vez, exerceu para com a Nova
Geografia o que esta realizou com a Geografia Tradicional. Numa crítica tanto à
Geografia Quantitativa, quanto à Geografia Tradicional, esta nova corrente
propugnava por uma ciência, consoante a uma nova sociedade. A Geografia
Radical, semelhante à Nova Geografia no seu tempo, também propunha um
conhecimento objetivo, sem liames ideológicos . ( Ibidem, pp. 279-280 )
Mais recentemente, a partir da constatação das
insuficiências analíticas do marxismo, e da necessidade em enfatizar a dimensão
espacial no pensamento marxista, a Geografia Crítica vem se afastando do
projeto de construir pelo marxismo uma ciência total. O marxismo passa a ser
visto como uma inspiração, enfim como um pensamento pelo qual tem uma
perspectiva que auxilia na compreensão da realidade. ( Ibidem, p. 303 ).
O que é interessante notar neste novo período da
Geografia Crítica, vem a ser a sua proximidade com o humanismo; entre as duas
linhas de pensamento há um imediato ponto de proximidade dada a crítica à
ciência positivista, a partir deste aspecto, e pela respectiva evolução Paulo
Cesar observa que o “...materialismo histórico redescobriu a reflexividade de
toda ação social e, por conseguinte, a importância de uma análise que leve em
conta o valor e o antropocentrismo da vida social. Ao mesmo tempo, o humanismo
se desembaraçou do idealismo e do subjetivismo, que caracterizaram as primeiras
análises, e recolocou a importância da existência material no centro das
interpretações.” ( Ibidem, pp. 301-302 )
Ao analisar mais detidamente a fenomenologia, base
fundamental da Geografia Humanista, Paulo Cesar destaca que esta corrente de
pensamento está inserida no movimento de ruptura recorrente da modernidade, mas
que já apresenta sinais de declínio e, em seu lugar, “...os argumentos críticos
fundamentais desta corrente já começam a se organizar em um outro campo de
batalha. Trata-se do pós-modernismo, que renova toda esta tradição crítica,
característica de todas as outras contracorrentes precedentes. A geografia
pós-moderna apresenta-se como a legítima herdeira desta tradição e, em seu
nome, traz os novos termos da condenação da ciência racionalista, anunciando,
ao mesmo tempo, que desta vez a ruptura é definitiva.” ( Ibidem, p. 336 )
Delineadas as observações de Paulo Cesar sobre a
Geografia e Modernidade, caberia, aprofundarmos a análise da relação entre
eles.
A periodização do processo de modernidade na Geografia
Paulo Cesar demarca três grandes momentos da Geografia,
“...respectivamente, os tempos heróicos, a geografia clássica e a geografia
moderna. No interior de cada um destes períodos encontra-se, manifestada de
formas diferentes, a estrutura da dualidade...” aspecto característico da
modernidade ( Ibidem, p. 46 ). E por sua classificação Paulo César entende que
a Geografia tomou um aspecto moderno no final do século passado, durante o
período da institucionalização da Geografia no sistema de ensino.
No entanto, P. E. James em Johnston ( 1986 b, p. 55-56 )
afirma que a Geografia teria passado por três períodos, a saber: o clássico, o
moderno, e o atual contemporâneo. O período moderno, propriamente, data em
torno de 1874 quando a Geografia superou a fase de uma produção promovida por
amadores ou cientistas treinados em outros campos de conhecimento, em favor de
uma outra na qual ocorreu uma organização educacional fornecendo um treinamento
especializado, cujo período, perdurou até 1945, quando foi iniciada a fase
seguinte.
Assim, pelas observações de Paulo César, comparadas as de
Johston , é possível entender que há uma diferença interna nesta correlação
entre Geografia e Modernidade, e que mesmo considerando que desde o século
passado a Geografia estivesse inserida na Modernidade, parece-nos apropriado
considerarmos que a inserção plena da Geografia neste processo tenha ocorrido
somente após a 2ª G. M..
Ao analisarmos a Geografia Quantitativa, em comparação às
outras duas correntes do pensamento da Geografia, advém a idéia de que a
Geografia passou no período do pós-guerra da década de 40 por uma fase tão
importante quanto o de sua sistematização no século passado. Há no estabelecimento
da Geografia Quantitativa um rompimento de padrão de conhecimento que não pode
ser apenas exemplificado pela simples adoção da matemática, há uma ruptura mais
profunda cujo epifenômeno da mesma é a quantificação generalizada da análise
geográfica. No entanto, esta ruptura não termina neste ramo da Geografia, ela
se desdobra, e tanto a Geografia Humanista, quanto a Geografia Crítica
exemplificam este processo.
Naturalmente, que não estamos aqui a entender que a
Geografia Humanista e a Geografia Crítica teve o papel de continuar a ruptura
nos termos estabelecidos pela Geografia Quantitativa, mas teve a semelhança da
Geografia Quantitativa o caráter de romper. Deste modo, caberia ver melhor a
procedência deste raciocínio aqui exposto examinando com mais cuidado a cissão
que a Geografia Quantitativa operou, para em seguida ver a propriedade de
qualificar as Geografias Humanista e Crítica como as mantenedoras deste legado
“corrosivo” da Geografia Quantitativa .
Paul Claval in “Les Grandes Coupures de L’Histoire de la
Géographe” reconheceu três grandes mudanças na Geografia, a primeira verificada
no final do século XVIII, quando a influência naturalista levou a Geografia a
ter uma produção mais detalhada com descrições e tentativas de explanações sistematizadas
sobre as diversidades dos lugares; a segunda, na segunda metade do século
seguinte, houve uma disseminação da Geografia, passando a ser uma matéria
importante no ensino escolar; por fim, a terceira, iniciada pela “revolução
quantitativa” e que veio seguida por uma série de linhas teóricas, como a
marxista, fenomenológica, etc. ( Claval, 1982, pp. 129-132 ).
Para aquilatarmos o alcance das transformações alcançadas
pela Geografia Quantitativa, cabe a advertência de Horacio Capel de que “...la
geografia ha sido nueva en distintos momentos de su desarrollo...”, sendo
assim, não podemos traçar um quadro que indique ser a Geografia Quantitativa
como a única que rompeu com uma evolução do pensamento geográfico. ( Capel, op.
cit., p. 247 ) Cabe notar, portanto, a especificidade da ruptura empreendida
por esta corrente do pensamento geográfico e tecer comparações com as duas
outras correntes que estamos a analisar neste trabalho.
Após diagnosticar a enorme diferença interna na
Geografia, Horacio Capel se deparou com a existência de problemas chaves na
disciplina de modo a constituir uma unidade entre os diferentes discursos; e
ele encontrou no pensamento geográfico, a partir de sua institucionalização, no
século passado, dois deles, a saber: 1 ) estudo da diferenciação de áreas, 2 )
estudo da relação entre homem-meio. Pelo primeiro aspecto, a diferenciação do
espaço passou a ser analisado a partir da adoção de enfoques próprios de outros
campos do conhecimento, como o da economia, do naturalista, etc. ; já o segundo
problema significou uma nova direção para a disciplina. [43]
A crise do positivismo ao final do século passado e o
desenvolvimento do neo-positivismo no início do nosso século, teve um
desdobramento mais tarde na Geografia ao serem valorizadas as leis e teorias
que auxiliassem na compreensão do espaço terrestre. Foi uma época, na qual a
formalização da linguagem era alcançada, precipuamente, através da
quantificação; e foi quando ocorreu uma transformação dos problemas chaves
da Geografia , a saber: a questão regional, de caráter ideográfico, foi
desvalorizada e a relação homem-meio passou a ser visto através da teoria dos
sistemas, sendo destacado as regularidades das distribuições morfológicas no
espaço terrestre.
Pelo exposto, a Geografia, após as transformações
sofridas com a sua institucionalização no século passado, passou por uma nova
fase profundamente renovadora no decorrer e imediato pós-guerra.[44]
No entanto, é possível perceber, a partir da leitura de
Johnston ( 1986 a e b ), Horacio Capel ( 1981 ) e Mendoza et alli ( 1982 ), que
as Geografias Crítica e Humanista promoveram cortes na Geografia não de mesma
intensidade que a realizada pela Geografia Quantitativa; quando a Geografia
Quantitativa rompeu com a Geografia Tradicional, esta não sobreviveu, ao
contrário da Geografia Quantitativa em relação à Humanista e a Radical. Talvez,
o que explique a sua sobrevivência, é que a Geografia Quantitativa rompeu com a
Geografia Tradicional nos termos de uma mesma base filosófica, de modo que só uma
poderia sobreviver, já as Geografias Humanista e Radical diferenciar-se-iam da
Quantitativa a partir de bases de apoio bem distintas, o que não deixou de dar
chance para uma certa convivência ora amistosa, ora conflituosa, entre elas.
Mas, cabe continuarmos a análise do significado do corte
promovido pela Geografia Quantitativa à luz da época histórica.
É possível notar que a institucionalização da Geografia,
perfazendo o segundo corte da Geografia segundo Paul Claval ( 1982 ), esteve
inserido num processo forjado pela industrialização que acentuava a demanda
pelo encontro de novos recursos naturais, a capacitação da mão de obra e o
fortalecimento do patriotismo, sendo assim, a Geografia entrou num processo de
envergadura que abrangeu a Europa Ocidental e a partir dela avançou para o
resto do planeta.
Já no corte iniciado pela Geografia Quantitativa, nós
temos um novo espectro nas relações internacionais, quando os Estados Unidos
procurou firmar a sua hegemonia na defesa do mundo ocidental, contra o “perigo
vermelho” do sistema socialista; esta bandeira da Guerra Fria teve
desdobramentos que não só afetaram o campo militar, comercial e diplomático,
mas também, o campo do conhecimento pois a Guerra Fria foi capilarizada a
partir de uma reconstextualização das linguagens das ciências, precipuamente
das ciências sociais que a princípio estariam destinadas a analisar os
conflitos então existentes; assim, a Geografia Quantitativa não só teve o papel
de alcançar uma linguagem que pudesse ser acessível a qualquer outro campo de
conhecimento, mas também foi inserida neste processo de depuração a ponto de
não popularizar, divulgar, ou estimular a curiosidade das pessoas, estudantes,
etc. em torno dos conflitos que surgiam.
Se chegarmos à conclusão de que a Geografia Quantitativa
tenha participado, também, de uma enorme “cortina de fumaça”, aqui compreendido
como os discursos que estimulados por uma situação de Guerra Fria que
procuravam mascarar as fortes tensões políticas subjacentes na época, podemos
assim avaliar que a derrubada da Geografia Tradicional não foi propriamente
fruto, exclusivamente, de uma corrente de pensamento, mas sim de um processo
social com suficiente envergadura histórica que foi arrastando diferentes
heranças do passado e produziu uma nova página na Geografia, a partir de uma
nova concepção de vida, não mais de caráter europeu, mas sim americano; após
séculos, a Europa perdeu a sua ascendência destacada nas relações
internacionais; assim, uma nova forma de viver, pensar, estudar, sentir, são
destacadas, e a Geografia não viveria estranha a este processo.
Há, assim, um enquadramento histórico no qual a Geografia
Quantitativa exerceu um papel não só acadêmico, mas também ideológico. Deste
modo, a quantificação, enquanto linguagem, não deixou de ter um papel de
obscurecer temas como a pobreza, já que não existe na matemática números pobres
ou ricos, são apenas números, que pela sua forma de expressão não acentua a
seriedade dos problemas sociais.
Entre uma série de tabelas discorrendo sobre a fome, e os
relatos ainda pungentes da obra Geografia da Fome de Josué de Castro, é bem provável que a obra deste último ainda
deflagre discussões que a discussão matemática não desperte da mesma forma.
Assim, o que se quer afirmar aqui é a impropriedade de falar da vida e da morte
à luz de relações de componentes cujo conteúdo dificulta a compreensão daquilo
que se quer transmitir. Por exemplo, ao ser colocado por um economista que a
população que está abaixo da linha de pobreza aumentou 5 %, isto indica mortes
a mais, mas o veredicto não destaca isto; este tratamento “químico/numérico” da
sociedade enseja um certo distanciamento dos dramas sociais, sendo necessário,
às vezes, lermos um bom romance, como Vidas Secas de Graciliano Ramos
para termos noção do que significa pobreza.
Rui Moreira em O Que é Geografia ? assinala que o salto promovido pela
Geografia Quantitativa levou a disciplina para o mesmo lugar, mas será que a
sua ruptura teria sido tão inócua, como a princípio estimula a interpretação
desta observação ? Será que a Geografia Quantitativa, pelas suas
características, tão avassaladora, com o tácito apoio, na época, da União
Geográfica Internacional, não teria despertado reações devido aos seus
resultados não muito aceitos, no ponto de vista acadêmico? ; reações tão
adversas e virulentas que teriam estimulado o aparecimento da Geografia
Humanista e da Geografia Radical; estas duas, assim, não seriam “crias bastardas” da primeira ?
Quando lançamos o olhar para a Geografia Radical, por
exemplo, notamos, que a mesma decorreu de contradições e críticas que foram
sendo polarizadas contra a Geografia Quantitativa, assim , por um processo
contraditório, esta aparece pela crítica da primeira.
Sem entrar em aspectos polêmicos da questão [45]
, acreditamos poder afirmar que a Geografia Quantitativa ensejou uma série de
debates de caráter teórico, que até então não ocorria, e, pelo menos, esta
sensibilidade maior pela adoção de uma discussão teórica sobre o seu objeto
veio a ser potencializada nas Geografias Humanista e Radical.
No entanto, como podemos compreender o atraso da inserção
da Geografia neste projeto cultura da modernidade? Parece-nos que esta demora
decorra de sua fragilidade em firmar-se enquanto ciência.
O que chama atenção nesta fase moderna, “realmente
moderna”, da Geografia, advinda após a 2ª G. M. é a ausência de acúmulo de
experiência, ou quando muito, a experiência trazida por uma corrente é válida
para mostrar porque a mesma não deve ser adotada; assim, não há de uma ruptura
para a outra um certo lastro que oriente a pesquisa tal como ocorre na Física,
por exemplo.
Na Física, o que foi descoberto e ensinado por Isaac
Newton ainda mantém validade hoje, embora a Teoria da Relatividade e a Teoria
Quântica tenham com o paradigma newtoniano [46]
grandes diferenças, mas cada uma destas correntes não deixaram de ser ensinadas
e levadas à prática.
No caso da Geografia não ocorre este processo, por que?
Parece que o elemento que explica esta diferença é o fato da Geografia não
tratar com leis, o seu objeto, o espaço, não está passível de ser compreendido
segundo os ditames de leis.
Neste sentido, chama atenção a proximidade da Geografia
Quantitativa com a Geografia Radical, que sendo tão distantes, tem um laço
comum, a saber: têm por pressuposto que o objeto por elas analisados está
inserido num processo lógico regido por determinações que cabem ser
explicitadas. [47]
Talvez, esta propriedade da Geografia de não trabalhar
com leis, embora procure isto, faz com que estas rupturas assumam uma característica
de “terra arrasada”; da linha precedente, não se deixa resquícios. Estamos
chamando, assim, a atenção para o fato de que este “eterno acabar” não é apenas
um sintoma de que a Geografia está na modernidade, mas, há uma falta de perfil
na disciplina que faz com este movimento da racionalidade e
contra-racionalidade da modernidade gere um processo destrutivo, ou seja,
podemos inferir que esta falta de perfil decorra da busca de ser ciência, de
buscar leis, embora não tenha um perfil de conhecimento pelo qual sejam
formulados estas leis.
Qual a lei que a Geografia tenha trazido para a ciência,
e que tenha sido reconhecido como sendo dela e não da geomorfologia,
climatologia, ou da geologia? Certamente o conhecimento que ela produz denota
um caráter prático, estratégico, importantíssimo, mas não é um saber a partir
do qual seja facultada a possibilidade de prever os fatos.; ao contrário das
ciências como a física, a química, etc. que dada as características de seus
objetos apresentam uma maior sucesso na previsão dos fenômenos.
A perspectiva de concebermos a Geografia como não sendo
ciência não é demérito algum, pois há outros campos de atividade humana, tais
como a arte, a poesia e a pintura que não procuram ser ciências, mas sim um
canal de expressão de formas próprias de se pensar o mundo, e nem por isso
deixam de ser importante para a história humana; por exemplo, o quadro Guernica de Pablo Picasso, embora sendo
uma pintura, não deixa de ser um dos
documentos mais fortes contra os horrores da guerra civil espanhola.
Obviamente, não estamos aqui advogando a tese de que a
Geografia deva agora pertencer ao campo das artes, naturalmente que não, mas,
semelhante à filosofia, que não está afeita à preocupação de ser uma ciência,
caberia a Geografia a partir de seus fundadores, criar e recriar,
continuamente, um discurso, um diálogo sobre a vida no território, para gerar
um saber estratégico.
Se os fatos do espaço não estão coordenados por leis, mas
por uma ordem circunstancial, que tem uma lógica, mas que não tem garantido uma
repetibilidade ao longo da história, isto implica que cada embasamento
metodológico apresenta um novo olhar e um novo produzir do conhecimento; mas
isto, em si, não é o problema, no nosso entender, pois a variedade de enfoques
é algo positivo para aferir a relevância de cada formulação; o problema está no
esforço em procurar cientificidade na Geografia, ora é possível trabalhar com
fatos, sem ser cientistas; a princípio, podemos entender a ciência como um
burilamento da comunicação humana possibilitando a apreensão de aspectos que,
dada a característica de previsibilidade de seu objeto tem condições de
formular leis; pelo saber isto não é acessível, o saber tem uma propriedade
distinta da ciência, o saber não formula leis, mas influencia atividades
humanas e possibilita a sobrevivência, não só de pessoas, mas de países; por
exemplo, o saber estratégico voltado para a guerra, as formulações de Sun Tzu e
Clausewitz, embora não possam ser considerados leis, não auxiliam na formação
de quadros voltados para a arte de guerrear ? [48]
Defendemos aqui uma luta contra uma certa improdutividade
do discurso geográfico, pois a cada ruptura o que veio sendo acumulado é
abandonado dada uma forte crítica para legitimar a nova corrente. Talvez este
processo de aproximação entre as Geografias Radical e a Humanista expresse uma
forma de maturar melhor o campo da Geografia e, talvez, signifique o abandono
da recorrente idéia de se buscar uma cientificidade para a Geografia através de
leis, de determinações últimas que explicitem a lógica interna da realidade.[49]
É interessante notar que a inserção definitiva da
Geografia na Modernidade ocorreu quando ela deixou de ter aquela preocupação
acentuada, como ocorria com Ratzel e Vidal de La Blache, com o grau de relação
entre homem x meio natural ( sociedade x natureza ), em favor de enfoques que
ou descartassem este tipo de relação, ou tivessem a relação embebida de tantos
outros aspectos pelo qual fosse dissolvida esta bipolaridade.
A princípio, poderíamos entender que esta perda da busca
de um projeto unitário neste molde físico & humano, sendo a Geografia um
campo de conhecimento caracterizado por ser uma interface entre estes dois
campos, foi algo benéfico? É difícil, no campo da ciência, analisarmos as linhas
de desenvolvimento a partir do que vem a ser benéfico ou maléfico, pois o mesmo
encontra-se ditado por circunstâncias sociais, políticas, econômicas e
ideológicas de modo a não ter o seu ritmo exclusivamente forjado por uma
questão de juízo de valores.
A rigor, parece-nos que o foco homem x natureza,
constituído na época da sistematização da Geografia, e fundamentalmente com o
pensamento de Friedrich Ratzel, foi combatido, não tanto por geógrafos, mas sim
por sociólogos ( no caso a escola de Émile Durkheim ) e por historiadores ( no
caso a escola de L. Febvre ) que
estavam ocupados em fundar, respectivamente, os seus domínios de saber; talvez,
poderíamos assim, interpretar que a Geografia no século passado estava muito
mais inserida no processo de industrialização na medida em que as então
conhecidas Sociedades de Geografia tinham apoio financeiros de empresas,
enquanto os campos da História e da Sociologia não despertavam tanto interesses
comerciais; logo, foi por sua inserção no processo de industrialização, na
forma de ser um grande sensor na época para a busca de novas oportunidades de
negócios, que a Geografia passou por um processo de ruptura provocado por
golpes interno e externo:
1.
interno, a Geografia na expansão de seus “domínios” [50]
sofreu um processo de depuração, ou seja, por ser tão “popular” na época, os
seus livros eram a verdadeira janela para o mundo [51],
não deveria tocar em aspectos que destacassem as situações de luta, conflitos,
disputas, expoliações, havendo assim uma ingerência no seu conteúdo; [52]
2.
externo, os campos de conhecimento da História e da Sociologia[53],
em processo de sistematização, vão procurar aumentar a sua legitimidade quanto
ao seu objeto a partir do combate à possíveis concorrentes, dos quais a
Geografia era um deles; Yves Lacoste na edição de 1985 da obra Geografia:
isso serve, em primeiro lugar, para fazer a guerra cita a atitude do
historiador Lucien Fevre em defender a Geografia diante dos ataques da
Sociologia ao difundir a idéia de que Geografia não trataria de problemas políticos
[54]
, esta passagem da obra de Yves Lacoste, assim como, o próprio capítulo, da
mesma - “Historiadores que querem
“uma geografia modesta” ” exemplificam
que a Geografia passou no final do século passado e início do atual por um
processo de depuração ocasionado pelas rivalidades entre os diferentes grupos
acadêmicos .
Por último, se interpretamos que a modernidade chegou de
fato na Geografia a partir da 2ª Guerra Mundial, tendo a partir daí uma
evolução de correntes que procuraram tomar a roupagem do novo para combater a
corrente que a precedeu, minando de vez a busca de um projeto unitário próprio.
·
Geografia
e Pós-Modernidade
Edward Soja in Geografias Pós-modernas: a reafirmação
do espaço na teoria social crítica indica que o aparecimento das primeiras
vozes da Geografia Pós-moderna ocorreu no final da década de sessenta, porém
sem maiores repercussões ( 1993, p. 20 )
A reafirmação da primazia da História sobre a Geografia
destacava uma característica historicista no interior do pensamento social
crítico, vindo à obscurecer e marginalizar “...a imaginação geográfica ou
espacial.” ( Ibidem, p. 23 )
Pela leitura da obra de Edward Soja fica clara a idéia de
que a sua preocupação é com o pensamento social crítico, e como este absorve a
temática espacial em seu conteúdo; porém, ele não analisa a formação de uma
Geografia Pós-Moderna como uma nova escola, na verdade, ele chama atenção para
as transformações pelos quais o objeto da Geografia, o espaço, vem passando e a
necessidade de recorrer a diferentes aportes teóricos, inclusive de não
geógrafos como Michel Foucault.
Logo, iniciaremos a análise da relação entre a Geografia
e a pós-modernidade a partir de observações sobre a dinâmica social que suscita
uma Geografia Pós-Moderna.
Do modelo fordista à acumulação flexível
David Harvey in A condição pós-moderna - uma pesquisa
sobre as origens da mudança cultural
observa que após a profunda recessão de 1973 foi iniciado a uma série de
processos que vieram a solapar o modelo
fordista do pós-guerra . Em oposição ao modelo fordista, tomou impulso o
que ele chama a acumulação flexível,
que assim David Harvey analisa:
“... Caracteriza-se pelo surgimento de setores de produção inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional. A acumulação flexível envolve rápidas mudanças dos padrões do desenvolvimento desigual, movimento no emprego no chamado “setor de serviços”, bem como conjuntos industriais completamente novos em regiões até então subdesenvolvidas ... Ele também envolve um novo movimento que chamarei de “compressão do espaço-tempo” ...no mundo capitalista - os horizontes temporais da tomada de decisões privada e pública se estreitaram, enquanto a comunicação via satélite e a queda dos custos de transporte possibilitaram cada vez mais a difusão imediata dessas decisões num espaço cada vez mais amplo e variegado.” ( 1993, p. 140 ).
David Harvey trata deste novo processo de acumulação flexível segundo três
perspectivas, a saber: a do trabalho, da produção e do Estado.
Sobre o trabalho, Harvey especifica que a flexibilização
da acumulação permite aos empregadores um maior controle sobre o trabalho dado
a sua característica de gerar desemprego. O mercado de trabalho vem sendo
alterado de tal forma que a modalidade da subcontratação vem se tornando uma
verdadeira opção para os que perdem os seus postos no mercado, muito embora,
percam com isso os chamados efeitos
agregados - cobertura de seguro, os direitos de pensão, os níveis salariais
e a segurança no emprego.(Ibidem, p. 144 )
A mudança no mercado de trabalho foi sintomática às
transformações verificadas na organização industrial; nesta, uma série de
bancarrotas e fechamentos de indústrias demonstraram que:..“A forma
organizacional e a técnica gerencial apropriadas à produção em massa
padronizada em grandes volumes nem sempre eram convertidas com facilidade para
o sistema de produção flexível - com sua ênfase na solução de problemas, nas
respostas rápidas e, com freqüência, altamente especializadas. ( Ibidem, p. 146
)
No que diz respeito à produção, as economias de
escala foram substituídas por uma “...crescente capacidade de manufatura de uma
variedade de bens e preços baixos em pequenos lotes. As economias de escopo
derrotaram as economias de escala...” Esta produção flexível permitiu “... uma
aceleração do ritmo de inovação do produto, ao lado da exploração de nichos de
mercado altamente especializados e de pequena escala... O tempo de giro - que
sempre é uma chave da lucratividade capitalista - foi reduzido de modo
dramático pelo uso de novas tecnologias produtivas ( automação, robôs ) e de
novas formas organizacionais ( como o sistema de gerenciamento de estoques “just-in-time”, que corta dramaticamente
a quantidade de material necessária para manter a produção fluindo ). Mas, a
aceleração do tempo de giro na produção teria sido inútil sem a redução do
tempo de giro no consumo. A vida de um produto fordista típico, por exemplo,
era de cinco a sete anos, mas a acumulação flexível diminuiu isso em mais da
metade em certos setores ...” ( Ibidem,
p. 148 )
Estas transformações vêm trazendo para a constituição do
sistema capitalista um novo conteúdo no seu grau de coesão e centralização;
havendo, ainda, dois processos que incidem neste novo significado do sistema, a
saber: o caráter informacional da sociedade, no qual as informações precisas e
atualizadas tornam-se objeto de mercadoria e o outro vem a ser a reorganização
do sistema financeiro como um movimento dual pelo qual a formação de
conglomerados corre em paralelo às novas formas de descentralização de
atividades. ( Ibidem, pp. 150-152).
Ao nível do Governo, verifica-se um gradual
abandono do apoio ao Estado do bem-estar
social, um ataque ao salário real e à organização sindical; o acirramento
da competição internacional tornou imperativa a ação do Governo em favor de uma
situação estimuladora para os negócios, o que implica não só um maior controle
social, como também, vantagens para facilitar as trocas comerciais das empresas
e respectivo avanço tecnológico. ( Ibidem, pp. 156-158 )
Este Estado empreendedor vivencia uma situação difícil, é
“...chamado a regular as atividades do capital corporativo no interesse da
nação e é forçado, ao mesmo tempo, também no interesse nacional, a criar um
“bom clima de negócios” para atrair o capital financeiro transnacional e global
e conter ( por meios distintos dos controles de câmbio ) a fuga de capital para
pastagens mais verdes e mais lucrativas.” ( Ibidem, p. 160 )
No entanto, David Harvey chama atenção para a tentativa
de se fortalecer o Estado, tendo em vista que o processo de acumulação flexível gera um ambiente
inseguro, o que estimula o aparecimento de movimentos em favor de valores
estáveis, como os representados pela família, a religião e o Estado. (Ibidem,
pp. 161-162 )
·
Geografia
Pós-Moderna
Bertha K. Becker in “A geopolítica na virada do milênio:
logística e desenvolvimento sustentável” observa
que a partir da Segunda Guerra Mundial a ciência e a tecnologia passaram a
constituir o fundamento do poder valorizando o espaço a partir de suas
diferenças. Este processo, representado pelas redes transnacionais de
circulação e comunicação, permite tanto a globalização como a diferenciação
espacial, induzidas tanto pela lógica da acumulação como pela lógica cultural.
( 1995, p. 287 )
Pela lógica de acumulação, há a internacionalização da
economia gerando um mercado unificado, e um espaço de fluxos financeiros,
mercantis e informacionais que supera os Estados e respectivas fronteiras,
delineando uma nova divisão territorial de trabalho e uma nova geopolítica,
pois não sendo homogênea a globalização, há um resgate da dimensão política do
espaço, assim, se, por um lado, a aceleração do ritmo dos processos econômicos
e da vida social, encolhe o espaço, derrubando barreiras espaciais, por outro
lado, é alta a seletividade.( Ibidem, pp. 287-288 )
A lógica cultural, por sua vez, é encontrada pela atuação
de movimentos sociais diversos convergindo para a diferenciação de áreas e
valorização de determinados territórios; logo, frente à reorganização espacial
empreendida pelas corporações empresariais, há o surgimento de diversos
projetos alternativos vindos da sociedade; estes projetos, no entanto, não tem
por marca o de serem próprios de movimentos que não se organizam em escala
global, eles se organizam, mas têm na escala local, no território, o seu ponto
de ponto de referência na luta empreendida. ( Ibidem, p. 289 )
Rogério Haesbaert in “Desterritorialização: entre as
redes e os aglomerados de exclusão” chama atenção para vastas áreas do globo
terrestre, que apresentam sérias seqüelas deste processo modernizador sob a
forma da existência de “...uma massa de despossuídos sem as menores condições
de acesso a essas redes e sem a menor autonomia para definir seus “circuitos de
vida”. ( 1995, p. 166 )
Assim, estes aglomerados de excluídos não ficam à parte,
a sua desordem se deve, principalmente, ao fato de que neles se “...cruzam uma
multiplicidade de redes e territórios que não permitem definições ou
identidades claras. É como se o “vazio de sentido” contemporâneo reproduzido no
sentido sociológico pela polêmica noção de “massa” tivesse sua contrapartida
geográfica na noção de aglomerados humanos de exclusão.” ( Ibidem, p. 186 )
David Harvey observa que a partir da década de setenta
vem sendo acentuada a compressão do tempo-espaço tendo em vista a transição do
fordismo em favor da acumulação flexível.
( 1993, op. cit., p. 257 )
O grau de competitividade entre os agentes
econômicos vêm imprimindo em suas iniciativas um forte cuidado com as
particularidades espaciais pois a diminuição das barreiras espaciais
possibilita uma maximização das vantagens proporcionadas por diferentes lugares
e isto pode vir a ser decisivo em dadas concorrências; este poder de exploração
das diferenças espaciais torna-se imperativo na luta de classes, pois a
capacidade de desmobilização de investimentos e reeinvestimentos em outras
áreas, imbricam numa mudança da área de luta que não mais ocorre nas fábricas
de produção em massa . ( Ibidem, p. 265 )
David Harvey além de destacar o controle do trabalho como
sendo central na organização espacial, destaca novas formas de organização que
adquirem relevo com a acumulação mais flexível; pela mesma, e a subjacente
busca de informações precisas e com facilidade de transmiti-la, destaca-se o
papel das cidades mundiais; estas, a partir de uma infra-estrutura sofisticada,
tais como: teleporto, aeroporto internacional, diversos tipos de serviços
financeiros, etc. correspondem a esta nova face extremamente seletiva do
sistema econômico que a partir de alguns pontos-cidades localizados no globo
arremata uma série de informações fundamentais para melhor operar os seus
investimentos. ( Ibidem, p. 266 )
David Harvey assinala ao final do item “A compressão do
tempo-espaço e a condição pós-moderna” in
A condição pós-moderna que a
compressão do espaço-tempo enseja uma mudança nos nossos mapas mentais, nossas
atitudes e instituições; porém, esta transformação não ocorre na mesma
velocidade das transformações empreendidas no espaço pelo vetor
técnico-científico de modo que há uma devassagem que pode trazer sérias
conseqüências ao nível de decisões do mais diverso tipo ( ordem financeira,
militar, etc. ). ( Ibidem, pp. 275 -276 )
A partir das observações acima apresentadas podemos
inferir que o espaço passou a ter novas formas de gestão, atuando em diferentes
escalas, no qual o poder não prove do Estado. Os espaços militarizados, muito
próprios da Guerra Fria, dão lugar à configurações territoriais onde o que vale
vem a ser a competitividade, possibilidade de recursos, iniciativas, etc. é a
época não mais das lutas entre nações, mas dos lugares. Assim, se no nível
global, há um processo de coesão, fusão de empresas, formatação de blocos
econômicos que induzem a idéia de uma unificação; a nível local, no entanto,
ocorre um processo de fragmentação decorrente de disputas, já que cada lugar
deixa de contar com esferas intermediárias de poder para fazer valerem os seus
interesses e passa a contar com suas próprias condições para alavancar o seu
crescimento.
Logo, este novo padrão espacial, a polarização a nível
global e pulverização a nível local, trás uma decisiva dificuldade para a
Geografia ao analisar a organização espacial. Neste sentido, a questão das
escalas é um elemento medular para constituir um discurso que ajude na
revelação dos fatos.[55]
Rogério Haesbert ao tentar definir espacialmente os
aglomerados, por exemplo, entende que ...“Num mundo tão complexo, de
imbricações e superposições, onde às vezes, tudo parece estar em todas as
escalas, definir espacialmente os aglomerados é sempre difícil, embricados que
estão na avalanche que joga em nosso cotidiano todas as escalas e quase todos
os sentidos possíveis.” ( 1995, p. 186 ).
Ao avaliarmos a relação entre as correntes da Geografia
com a pós-modernidade, não sabemos em que medida as Geografias Crítica e a
Humanistas estão aptas à pós-modernidade, mas levando em conta a observação de
David Harvey, logo no prefácio de sua obra A condição pós-moderna, “...a
de que a hegemonia cultural do pós-modernismo está perdendo força no
Ocidente...”, não sabemos ainda se é importante à Geografia estar apta à esta
pós-modernidade; mas o fato decisivo na discussão sobre a pós-modernidade é de
que há um novo substrato material, expresso pela transformação do modelo fordista em favor da acumulação flexível que transtorna os
patamares de análise da organização espacial até então adotados.
Mesmo que a “condição pós-moderna passe”, a questão é que
o mundo entrou num processo acelerado de transformações de forma visível e
preocupante.
Quem ainda guarda na retina as grandes manchetes nos
últimos dez anos abordando temas como: guerra nas estrelas, perestroika e
glasnost, fugas de migrantes do leste europeu, queda do muro de Berlim, guerra
do Golfo, reação militar na União Soviética, dissolução da União Soviética em
25/12/91, Eco-92, processo de paz no Oriente Médio, lançamentos da Windows 95’
e do carro mundial da Volkswagen, etc. verifica que há uma dinâmica veloz,
muito diversificada, e que envolve bilhões de pessoas.
Mas qual o futuro desta Geografia pós pós-moderna
?; embora se possa reconhecer que a organização espacial, com as recentes
transformações, está a exigir novas formas de análise, não se verifica o
surgimento de uma nova corrente na Geografia.
Numa visão simplificada, tanto a Geografia Humanista,
quanto a Geografia Crítica, tendo em vista o novo, estão assentadas no discurso
contrário à Geografia Quantitativa, ou seja, as três correntes formam uma
espécie de tríade que não chegou a assumir totalmente o avanço cultural da
pós-modernidade, por-que?
É uma pergunta de difícil resposta, pois um livro que
poderia nos esclarecer este aspecto, o de Edward Soja - Geografias
pós-modernas: a reafirmação do espaço na teoria social crítica, trata,
sobretudo, da questão do método crítico e suas insuficiências, é como um
diálogo interno entre marxistas, não sendo realizado, a partir de uma
perspectiva histórica do pensamento geográfico, um esclarecimento quanto à
forma de se constituir uma Geografia Pós-Moderna.
Talvez, seja possível responder esta pergunta ao afirmar
que a Geografia, ao final da década de oitenta, parou no tempo; todas as
disciplinas pararam no tempo. Diante deste admirável e insólito mundo novo,
está para ser constituído novas ciências, novas formas de abordagem, no qual a
teoria da complexidade, a ênfase pela holística, a transdisciplinaridade, etc.
são sinais de uma disseminação de enfoques que vieram para se opor ao padrão
cartesiano de geração de conhecimento.
CONCLUSÃO
Qual o futuro da Geografia ?
Infelizmente, ou felizmente, não temos a capacidade de
adiantarmo-nos no tempo. Podemos, no entanto, conceber possibilidades a partir
do cotejamento entre o histórico da disciplina e a situação contemporânea da
sociedade.
É fato que os novos aportes teconológicos da sociedade
atual estão a exigir novas formas de geração do conhecimento e talvez uma nova
Geografia que não seja Geografia.
Pela evolução da Geografia, verificamos dois momentos
fundamentais: o da inserção da Geografia no sistema de ensino que implicou numa
sistematização de seu campo de conhecimento, e o da ruptura desta Geografia
sistematizada, porém tradicional, a partir das críticas da Geografia
Quantitativa.
Assim, parece-nos que estamos adentrando numa terceira
fase da Geografia na qual a Geografia deixa de sê-la, e para deixar de sê-la
não há necessidade de ter qualquer texto prevendo a sua dissolução pois se as
principais obras da Geografia assim ocorreram tendo por base uma produção
emergente na época, já o desaparecimento da Geografia adveêm de uma ausência de
produção.
É um destino ruim para a Geografia? Seria ruim se ela
estivesse sózinha, mas a contribuição de David Harvey ao analisar a passagem de
uma época de acumulação fordista para
uma acumulação flexível demonstra que
as exigências sobre o trabalho e a produção nortearam a busca de novas
formas de qualificação para as quais o conhecimento humano encontra-se cada vez
mais envolvido; envolvimento este não mais fundamentado nos particularismos de
cada campo do conhecimento, mas sim por enfoques multidisciplinares.
Mas, ao tratarmos deste enfoque multidisciplinar para o
campo de conhecimento, não estamos revivendo a época na qual foi germinada a
Geografia Quantitativa ? A teoria da complexidade não estaria realizando o
mesmo papel que a matematização procurou desempenhar a partir da década de
quarenta deste século?
O que temos certo é de que a época atual torna as três correntes
recentes da Geografia como diacrônicas ao que está sendo esperado do campo do
conhecimento; corre, por isso, uma insatisfação generalizada e uma busca por
novos parâmetros.
A Geografia, hoje, sofre dois grandes desafios, a saber:
o primeiro, dado o fenômeno da globalização, é representado pela miniaturização
do Estado o que corresponde à miniaturização do principal promotor da Geografia
( seja via órgãos de planejamento ou departamentos acadêmicos ); o segundo,
levando em conta esta busca pelo enfoque transdiciplinar, a Geografia sofre a
poderosa concorrência da Ecologia, que saindo de uma matriz puramente
biológica, tem se destacado no aprofundamento da análise da relação entre
Sociedade e Natureza.
Acreditamos que a “saída” para a Geografia venha a ser
encontrada na retomada dos clássicos da disciplina, e mais especificamente na
contribuição de Friedrich Ratzel .Embora o rótulo de determinista mais
atrapalhe do que ajude na compreensão de sua obra, entendemos que ele trouxe de
forma aprofundada para a Geografia dois temas fundamentais para os
nossos dias, a saber: a relação homem e meio natural, e o aspecto político do
espaço, via Geografia Política.
Mas, se estamos a abordar a dissolução da Geografia, por
que estamos aqui a traçar “saídas” para a Geografia ? Simplesmente porque a
dissolução não é certa . Devemos contar com a imprevissibilidade para
encentarmos para o futuro a nossa proposta de Geografia.
BIBLIOGRAFIA
ANDRADE, Manuel Correia de - “Atualidade do pensamento de Élisée Reclus” in ANDRADE, Manuel Correia de ( org. ) Élisée Reclus. São Paulo: Ed. Ática, 1985, pp. 7-36 .
BECKER, Bertha K. - “A geopolítica na virada do milênio: logística e desenvolvimento sustentável” In CASTRO, Iná et alli ( orgs. ) - Geografia: conceitos e temas, Rio de Janeiro: Ed. Bertrand Brasil, 1995, PP. 271-307.
BUNGE, William - “ A Geographic
Methodology ” in Theoretical Geography . Sweden: C.W.K. Gleerup, Publishers, 1973, pp. 2-37.
CAPEL, Horacio - “El curso de las ideas científicas ” tercera parte In Filosofia y Ciência en la Geografia Contemporânea. Espanha: Barcanova, 1981, pp. 245-509.
CASTRO, Iná Elias de - “O problema da escala” In CASTRO, Iná et alli ( orgs. ) - Geografia: conceitos e temas, Rio de Janeiro: Ed. Bertrand Brasil, 1995, pp. 117-140.
CHRISTOFOLETTI, Antônio - “As Características da Nova Geografia” In CHRISTOFOLETTI, Antônio ( org. ) - Perspectiva da Geografia, 2ª edição. São Paulo: DIFEL, 1985, pp. 71-102.
CLAVAL, Paul - “ Les Grandes
Coupures de L’Histoire de la Géographie ”. Revue
Hérodote, mai- juillet/1982, pp. 129-151.
______________ “ Introducción” e
“La Nueva Geografia” in Evolución de la Geografía Humana ( 1ª ed. em
francês ).Trad. de Alexandre Ferrer. Barcelona: Oikos-tau, 1974, pp. 15-44 e 203-221.
COHEN, I. Bernard - “Introduction”
et “The Scientists Speak” In Revolution
in Science . Cambridge: Harvard
University Press, 1985, pp. 3-25; 369-388.
DIAS, Leila Christina - “Redes: emergências e organização” in CASTRO, Iná et alli ( orgs. ) - Geografia: conceitos e temas, Rio de Janeiro: Ed. Bertrand Brasil, 1995, pp. 141-162.
EVANGELISTA, Helio de Araujo - “Geografia Humana: uma ciência ?” in Cadernos de Doutorado. Rio de Janeiro, mimeo. 1996.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda - Dicionário Aurélio básico da língua portuguesa . São Paulo: Ed. Nova Fronteira/Folha de São Paulo, 1995.
FERREIRA, Conceição Coelho e SIMÕES, Natércia Neves - “A Geografia Quantitativa” In A evolução do pensamento geográfico. Lisboa: Ed. Gradiva, 1986.
FOUCAULT, Michel As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas , 6ª edição ( 1ª ed. em francês em 1966 ), trad. Selma Tannus Muchail. São Paulo: Martins Fontes, 1992
GOMES, Paulo Cesar da Costa - Geografia e modernidade. Rio de Janeiro: Ed. Bertrand Brasil, 1996.
HAESBAERT, Rogério - “Desterritorialização: entre as redes e os aglomerados de exclusão” In CASTRO, Iná et alli ( orgs. ) - Geografia: conceitos e temas, Rio de Janeiro: Ed. Bertrand Brasil, 1995, pp. 165-205.
HARVEY, David - A condição pós-moderna - uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural , 3ª edição. Trad. Adail Ubirajara Sobral e Maria Stela Gonçalves. São Paulo: Ed. Loyola, 1993
HOBSBAWN, Eric J. - Nações e Nacionalismo desde 1780: programa, mito e realidade, ( 1ª edição em inglês em 1990 ), trad. Maria Celia Paoli, Anna Maria Quirino. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990.
HOLZER, Werther - A Geografia Humanista - sua trajetória de 1950 a 1990. Rio de Janeiro: UFRJ, 1992. Dissertação de Mestrado em Geografia.
JOHSTON, R. J. - Philosophy and
Human Geography - an introduction to contemporary approaches.2ª ed. London: Edward Arnold, 1986 a.
JOHSTON, R. J.- Geografia e geógrafos: a geografia humana anglo-americana desde 1945, ( 1ª ed. em inglês em 1979 ), trad. Oswaldo Bueno Amorim Filho. São Paulo : DIFEL, 1986 b.
KENNEDY, Paul - “Estabilidade e mudança num mundo bipolar, 1943-1980” ( 1ª ed. em inglês em 1988 ),trad. Waltensir Duarte .In Ascensão e queda das grandes potências: transformação econômica e conflito militar de 1500 a 2000. Rio de Janeiro: Ed. Campus, 1989, 5ª edição, pp. 333-415.
LACOSTE, Yves - A Geografia- Isso Serve, em Primeiro Lugar, para Fazer a Guerra. ( edição francesa de 1985 ), trad. Maria Cecília França. São Paulo: Ed. Papirus, 1988.
________________ “Liquidar a Geografia ...Liquidar a idéia Nacional ?” In VESENTINI , José William ( org. ) - Geografia e ensino: textos críticos, trad. Josette Gian. São Paulo: Ed. Papirus, 1989, pp. 31-82.
LANDES, David S. - “Reconstrução e crescimento desde 1945” In Prometeu desacorrentado: transformação teconológica e desenvolvimento industrial na Europa ocidental, desde 1750 até a nossa época, (edição inglesa de 1969 ), trad. Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1994, pp. 501 - 554 .
MACHADO, Lia Osorio - “Origens do pensamento geográfico no Brasil: meio tropical, espaços vazios e a idéia de ordem ( 1870-1930 )” in CASTRO, Iná et alli ( orgs. ) - Geografia: conceitos e temas, Rio de Janeiro: Ed. Bertrand Brasil, 1995, pp. 309-353.
MELLO, João Baptista Ferreira - O Rio de Janeiro dos compostiores da música popular brasileira - 1928/1991 - uma introdução à geografia humanística. Rio de Janeiro: UFRJ, 1991. Dissertação de Mestrado em Geografia.
MENDOZA, Josefina Gómez et alli
- “Los radicalismos geográficos” In El pensamiento geográfico: estudio
interpretativo y antología de textos ( De Humboldt a las tendencias radicales
). Madrid: Alianza Editorial, 1982, pp. 134-154.
MORAES, Antônio Carlos Robert de - “A sistematização da Geografia Moderna” In A gênese da geografia moderna . São Paulo : Ed. Hucitec, 1989, pp. 15-25.
_____________________________ - “O Positivismo como fundamento da Geografia” In Geografia: pequena história crítica. São Paulo: Ed. Hucitec, 1981, pp. 21-31.
_____________________________ et COSTA, Wanderley Messias da - Geografia crítica - a valorização do espaço, 2ª edição. São Paulo: Ed. Hucitec, , 1987.
MOREIRA, Rui - O Que é Geografia ? . Rio de Janeiro: ed. Brasiliense, 1982.
QUAINI, Massimo - “Marx, Engels e a geografia” In Marxismo e Geografia , trad. Liliana Lagana Fernandes. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979, pp. 50-64.
SCHAEFER, Fred - “Excepcionalismo na Geografia” In Boletim de Geografia Teorética, Rio Claro, 7 ( 13 ), 1977, pp. 5-37.
SOJA, Edward - Geografias pós-modernas: a reafirmação do espaço na teoria social crítica. Trad. Vera Ribeiro ( da 2ª edição em inglês ); revisão técnica Bertha Becker e Lia Machado. Rio de Janeiro: Ed. Zahar, 1993
TUAN, Yi-Fu - “Perspectiva Experencial” In Espaço e Lugar - a perspectiva da experiência, trad. Lívia de Oliveira ( 1ª ed. em inglês em 1977 ). São Paulo: DIFEL, 1983, pp. 22-38.
[1] Artigo publicado no Boletim do Grupo de Estudos Geopolíticos nº 2/ano 2, Departamento de Geografia, UFF, em março/97. Do qual produzimos dois outros artigos, a saber: 1 ) “Qual o futuro da Geografia após a sua fase moderna? ”Publicado na Revista da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Duque de Caxias ( RJ ), agosto de 1999, ano I, nº 1. 2 ) “Geografias moderna e pós-moderna” artigo publicado na Revista do Mestrado do curso de pós-graduação em Geografia da Universidade Federal Fluminense, ano I, nº 1, jan/jun. de 1999, pp. 121-138.
[2] Prof. Adjunto do Departamento de Geografia da UFF. E-mail: helio@vm.uff.br.
[3] Caberia aqui lembrar o Seminário - A Crise da Razão - promovido pela
FUNARTE na Academia Brasileira de Letras, no segundo semestre de 1995. As
diferentes palestras, ao todo trinta e cinco, contribuíram na compreensão do
que ocorre hoje, precipuamente no campo da filosofia, frente às recentes
mudanças do mundo contemporâneo .
[4] In Épistémologie
des sciences de l’homme appud Por Uma Geografia do Poder de Claude
Raffestin, 1993, p. 12.
[5] A Física segue todas as etapas do método recomendado
como científico: observação, experimentação, verificação, formulação de leis e
enunciação de teorias ( Gomes , 1996, p. 37 ).
[6] David Harvey chega a designar o modernismo desta fase
como “heróico”, heróico pois sobreviria embora acossado pelo espectro da
destruição . ( Ibidem, pp. 38-39, 42)
[7] “....A despolitização do modernismo, que ocorreu com
a ascensão do expressionismo abstrato, pressagiou ironicamente sua assimilação
pelo establishment político e
cultural como arma ideológica na Guerra Fria. A arte é suficientemente plena de
alienação e ansiedade, e bastante expressiva da fragmentação violenta e da
destruição criativa ( temas que por certo eram apropriados à era nuclear ) para
ser usada como um maravilhoso exemplo do compromisso norte-americano com a
liberdade de expressão, com o individualismo exacerbado e com a liberdade de
criação.” ( Ibidem, p. 43 )
[8] Paulo César
entende que “...a constituição da ciência se confunde a tal ponto com o
nascimento da modernidade, que é difícil, quiçá impossível, pensar uma sem
fazer referência a outra. O pensamento científico moderno é a própria essência
da modernidade, sua testemunha mais eloqüente.” ( Ibidem, p. 66 ).
[9] Baudelaire em seu artigo “The painter of modern life”
( 1863 ) afirmava ser “...o transitório, o fugidio, o contingente; é uma metade
da arte, sendo a outra o eterno e o imutável “. (. in Harvey, 1993, op. cit.,
p. 21 ).
[10] Amplos esquemas interpretativos, como os produzidos
por Karl Marx ou Sigmund Freud. ( Harvey, 1993, pp. 49-50 )
[11] Esta perda da temporalidade tem para os diferentes
campos da atividade humana sérios desdobramentos, por exemplo, para a história,
esta é levada a ser uma espécie de arqueologia do passado; para a estética, a
perda de padrões de autoridade de juízo torna o julgamento afeito a toda sorte
de critérios; na arquitetura, o passado é retomado aos pedaços de forma
anárquica e sem critérios preestabelecidos; de modo que a perda da
temporalidade combinada à busca do impacto instantâneo induz a uma produção
cultural superficial, pouco profunda., não instigando a uma reflexão sobre o
meio que cerca as pessoas. ( Ibidem, pp. 58-61 )
[12] CAPEL, Horacio - In Filosofia y Ciência en la
Geografia Contemporânea.
FERREIRA, Conceição Coelho e SIMÕES, Natércia Neves -In A evolução do
pensamento geográfico. GOMES,
Paulo Cesar da Costa In Geografia e modernidade. HOLZER, Werther In A
Geografia Humanista - sua trajetória de 1950 a 1990. JOHSTON, R. J. In Philosophy and Human Geography - an introduction to
contemporary approaches. JOHSTON, R. J.In Geografia e geógrafos: a geografia
humana anglo-americana desde 1945 MELLO, João Baptista Ferreira In O Rio
de Janeiro dos compositores da música popular brasileira - 1928/1991 - uma
introdução à geografia humanística.
MENDOZA,
Josefina Gómez et alli In El pensamiento geográfico: estudio interpretativo
y antología de textos ( De Humboldt a las tendencias radicales ).
[13] Se os países
participantes do conflito tivessem apresentado os níveis de crescimento
encontrados nas décadas 20 e 40, a população estimada seria de 806 milhões de
pessoas e não os 751 milhões de pessoas de fato encontradas ( 1994, p. 502 )
[14] Os
Estados Unidos patrocinava esta recuperação, tendo sido, entre as grandes
potências que participaram da guerra, a única a ter saído mais rica com o
litígio, ela passou a ter a metade do transporte marítimo comercial, dois
terços da reserva mundial em ouro, mais da metade da produção industrial do
mundo, etc. ( Kennedy, 1989, p. 343 ).
[15]Esta obra, segundo Conceição et Simões, atacou o
grande legado de Karl Ritter, Humboldt, Friedrich Ratzel e Vidal de La Blache à
Geografia caracterizado por uma concepção regional-historicista da Geografia
que precedeu a corrente quantitativa. ( 1986, op. cit., pp. 83-84 ).
[16] O período compreendido entre 1960-1970, segundo
Christofoletti, é caracterizado por
grande fermentação intelectual, sendo, talvez, a mais intensa de toda a
história da Geografia. ( Christofoletti, op. cit., pp. 73-74 )
[17] O SIG, através da combinação de informações advindas
de imagens satélites, fotos aéreas e cartas vão monitorando processos de
intervenção no território a partir de diferentes enfoques. Naturalmente, não se
quer aqui afirmar que estes meios de representação sejam de uso exclusivo da
Geografia Quantitativa, mas, como a metodologia de representação exige uma base
matemática, os identificados com esta corrente contam com uma certa vantagem
para explorar esta tecnologia.
[18] Entre estes meios está o esforço em aplicar modelos
matemáticos em ciências sociais através de fórmulas que concebam complexos
índices de imponderabilidade; informação fornecida pelo Professor Jorge Xavier
numa conversa informal durante o Encontro Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa
realizado em Aracaju, em setembro de 1995 .
[19] Cabe observar que a partir das críticas de Karl
Popper ao método indutivo positivista, os neopositvistas passaram a fazer uso
da probabilidade, as afirmações conceberiam uma possibilidades de erro,
minorando assim aquela “crença” ,tão arraigada no positivismo, sobre a certeza
a partir das informações advindas dos sentidos humanos . ( Ferreira e Simões,
1986 )
[20] Assim, “...La
nueva geografia ya no se preocupa por la descripción idiográfica del mundo:
expresa la necesidad de acción y, para penetrar el futuro, se dedica a
establecer las leyes que rigen el mundo”. (
Claval, 1974, p. 220 ).
[21] Pela exposição que se segue, ora será adotado o termo
Geografia Crítica, como é conhecida esta corrente no Brasil, ora como Geografia
Radical, termo utilizado por Horacio Capel e Josefina Mendoza ao analisar esta
corrente da Geografia. Há aqueles, por razões várias, que procuram distinguir
nesta corrente tendências revolucionárias ou reformistas; nós procuramos nos
ater às principais marcas da Geografia Crítica e apenas mencionando algumas das
diferenças internas.
[22] Horacio Capel
interpreta estar incluso nesta visão a preocupação positivista de que “...el
materialismo histórico dialético ha formulado las leyes causales del desarrollo
de la humanidad, las cuales permiten predecir de forma ineluctable la evolución
pasada - es decir, el origen y desarrollo del capitalismo - y futura - es
decir, la necesaria transición al socialismo - de la humanidad.” ( Capel, op.
cit. p. 439 )
[23] “Marx não é, portanto, um geógrafo ( assim como não é
um historiador nem um sociólogo ), mas no marxismo, assim como existe uma
teoria da história e uma análise da sociedade, existe também uma geografia,
sempre que por geografia se queira entender principalmente “a história da
conquista cognoscitiva e da elaboração regional da terra, em função de como
veio a se organizar a sociedade” ( L. Gambi ). No marxismo existem, além de
inúmeros temas de pesquisa, também uma teoria da geografia e dos limites das
condições e fatores geográficos”. ( Quaini, 1979, p. 51 ).
[24] “O que choca não é a falta de interesse de Marx para
com os problemas geográficos: é a disjunção entre seus textos teóricos mais
elaborados, O Capital em primeiro
lugar, e seus textos mais circunstanciais, militares ou político-estratégicos.
O que choca no próprio bojo dos textos mais elaborados não é tanto a falta de
interesse para com os problemas geográficos do que a irrupção, numa
problemática globalmente a-espacial, de raciocínios geográficos grosseiramente
deterministas”. ( Lacoste,
1988, p. 141 ).
[25] “Pero si el
espacio es la proyección de la sociedad, sólo podrá ser execplicado - y ésta es
la consecuencia metodológica fundamental de la asunción inicial - desentrañando
en primer lugar la estructura y el funcionamiento de la sociedad o formación
social que o ha producido”. ( Mendoza et
alli, 1982, p. 150 ) R. J. Johnston, por sua vez, in Philosophy and Human
Geography indica a forte influência do marxismo na Geografia a partir de um
ponto de vista estruturalista, pelo qual as explicações dos fenômenos deviam
estar referenciados à estruturas que os sustentam, mas que não são
imediatamente identificados por estes fenômenos; assim não basta um estudo
empírico para compreender a realidade, é necessário uma análise que rompa o véu
dado por aquilo que nos trás os nossos sentidos e apreenda através de um
esforço de raciocínio e abstração estruturas universais que providenciam a
dinâmica da sociedade. ( 1986 a, pp. 97-101).
[26] Durante a realização do Seminário de Geografia Humana
promovido pelo programa de Pós-Graduação em Geografia da UFRJ e coordenado pela
professora Bertha K. Becker no primeiro semestre de 1995, ela relatou um debate
ocorrido nos Estados Unidos entre David Harvey e uma ecóloga, e naquela
oportunidade, o geógrafo deixou claro que pelo método marxista não era possível
uma visão integradora na análise da relação homem-natureza. Neste mesmo
seminário, Antônio Carlos Robert de Morais reafirmou a necessidade, pela
perspectiva marxista, da Geografia ser defenida como ciência social ou ciência
da natureza.
[27] Por exemplo, Werther Holzer observa que é possível
usar dois termos para designar esta corrente da Geografia - a Humanista ou
Humanística - ele prefere, porém, a primeira, pois a tradução de Humanistic
Geography para Geografia humanística empobrece o seu sentido já que o termo
humanístico em português atua como adjetivo, algo caricato, enquanto humanista
favorece o vínculo da Geografia com a corrente filosófica do humanismo. ( 1992,
p. 325-326 )
[28] Cabe ressaltar que Werther Holzer centrou o seu
estudo na escola anglo-saxônica, onde esta teve maior expressão, e de onde se
propagou.
[29] Werther Holzer, ao contrário de João Mello, não
elencou a hermenêutica como uma das bases da Geografia Humanista, mas sim o
pragmatismo. ( 1992, p. 334 ). O pragmatismo, doutrina de Charles Sanders
Peirce, filósofo americano ( 1839-1914 ), tem por tese fundamental que a
“...idéia que temos de um objeto qualquer nada mais é senão a soma das idéias
de todos os efeitos imagináveis atribuídos por nós a esse objeto, que possam
ter um efeito prático qualquer.” (Ferreira, Aurélio - Novo Dicionário da
Língua Portuguêsa-, 1995, p. 522 )
[30] Este livro de Johston tem o limite de retratar a realidade
da Geografia anglo-americana, ( sem deixar de citar as contribuições advindas
da Austrália, Canadá, Nova Zelândia e Suécia ), mas a obra é muito
significativa pois trata de um polo acadêmico, o dos Estados Unidos,
impulsionador de tendências, na Geografia, decisivas para compreendermos a
evolução da disciplina.
[31] “Es una
ciencia joven que se busca y que prefiere tomar prestadas sus ideas y sus
métodos de las ciencias próximas antes que tomarlas de las grandes obras de la
escuela precedente.” ( Ibidem, p. 37 ) “Así pues, tanto en Francia como en
Alemania, la generación de geógrafos a fines del siglo XIX no está ligada a la
tradición de las épocas precedentes. Este hecho es muy importante para
compreender la evolución de la geografía en general y de la geografía humana en
particular. Hasta fines del siglo XIX la mayoriá de los geógrafos fueron más o
menos autodidactas. No aprendieron la geografía en los bancos de una
Universidad, sino que lhegaron a ella por cominos diversos.” ( Ibidem, p. 40 )
[32] “ Cada vez mais o Estado detinha informações sobre
cada um dos indivíduos e cidadãos através do instrumento representado por seus
censos periódicos regulares ( que só se tornaram comuns depois da metade do
século XIX), através da educação primária teoricamente compulsória e através do
serviço militar obrigatório, onde existisse. ...Como nunca até então, o governo
e os indivíduos e cidadãos estavam inevitavelmente ligados por laços diários. E
as revoluções nos transportes e nas comunicações, verificadas no século XIX,
estreitaram e rotinizaram os liames entre a autoridade central e os lugares
mais remotos”. ( Ibidem, p. 102 ).
[33] “...Nos Estados onde se desenvolveu, a agenda
política do patriotismo foi formulada pelos governos e pelas classes
dominantes. O desdobramento da consciência política e de classe entre os
trabalhadores lhes ensinou a reivindicar e exercer direitos de cidadania. Seu
paradoxo trágico foi que, onde os trabalhadores aprenderam a afirmá-los, tais
direitos os levaram a mergulhar obedientemente no massacre mútuo da Primeira
Guerra Mundial. Contudo, é significativo que os governos beligerantes pediram
apoio para a guerra não simplesmente através do patriotismo cego e menos ainda
com base na glória machista e no heroísmo, mas através de uma propaganda
dirigida fundamentalmente a civis e cidadãos. A maioria dos governos
beligerantes apresentou a guerra como defensiva. ...A democratização, assim,
podia autonomaticamente ajudar a resolver o problema de como os Estados e
regimes poderiam adquirir legitimidade aos olhos de seus cidadãos, mesmo que
estes estivessem descontentes. Reforçava, além de poder até mesmo criar, o
patriotismo.” (Ibidem, p. 109-110)
[34] Cabe lembrar que naquela época, séc. XIX, na Europa,
a influência da monarquia ainda era marcante no imaginário popular, assim, esta
influência deveria ser substituída por um outro conteúdo, a do país; o relato
sobre a sua população, recursos, tamanho, importância, etc. fomentou uma nova
concepção de sociedade, de base racionalista, que passava a ser coordenada por
novos ditames que não o da palavra do monarca e posições assumidas por sua
família, mas pela idéia de sociedade civil, conceito de cidadão, etc.
[35] As Sociedades de Geografia obtinham recursos de
“...fontes comerciais e filantrópicas, uma vez que a informação acumulada era
de grande valor para o mundo mercantil. Ao mesmo tempo que apoiavam e patrocinavam expedições exploratórias, as
sociedades geográficas desempenhavam, também, importante papel na educação.
Suas reuniões de conferências forneceram ao público em geral oportunidade de
ver e ouvir falar sobre as novas descobertas, e seus diretores trabalharam
firmemente para estabelecer o ensino da Geografia nas escolas e universidades:
a Real Sociedade Geográfica de Londres ( RGS), por exemplo, esteve envolvida
nas discussões que conduziram ao estabelecimento do ensino da Geografia nas
duas universidades mais velhas da Inglaterra, Oxford e Cambridge ( Stoddart,
1975 a; Freeman, 1980 b; Cameron, 1980 appud
Johston, 1986 b, p. 58 )
[36] Lia Osório Machado no artigo “Origens do pensamento
geográfico no Brasil: meio tropical, espaços vazios e a idéia de ordem (
1870-1930 )” demonstra que no Brasil, durante o processo de redefinição da
identidade nacional, ocorrida entre o final do século XIX e início do século
atual, “... o pensamento geográfico esteve presente nos debates sobre a
natureza físico-climática do território, a adaptação do indivíduo ao meio, as
características raciais dos habitantes, e as possíveis conseqüências desses
aspectos sobre a formação social do povo brasileiro. Em síntese, a questão
principal era o estabelecimento do potencial e dos limites da natureza física,
social e política do país diante das idéias programáticas do “progresso”. (
1995, p. 310 )
[37] “El lenguaje
geográfico, por otra parte, es claro a este respecto: no se empieza a hablar de
escuelas geográficas hasta se crearon las cátedras de geografía ( es decir, en
el último cuarto del siglo XIX ).” ( Ibidem, p. 42 )
[38] “La clase
transmite lo inexpresado que el escritor ignora, y esto de varias maneras. Las
entonaciones del profesor pueden informar sobre su escepticismo en cuanto a una
teoría, incluso cuando el texto escrito se presenta totalmente neutro y sin
adoptar un juicio determinado. Los silencios dejan adivinar actitudes fundamentales:
por qué no creer tal o cual hipóteses ?;
esta o aquella duda ?; por qué
insistir en tal o cual punto y despreciar aquel otro? El lector reflexiona,
reacciona, se enfrenta a las opciones así elegidas. La rapidez de la clase, la pasividad de quien la
escucha, conducen a una adhesión mucho más amplia de lo que se
cree.”(Claval,1974,p.42) Paul Claval nos lembra, ainda, que o período de
fortalecimento da Geografia ocorreu num período fértil ao progresso das
instituições que por sua vez se encontravam identificadas com a articulação dos
campos de conhecimentos existentes, de modo que houve a busca de um método que
conduzisse a descrições sistemáticas de modo a alcançar um inventário da
paisagem. ( 1982, pp. 148-149 ).
[39] “A geografia, conhecida na época como “física do
mundo”, colocou sob sua responsabilidade a interpretação da dinâmica da
natureza e de suas relações possíveis com a marcha histórica. Da mesma forma
que as outras disciplinas, ela estava também exposta à ambivalência da época,
como observamos precedentemente. A temática escolhida, a saber, as relações
entre homem e natureza, conduziu-a a se transformar também em um dos
porta-vozes dos novos tempos e, de certa maneira, a exprimir o sentido desta
modernidade paradoxal e contraditória.” ( Ibidem, p. 150 )
[40] “ Ulteriormente, esses dois níveis tornar-se-ão dois
ramos distintos conhecidos pelos nomes de geografia geral ou sistemática e de
geografia regional.” ( Ibidem, p. 173 )
[41]Fremont in Paulo César afirma: “O estudo das
influências que os meios naturais exercem sobre os grupos humanos e sua
repartição na superfície da Terra, coloca a geografia de Ratzel no ponto de
junção entre as ciências da natureza e as ciências do homem, dentro de uma
perspectiva da ecologia, conferindo ao determinismo dos fatos da natureza um
lugar decisivo, bem como mutável e a situa dentro de uma orientação científica
resolutamente positivista...”. ( Ibidem, p. 186-187 )
[42] Cabe ressaltar que este é um ponto controverso, pois
há quem alegue que a Geografia Quantitativa trataria com o campo da
probabilidade, mas, Paulo Cesar argumenta, tendo por base David Harvey, que
“...a adoção de modelos probabilistas supõe, em princípio e numa certa medida,
a aceitação do determinismo como premissa...o determinismo moderno é do tipo
relativo, isto é, afirma um fato e ao mesmo tempo anuncia a possibilidade de
erro, tudo isso a partir de proporções bem medidas matematicamente.” ( Ibidem,
p. 265 )
[43] Sobre o porque deste novo enfoque na Geografia,
Horacio Capel elenca duas possibilidades: 1 ) necessidades institucionais,
especificamente, de dar um caráter cientifico à Geografia e à forte presença de
naturalistas na disciplina; 2 ) exigências do ambiente científico da época
marcado pelo impacto da biologia evolucionista. ( Ibidem, p. 259 ).
[44] Isto não exclui a observação de que a Geografia não
tenha tido mudanças durante as duas rupturas, mas reforça a idéia de que pela
Geografia Quantitativa foi verificada uma profunda mudança na Geografia, que só
tinha ocorrido anteriormente no século passado, com a sua institucionalização
no sistema de ensino.
[45] Polêmico, pois poderíamos encarar que a Geografia
Crítica não partiu da Geografia Quantitativa, ela, pelo contrário, é mais
antiga que a Geografia Quantitativa pois teve como um de seus precursores Elisée
Reclus ( 1830-1905 ); mas mesmo diante desta afirmação, podemos colocar que
esta corrente adquiriu projeção no meio acadêmico numa época posterior ao da
Geografia Quantitativa.
[46] Paradigma no sentido empregado por Thomas Khun in A
estrutura das revoluções científicas, como sendo uma bússola para a
pesquisa.
[47] Obviamente, o objeto de uma, não é o mesmo da outra,
pois as respectivas posições metodológicas conduzem a uma ótica diferenciada
sobre a realidade, porém, ambas apresentam a crença de que detêm o método único
de analisar o espaço.
[48] Passei a adotar a idéia de que há uma distinção entre
saber e ciência a partir da leitura da notável obra de Michel Foucault - As
palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas , cuja
contribuição foi por nós abordada em um outro trabalho cujo o título é Geografia
Humana: uma ciência ?
[49] Embora não sendo encontradas na Geografia, são
trazidas de outros campos do conhecimento humano, gerando uma Geografia que
acaba não sendo nem Geografia nem o que a ela veio de outra área do
conhecimento.
[50] Neste sentido, o sucesso de obras como Kosmos de Alexander von Humboldt ou Nouvelle
Géographie Universelle de Élisée Reclus expressam como a Geografia tinha
uma legitimidade, reconhecida pela comunidade científica, de tratar assuntos
tão amplos ( do físico ao humano; do clima à tribo indígena ).
[51] Fora os livros de Geografias, quais eram os outros
meios, na época, séc. XIX, que
popularizavam a idéia de mundo para a população ?
[52] Acreditamos que um exemplo bem sintomático do exposto
vêm a ser o contrato que a editora Hachette estabeleceu com Élisée Reclus,
recém saído da prisão, onde esteve por questões políticas, para escrever a obra
Nouvelle Géographie Universelle, pelo
acordo era vedado qualquer menção aos assuntos religiosos, políticos e sociais
no intuito de não contrariar o público a quem o livro se destinava. ( Andrade,
1985, p. 14-15 ).
[53] Acreditamos que poderíamos aqui incluir a Geologia,
e, talvez, a Climatologia e a Botânica; mas, por falta de uma melhor
familiaridade com a evolução destes campos de estudo, fica a lacuna de não se
precisar com nomes os que combateram, ou interpretaram, a seu modo, a Geografia
de modo a reduzir o seu campo e aumentar o próprio.
[54] Segundo Lucien Febvre : “O solo, não o Estado: eis o
que deve reter a atenção do geógrafo”, no que Yves Lacoste reagiria afirmando
“Obrigado, senhor Febvre, por esse preceito lapidar que impossibilitou qualquer
reflexão geopolítica aos geógrafos...para reservá-la aos historiadores ávidos
de geo-história !” ( 1988, p. 123 )
[55] No dizer de Iná de Castro in O problema da escala, “...a escala introduz o problema da
polimorfia do espaço, sendo o jogo de escalas um jogo de relações entre
fenômenos de amplitude e natureza diversas”. ( 1995, p. 138 )