Santa Terezinha

 

 

O presente texto foi produzido em  1997 e caracteriza-se como um comentário à obra de Santa Teresinha de Jesus – História de uma alma . ( São Paulo: Edições Loyola, 1996 )

 

A história de um encontro segundo um momento de oração

 

Helio de Araujo Evangelista

 

( www.feth.ggf.br )

 

            Quando participava das atividades da Igreja Católica, enquanto jovem, valorizava um santo como São Francisco de Assis que de uma posição de homem rico opta pela situação de um pobre, rompe com o pai em nome de um caminho de fé, depois ele e seu grupo de seguidores têm a ousadia de se dirigir ao Papa Inocêncio III para obter a provação de suas regras, e em seguida vão ao Oriente Médio e tentam converter, simplesmente, o sultão - líder dos muçulmanos. Ao longo de sua curta vida ( 1182 - 1226 ) agrega milhares de pessoas que passam a comungar o seu ideal. Poxa, pensava, que vida ! [1]

            E Santa Terezinha do Menino Jesus ? Nunca conheceu a pobreza material, teve uma família feliz, por sinal muito feliz, embora perdesse a mãe muito cedo, o que deve ser uma perda dolorosísima de modo que muitos que já viveram esta experiência, se pudessem optar, prefeririam em perder os seus bens materiais mas não um ente querido. Depois o silêncio, o silêncio de um claustro que ela deixou de experimentar quando morreu ainda cedo, muito cedo, com apenas 25 anos incompletos.

            De ato concreto de sua passagem na Terra não deixou nenhuma ordem fundada, nem propiciou a criação de novos prédios, porém deixou páginas preciosas de sua vida interior que a tantos ilumina e incentiva. Eis o segredo de Santa Terezinha do Menino Jesus   - o de ser uma santa no lugar comum, na vida cotidiana, sem espalhafatos, sem grandes movimentos, é como se DEUS indicasse que a santidade também se obtêm na vida obscura. Com Santa Terezinha do Menino Jesus   DEUS resolveu escrever no silêncio !

            Na verdade só vim a perceber a vitalidade de Santa Terezinha do Menino Jesus ao ler a obra Teresa de Lisieux de Henri Ghéon editado pela editora Quadrante em 1996. A sensação ao ler este livro era de difícil expressão; da leitura ficou uma sensação de que ela encontrou alguma “coisa diferente”, e a encontrou se portando enquanto uma criança.

            A vida de Santa Terezinha do Menino Jesus   expressa, de um lado, uma meiguice, uma candidez, um respeito à natureza e às pessoas que a cercavam, mas, por outro lado, fica explícito que a mesma tinha uma têmpera, uma força interior fincada numa descoberta. Esta descoberta, ao contrário de um São Paulo que precisou cair literalmente do cavalo para descortinar o mundo da fé, ou de um Santo Agostinho que teve em sua mãe a verdadeira embaixatriz do Evangelho que tanto chorou por ele. [2] A conversão de Santa Terezinha do Menino Jesus   ocorreu tão naturalmente quanto o fluxo do leite que sai do seio materno para a sua filha. A evangelização de Santa Terezinha do Menino Jesus começou no colo da mãe, e depois passou para o ombro do pai.  Até nisso, a conversão de Santa Terezinha do Menino Jesus é natural, nada de excepcional, coisa que qualquer pai e mãe não relaxados com a educação religiosa de seus filhos pode vir a realizar.

            Da leitura da obra de Henri Ghéon sobressaiu-me a vontade de conhecer Santa Terezinha do Menino Jesus e passei a procurar em diferentes locais o tão citado livro - A história de uma alma . [3]

            Acredito que a valoração que passei a dar à Santa Terezinha do Menino Jesus   decorreu de uma maior maturidade adquirida com o avanço da idade. Interessante, na via a DEUS a maturidade nos leva a apreciar a criança que ELE tanto procura encontrar nas pessoas. E neste caso, Santa Terezinha do Menino Jesus   veio para demonstrar que o lugar comum: ponto de ônibus, a queixa de um parente, os desencontros no ambiente profissional, tudo isto podem ser transformados em momentos alegres para DEUS. Sim, isto mesmo, Santa Terezinha do Menino Jesus fazia DEUS sorrir quando, por exemplo, fugia de uma Irmã do Carmelo para evitar discussão [4] , ou ainda se obrigava a estar com as Irmãs que lhe menos agradava [5] , e assim por diante.

            Porém, se entendemos que o caminho de Santa Terezinha do Menino Jesus vem a ser empreendido a partir das circunstâncias comuns do cotidiano de qualquer pessoa, isto não significa que por esta via a pessoa venha a ser também comum , temos de ser heróis, heróis do cotidiano.

            A rigor, mesmo os mais poderosos homens que surgiram entre nós, como Napoleão Bonaparte, tiveram as suas vidas marcadas por vicissitudes e delicadezas que nada se aproximavam da figura idealizada que somos levados a apreender , aliás, de Napoleão Bonaparte, ele dizia que era capaz de controlar um país - a França - e diversas tropas para a guerra, mas não vencia o temperamento de sua mulher !

            Nenhum santo nasce pronto, a rigor qualquer santo assim o foi por um ato de vontade e de superação de si mesmo. A luta que Santa Terezinha do Menino Jesus empreende não vem a ser pautada por odiar a sua natureza humana , ou de entender que esta vida passageira não vale a pena, e sim, por entender que a natureza ( seja do seu corpo ou fora dele ), assim como do próprio tempo, breve tempo que nós dispomos, são os meios que temos para chegarmos a DEUS. Uma aproximação feita a partir da luta ... não é duro à pessoa humana procurar através do ato da fé um novo proceder ao combater a gula, a ira, etc. ?

            Santa Terezinha do Menino Jesus passou a vida olhando para o céu e o céu olhando para ela. O que há de estranho nisto ? É de um DEUS que assume a altura de uma criança para comentar o mundo.

            Santa Terezinha do Menino Jesus prima pela busca do sacrifício, ela valoriza a dor, mas não a busca, por exemplo, no cenário de uma guerra, ... não, ela não precisava ir tão longe.

            A dor que Santa Terezinha do Menino Jesus destaca vem a ser aquela que a própria vida nos fornece e que DEUS permite que ocorra, seja pelos pequenos aborrecimentos do dia a dia do tipo: “suportar” uma conversa maçante, não enraivecer-se com o motorista de ônibus ( o que implica ter uma auto-disciplina interior adquirida com a mortificação ), desculpar uma ofensa, ou então pelos grandes acontecimentos dados pelas doenças graves e falecimento.

            A princípio, esta busca da dor, com lentes humanas poderia ser reprovável. Afinal, estaria tolhendo a personalidade, estaria forjando um caráter recalcado... Não, absolutamente não, o que ela nos ensina vem a ser que na vida da Graça a nossa natureza deve estar submetida a vida do espírito.

            A presença de DEUS em nós pressupõe uma abertura ao outro, uma busca ao bem do outro, e no entanto, pelos impulsos de nosssa natureza o que se busca é o bem do próprio corpo. A natureza é essencialmente voltada para si.

            Assim, fica instalada uma espécie de exercício no qual embora precisando do corpo, sem ele nada somos, porém com ele e vivendo para ele somos menos ainda.

            A pequena via de Santa Terezinha do Menino Jesus   vem no sentido que as próprias agruras do dia a dia nos ensina o desabrochar a nossa vida espiritual ao vencermo-nos em favor do outro.

            Certamente é uma peleja dura pois nem sempre o outro detém o mesmo espírito.

            Aí reside a distinção do caminho de Santa Terezinha do Menino Jesus .

            Esta busca do outro pela pequena via não vem a ser fundamentalmente um trabalho ascético de caráter moralista ou ainda por puro sentimento filantrópico na busca do outro; mas sim, por este caminho, Santa Terezinha do Menino Jesus procura, no fundo, a DEUS . [6]

            Uma busca que passa pela superação de si visando o outro porém não termina aí. Na superação de si e encontrando o outro tem-se melhores condições de se ver DEUS.

            Porém, o que chama atenção neste encontro de Santa Terezinha do Menino Jesus   com DEUS é a sua forma serena, ao contrário do que ocorreu com outros santos com quem os encontros ocorreram não raro abruptamente, é o crescimento de Santa Terezinha do Menino Jesus neste encontro de forma misteriosa. Poderíamos nos atrever a afirmar que o livro História de uma alma nos conta uma parte da história de sua alma, a outra parte só DEUS conhece.[7] Assim, parece-nos que há duas histórias, ou melhor, uma única história da qual parte chegamos a conhecer, a outra não.

            No entanto, na leitura de História de uma alma de Santa Terezinha do Menino Jesus  , ou de Confissões de Santo Agostinho ou Imitação de Cristo ( obra a qual Santa Terezinha do Menino Jesus   tanto recorria ) o que chama a atenção é a unicidade da mensagem. Estas obras escritas por pessoas distintas, em épocas históricas díspares batem na mesma tecla - o amor a DEUS .

            Assim, temos em Santa Terezinha do Menino Jesus mais uma expressão da pedagogia de DEUS, qual seja embora o conteúdo da mensagem seja o mesmo, o método , a maneira de cativar os corações é diferente.

            Ao debruçarmo-nos sobre a história da vida de Santa Terezinha do Menino Jesus  , percebe-se o canto de uma alma que paulatinamente vai ficando cada vez mais afinada com a Vida de DEUS.

            Santa Terezinha do Menino Jesus usa palavras calorosas, fortes, que a princípio parecem repetitivas, monótonas, mas que no fundo prefiguram uma vida interior assentada num encontro . Na verdade, parece que Santa Terezinha do Menino Jesus   em seu livro História de uma alma apenas balbucia , arrisca termos para relatar o teor deste encontro.

            A espiritualidade de Santa Terezinha do Menino Jesus   destaca elementos básicos da felicidade humana, qual seja, a valorização da interioridade, o silêncio interior, enfim a cultura da vida interior que podemos considerar como o ponta pé inicial de uma vida fecunda, útil, boa, enfim, de uma vida que deixa rastro e saudades.

            Santa Terezinha do Menino Jesus trata DEUS como uma pessoa em tom coloquial, claro, objetivo, candido, sem fantasia, mas com calor, através de passagens tenras que incentivam a imitação por parte de várias pessoas.

            É o comentário de uma planta, de um por de sol, de um abraço, de uma janela, de um costume, que são transfigurados, Santa Terezinha do Menino Jesus tira o véu do corriqueiro de nossos dias e nos transmite DEUS, ela transmite DEUS ao tratar do comezinho e tirando o véo do comezinho mostra que DEUS nos acompanha, nos olha, orienta e aconselha.

            Mas como é possível a uma moça que não chegou a ter 25 anos, apresenta cem anos depois de sua morte a graça de estar viva ?

            Viva não só pelas suas memórias mas por comunicar a vida. Santa Terezinha do Menino Jesus comunica a vida.

            Como é possível a um ser tão frágil ( não só por ter falecido nova, mas por não ter tido ascendência alguma em estrutura de poder ) manter-se ainda viva hoje ?

            O segredo de SANTA TEREZINHA DO MENINO JESUS   está na transparência que ela deu à mensagem de DEUS  a partir do lugar comum.

            Esta morte prematura não deixa de gerar um contraste com este mundo que tem uma cultura que valoriza aspectos contraditórios, pois verifica-se de um lado o processo favorável à descartabilidade, tudo é descartável, chegando a incidir nas relações humanas,... é o casamento eterno enquanto dure..., é a gravidez indesejada... por aí afora ; por outro lado, verifica-se um esforço em minorar a dor tendo por recurso... a “higienização” da morte através dos cemitérios impessoais ... um esforço de eternizar-se pela busca do eterno rejuvenescimento ... chegando, por fim,  a defesa da eutanásia.

            Quando Santa Terezinha do Menino Jesus   morreu não havia televisão, avião, ...( a grande novidade era elevador que ela comenta em História de uma alma... ) o telefone era apenas um experimento exótico, ainda de pouca utilidade, o carro só viria a ser popularizado mais tarde ... e hoje. Hoje temos, computadores, satélites , bombas nucleares, e o homem já consegue colocar suas máquinas em diferentes planetas .

            Como então, neste mundo da tecnologia, há espaço em sua agenda, aberta pelo Papa João Paulo II, ao conferir-lhe o título de doutora da Igreja, doutora de uma instituição que já conta com mais de 2000 anos.

            Como pode, essa moça, dentre tantos santos, de um tempo que já não é nosso, vir a ser lembrada para ser doutora e que detém uma mensagem que as pessoas de hoje entendem e que é acatada por uma instituição que adentra no terceiro milênio de sua existência .

            Bem se nota que aquela moça falecida em Lisieux guardava em si algo que tantos procuraram e procuram, principamente os jovens, de formas tão diversas que não raro redundam em imensos fracassos pois procuram DEUS na satisfação do seu próprio ego.

            A que deveria este privilégio dela ter acertado, enquanto tantos outros em sua faixa de idade fracassaram ?

            Em boa hora, ela indica, o que o próprio DEUS costuma firmar na sociedade humana, a saber, um sinal de contradição.

            No caso de Santa Terezinha do Menino Jesus qual foi o método de DEUS ? Santa Terezinha do Menino Jesus abre um claro contraste à sua época.

            Falecendo nova não passou de uma carmelita obscura. Em seu livro História de uma alma... fica registrado que ao final da vida de Santa Terezinha do Menino Jesus chegou a ser responsável por algumas noviças, obviamente que é em si uma grande coisa para quem era tão nova, porém suficiente para denotar de que se tratava de uma doutora da Igreja ?

            Falecendo nova é considerada doutora da Igreja, o que demonstra, pelo menos ao nível de Igreja Católica que o doutoramento não está relacionado ao acúmulo de anos de estudo, mas sim ao teor novo que a mesma insere na doutrina da Igreja.

            Santa Terezinha do Menino Jesus não se caracteriza por tratados teológicos mas fundamentalmente, e esta é a sua mensagem aos dias de hoje, por demonstrar na forma de carne e sangue que na vida obscura, pouco notada, não destacada, sem notícias, vivendo as vicissitudes banais nos diferentes relacionamentos humanaos é possível conhecer e chegar a DEUS.

            A pequena via vem a ser uma imensa passarela !

            Ao olharmos para o mundo de hoje vemos que há um processo ambíguo.

            De um lado temos um aspecto muito confuso, porém há um outro que poderíamos dizer cristalino.

            Entendo que no mundo de hoje impera uma solene campanha a - religiosa nos campos da cultura e comunicação, ou seja o movimento que se dá nestes campos não luta contra a religião abertamente;  não, a rigor, a solapa de forma velada, camuflada. Este é o processo cristalino, porém se apresenta de forma consfusa, pois não se apresenta como a - religiosa enquanto tal.

            Ao analisarmos a vida hodierna cabe averiguar as raízes subjacentes que sustentam estes novos valores, a rigor não são valores, é um vale tudo !

            No entanto, quando empresas quebram e levam de rodão várias economias amealhadas ao longo de vários anos poucos sugerem a vinculação do roubo com o ambiente a-ético que se procura impegir à sociedade.

            Neste sentido, a aclamação de Santa Terezinha do Menino Jesus como doutora da Igreja indica-nos uma outra visita de Santa Terezinha do Menino Jesus à história humana só que revestida com uma outra autoridade.

            A autoridade de quem diante de um mundo acelerado - absorto em suas descobertas, mas débil em lembrar suas mazelas, representadas pelas guerras, fome e epidemias - enfatiza a lembrança de sermos santos, cabendo a cada um escrever a sua história, a história de sua alma a partir do encontro com DEUS.

 

Veja

 

Santo Josemaría Escrivá

Veja o filme "A Paixão de Cristo" de Mel Gibson, comentários.

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[1] Entre as extraordinárias biografias de São Francisco de Assis, caberia aqui ressaltar o trabalho de René Eülöp-Miller que em Os santos que abalaram o mundo  ( 1987 ) que destaca aspectos fundamentais deste santo.

[2] Sobre a vida de Santo Agostinho, novamente caberia citar a obra de René Fülop-Miller que além de estudar Santo Agostinho e São Francisco de Assis, ele chegou a abordar Santo Antão, Santo Inácio e Santa Teresa.

[3] Aqui utilizei a versão publicada em 1996 pela editora Loyola que por sua vez utilizou a recente obra publicada no ano de 1992 em francês - Les manuscrits autobiographiques e que procura resgatar com toda a fidelidade o texto original dos manuscritos de Santa Terezinha do Menino Jesus.

[4] Item 293, Manuscrito C, ( 1996, p. 202 )

[5] Item 323, Manuscrito C, ( 1996, pp. 219 - 220 )

[6] Inclusive há um episódio relatado em História de uma alma no qual Santa Terezinha do Menino Jesus procura chamar a atenção de uma irmã de Carmelo, com o qual já tinha estabelecido uma amizade, para a necessidade de se orientar a sua vida de forma mais decidida para DEUS. Item 307, Manuscrito C ( 1996, pp. 210 - 211 )

[7] Por exemplo, quando Santa Terezinha relata suas tentações ela não as descreve totalmente. Item 219, Manuscrito A ( 1996, p. 147 )