Revista geo-paisagem (on line)

 

Ano  5, nº 10, 2006

 

Julho/Dezembro de 2006

 

ISSN Nº 1677-650 X

 

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Geografia tradicional no Brasil.

 

Uma geografia tão mal-afamada quanto mal conhecida !

 

Helio de Araujo Evangelista[1]

 

Resumo

 

Nosso objetivo é o de analisar a geografia tradicional no Brasil. O artigo aponta alguns aspectos da geografia tradicional. Começa com uma maneira um tanto consagrada para então destacar outros aspectos sobre a mesma.

 

Palavras-chave: Geografia tradicional, história do pensamento, Brasil.

 

Abstract

 

Our goal is to argue about traditional geography in Brazil. It shows differents points of views to promote one discussion. This article begins with one way the traditional geography is used to be caractherized Afterwards it introduces another way we can understand the discipline.

 

Keywords: Traditional geography, thinking’s history , Brazil.

 

Introdução

Dando continuidade ao eixo iniciado pela geografia crítica apresentado no número anterior da revista geo-paisagem, segue uma reflexão sobre a geografia tradicional. Porém, sua análise tem como parâmetro a realidade brasileira, embora aspectos aqui destacados possam ser encontrados alhures.

De certo modo, o presente texto é um contraponto ao texto produzido pelo professor Carlos Augusto de Figueiredo Monteiro, a saber, “A geografia no Brasil ( 1934-1977 ): avaliação e tendências” que aqui comento dois aspectos, o primeiro é a consideração de que havia uma geografia oficial, promovida pelo Instituto Brasileiro de Geografia - IBGE, por ser um órgão do governo federal, e o segundo que antes da década de 1930 havia uma geografia abjeta que apresentava raras exceções como as promovidas por Delgado de Carvalho e Everardo Backheuser.

Este dois aspectos decorrem de um certo etnocentrismo do autor, ou seja, ele escreve enquanto paulista entendendo ser a sua geografia, provinda da Universidade de São Paulo, merecedora de uma consideração que a geografia do IBGE não mereceria em igual proporção. O autor, neste caso, desconsidera que a geografia da Universidade de São Paulo - USP está permeada por um projeto de poder, de poder paulista, a começar pela própria origem da referida universidade. Assim, se a geografia do IBGE era oficial, a da USP também o era.

 

Outro aspecto, é a falta de consideração da riqueza que a geografia brasileira tinha mesmo antes das universidades e do IBGE; tal forma de interpretar está relacionada aos próprios limites que o autor se deu para realizar o texto que teve grande repercussão quando apresentado no Encontro Nacional de Geógrafos realizado em Fortaleza ( CE ) no ano de 1978, ou seja, Carlos Monteiro realiza o trabalho tendo por referência anais da Associação de Geógrafos Brasileiros, as publicações do IBGE e da USP, sem se dar o trabalho de procurar dados junto à Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro – SBGRJ ( mais tarde, Sociedade Brasileira de Geografia - SBG ), o Instituto Histórico Geográfico Brasileiro – IHGB e o próprio Serviço Geográfico do Exército . [2] Entendo que a atitude mais adequada seria a de se eximir em relação ao período anterior a 1934, sem ter a preocupação de citar exceções como o faz na página 14 do referido texto editado pela USP na forma de monografia em 1980.

 

Os dois pontos acima referentes ao texto de Carlos Augusto de Figueiredo Monteiro embora polêmicos não são gratuitos. Pela leitura sucessivas de diferentes textos analisados grassa uma maneira de interpretar a geografia tradicional brasileira que tem como base o texto citado. [3]

 

 

Um olhar para São Paulo

 

Durante a pesquisa de textos para a elaboração deste artigo encontrei um trabalho que reputo precioso por força do que quero aqui apresentar, a saber, destaco o trabalho de Perla Brígida Zusman intitulado “Na procura das origens da AGB...” que observa:

 

A revolução de 30 reformula o projeto político nacional. Os novos atores no poder almejam a unidade nacional, desta vez não sob a hegemonia monárquica mas nas mãos de um Estado modernizado, dotado de um aparelho burocrático, intervencionista e hierárquico (DRAIBE, 1985). No entanto, São Paulo dominado pela oligarquia cafeeira não está disposto a submeter seus próprios interesses aos nacionais. A revolução constitucionalista de 1932 ( CAPELATO,1981) e seu fracasso não significam para a elite paulista deixar de lado sua idéia de nortear o desenvolvimento e a política brasileira. E é o setor intelectual desta elite nucleada em torno à família Mesquita e ao jornal “O Estado de São Paulo” que continua a batalha política a partir do campo cultural. A formação de uma elite internalizada nos valores sociais destes grupos era objetivo da primeira universidade, que se organiza neste período, no Brasil ( MICELI, 1979). Dita universidade, faz da área humanística seu eixo e procura tornar esta casa de estudos um centro de excelência acadêmica de nível internacional trazendo para este fim professores diretamente da França (MASSI, 1991). Dentro deste contexto, organiza-se a primeira cadeira de Geografia na Universidade de São Paulo a cargo do Professor P. Deffontaines e também a Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB). ( 2001, pp. 9-10)


No mesmo texto, Perla observa:

 

Agora bem, caberia perguntar-se em que medida poderíamos dizer que a Geografia contribuiu para levar adiante o projeto da elite intelectual de São Paulo. Enquanto este  saber era incluído entre as disciplinas que conformavam o ciclo básico de todos os cursos ministrados na Universidades de São Paulo, outorgava-se lhe um importante papel na formação das novas elites dirigentes. Vejamos então de que maneira a Geografia respondeu às expectativas colocadas neste discurso disciplinar.

 ( sobre a chegada do geógrafo Pierre Deffontaine ( 1894-1978) que passa a dar aula e funda a Associação de Geógrafos Brasileiros sobre o modelo da Association de Geographie Française )

Este geógrafo francês congrega estudiosos de procedências políticas e disciplinares díspares no dia 7 de setembro na sua casa da rua Angélica. Os assistentes a esta reunião foram: o geólogo e professor da Escola Politécnica da USP, Luís Flores de Morais Rego, o historiador Rubens Borba de Morais que a partir de 1935 tornou-se diretor da Biblioteca Municipal, o historiador de orientação marxista descendente de uma família tradicional paulista Caio Prado Jr. ( DUTRA FONSECA, 1991: LIMONGI, 1987), e o medido, Geraldo Horácio Paula Souza, diretor do Instituto de Higiene da Faculdade de Medicina.

A elite paulista sente-se convocada a participar nesta instituição. Assim, entre os sócios da AGB figuram Júlio de Mesquita Filho, o historiador, vinculado à Revolução Constitucionalista de 1932 e diretor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, Alfredo Ellis Júnior e o industrial ligado à Escola Superior de Sociologia Roberto Cochrane Simonsen, entre outros.

Qual poderia ser o interesse destes intelectuais e políticos em organizar uma Associação de Geógrafos?

Segundo os objetivos dos Estatutos de 1938, primeira regulamentação da Sociedade, a AGB estabelecia como seus princípios ... ( pesquisa, divulgação, excursões etc. e alheio a todo conflito social e político)

No entanto, em um artigo publicado no jornal que liderou o projeto de formação da USP, “O Estado de São Paulo”, e cujo diretor, como já dissemos, formava parte da AGB, atribuí-se a esta Associação outros tipos de objetivos, diferenciados daqueles explícitos em seus estatutos. Esta matéria é atribuída a Moraes Rego, sócio-fundador da AGB. Sob o título “A expansão econômica de São Paulo e a Associação dos Geógrafos Brasileiros” Moraes Rego discute as vantagens naturais que o sítio de São Paulo apresenta para contribuir tanto ao desenvolvimento do Estado quanto do país. Este geólogo da USP frisa os progressos econômicos que este Estado tem vivenciado, especialmente nas atividades industriais. Por sua vez, destaca a necessidade de criar mercados para os produtos de São Paulo. Com este propósito outorga importância à extensão de infra-estrutura adequada de comunicação entre São Paulo e os estados vizinhos. Dentro de todo este quadro de transformações e mudanças econômicas que vivencia o Estado, Moraes Rego busca demonstrar a importância das tarefas correspondentes à AGB, redefinindo os objetivos desta instituição geográfica da seguinte maneira:

“A Associação dos Geógrafos Brasileiros, fundada em São Paulo, tem por objetivo geral o desenvolvimento dos estudos geográphicos do paiz, especialmente São Paulo e das regiões adjacentes ( ... ) A Associação, além de ser órgão de desenvolvimento da cultura paulista, desempenhará um papel relevante de caráter prático na evolução moderna da vida econômica do Brasil ( 2001, pp. 15-19)

 

Segundo Perla o artigo de Moraes Rego publicado em 1935 torna mais nítido o vínculo dos objetivos da AGB com o projeto político-econômico do seu Estado. Curiosamente, neste mesmo ano, Pierre Deffontaine se transfere para o Rio de Janeiro. [4]

 

Em outro trabalho, que reputo precioso para os nossos propósitos, é o artigo da historiadora Marieta de Moraes Ferreira intitulado “Diário pessoal, autobiografia e fontes orais: a trajetória de Pierre Deffontaines”.[5] A partir de contato com a família e acesso ao diário do geógrafo Ferreira destaca alguns aspectos de sua trajetória que cabem ser destacados, como os do registro em diário realizado por Mme Deffontaines na França sobre a atividade dos maridos em São Paulo, assim ela assim se expressa :

“Recebo boas notícias de Pierre que compartilhamos, suas conferências são um verdadeiro sucesso, e ele tem uma colaboração muito interessante com seus alunos, orienta-os na direção de vários temas de estudo da geografia humanas e vai com eles aos lugares, faz excursões empolgantes à floresta virgem, às diferentes áreas de culturas japonesas, italianas, com tentativas de cultivo da uva, às grandes fazendas de café, à colheita do palmito, me manda fotos lindíssimas, é um geógrafo feliz mas um papai infeliz... muito tempo demais separado de seus filhinhos. A separação é dura, nos a oferecemos juntos ao Bom Deus reconfortando-nos com boas cartas. Pediram-lhe que traduzisse seu livro sobre “o homem e a floresta” para o português, com fotos do Brasil. Mesquita lhe disse que nenhum professor tinha dado tão certo como ele São Paulo.” (Ferreira, 1999, p. 134 )

Assim, se Pierre Deffontaine estava tão bem instalado em São Paulo, por que pouco depois seguiu caminho para o Rio de Janeiro? Em seu lugar, chegou um outro francês, bem mais jovem, mas que ficou mais de dez anos ( 1935-1946) na Universidade de São Paulo, e tudo indica ter devidamente aspirado o projeto paulista de saber geográfico na universidade, pois toda a sua principal produção da época gira em torno de São Paulo,  refiro-me ao professor Pierre Monbeig ( 1908-1984). [6]

 

A geografia tradicional no Brasil 

 

Das escolas existentes é a que me é mais simpática. Por que ? Falavam de coisas que podemos ver! Tem início, meio e fim. Hoje, parece que estamos destinados a fazer parte de times de futebol, não importa o fato e sim uma versão favorável, favorável ao teu time. O conhecimento é mito.

            Qual a origem da geografia tradicional no Brasil? Pela pergunta não estamos atentos à produção do texto mais antigo utilizando o termo geografia em seu título. Para isto há o ainda insubstituível trabalho de Pereira ( 1994 ) que enumera os mais importantes trabalhos geográficos desde o século XVI . Mas, o que nos importa vem a ser como a Geografia passou a constituir um coletivo, fomentar encontros entre pares, a ter uma produção conseqüente, não dependendo assim da produção estrangeira sobre o Brasil!

Pereira (1994, p. 399 ) chama a atenção para duas entidades ( IHGB e SGRJ ), é a primeira vez que a geografia passa a ter uma produção mais sistematizada ( com uma certa garantia de memória ao que era produzido ) com geração de revistas periódicas regulares  ; ele chama a atenção para o fato do IHGB divulgar importantes documentos e promover iniciativas no campo das realizações geográficas no país; sobre a SGRJ, ele destaca os congressos brasileiros de geografia.

 

Tanto o IHGB, quanto a SBGRJ, ajudam na memória, na conscientização, popularização do conhecimento da geografia.

 

Pereira ( 1994, pp. 400-401 ), no entanto, destaca que havia uma outra linha além da representada pelo IHGB e SGRJ, há a linha da geografia física, na qual as comissões geológicas e geográficas desempenharam decisivo papel, a saber, a Comissão Geológica do Império de 1875 ( fechada em 1876 ) , a Escola de Minas de Ouro Preto ( fundada em 1876 ), a  Comissão Geográfica e Geológica de São Paulo ( fundada em 1866 ), a  Comissão Geográfica e Geológica de Minas Gerais ( fundada em 1892 ), o Serviço Geológico e Mineralógico ( fundado em 1907 ) e cuja orientação pós-1915 é nitidamente voltada para a economia, além do próprio Museu Nacional do Rio de Janeiro, o Museu Goeldi ou Paraense ...; nesta geografia física ficava registrada uma preocupação maior da geografia enquanto recurso, assim como uma preocupação com mapas, cartas, [7] etc.

 

Mais tarde, de certo modo, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, uniu os dois lados, tanto o aspecto indagativo ( reflexivo, inculcador de percepções dadas sobre o país ( e/ou lugares brasileiros  ), assim como o caráter censitário, pautado em observações sobre recursos naturais.

 

Outro momento da geografia brasileira foi dado pelo Serviço Geográfico do Exército que teve a incumbência num período semelhante ao do IBGE, a saber, mapear o país, talvez porque tivesse mais estrutura para este tipo de serviço.[8]

 

Assim, a geografia dos sécs. XIX e XX surgiu como que a reboque das preocupações com a geologia e cartografia da época.

 

 “...O verdadeiro desenvolvimento dos estudos e pesquisas geográfico-científicos continuava a ficar na dependência do avanço, no país, das investigações realizadas no campo das ciências afins. E todo o período, desde a criação da Comissão Geológica do Império ( 1875 ) até a instituição do Conselho Nacional de Geografia ( 1937 ), foi, de fato, um período de construção e montagem de peças que viriam compor a complexa engrenagem, transmissora de movimentos e força à moderna pesquisa geográfica.” ( Pereira, 1994, p. 415 )

Pereira ( 1994, pp. 418-419 ) destaca ainda o general Cândido Mariano da Silva Rondon cujo trabalho possibilitou o reconhecimento de 200.000 km2 em favor do Brasil. [9]

 

Assim, nos parece que há uma fase da geografia brasileira que tem uma imediata relação com o reconhecimento do território e o de representá-lo, o que, de certo modo, isto ainda se faz até os dias de hoje.[10]

 

Sobre Delgado de Carvalho, Pereira observa:

 

“...Até os dias atuais, esse pequeno trabalho geográfico de Delgado de Carvalho constitui o texto de ensino melhor urdido e escrito para os estudantes brasileiros. No período de 1900 a 1930, o único livro didático que com ele se pôde comparar, pelo método, apresentação e segurança na matéria, foi a Geologia elementar, de Branner, compêndio que, ainda hoje, constitui uma sólida base para quantos queiram iniciar-se nos estudos de geografia física, particularmente no Brasil.” ( Pereira, 1994, p. 426 ; neste trecho ele continua abordando a sala de aula, na qual pouco se usava mapas, nem métodos,  até a influência de Carlos Delgado de Carvalho )

 

Em mesa redonda promovida pelo XII Encontro Nacional de Geógrafos em Florianópolis, 19/7/2000, transcrita pela revista Terra Brasilis, [11] temos uma série de extratos que cabem aqui ser realçados.

Sérgio Nunes Pereira: observa “... os geógrafos chegaram a desfrutar de um certo prestígio social e institucional, pelo menos enquanto foi forte, nos meios oficiais, a retórica de valorização do território nacional. Quando os rumos do debate sobre o desenvolvimento do país começaram a apontar para outras direções, colocando novas questões em pauta e demandando outros profissionais para solucioná-las, nossa disciplinar mergulhou num profundo e prolongado ostracismo.” ( p. 114 )

Antonio Carlos Robert Moraes -  “...Em primeiro lugar, cabe salientar a centralidade da geografia, enquanto prática material, na vida social das formações coloniais. A conquista espacial emerge aí como determinação fundante dessas sociedades, como pecado original das colônias, na medida em que a expansão territorial e o domínio de espaços inscrevem-se como móveis básicos de estruturação de sua vida social.” ( p. 132 )

 “Em termos institucionais, a discussão dos temas e das teorias geográficas pode ser encontrada tanto nas faculdades de direito, quanto nas de medicina e de engenharia, e também nos colégios e demais órgãos ligados ao ensino, e ainda em comissões e repartições públicas destinadas a serviços referidos ao território. Assim, os institutos geográficos não monopolizam a prática desse saber, apesar de constituírem os embriões da institucionalização do campo disciplinar, servindo de ponto de convergência para a comunidade dispersa e não-especializada dos pioneiros “geógrafos” do país. Tanto que o século XX vai assistir a gradativa constituição de uma efetiva estrutura de geração e divulgação do conhecimento geográfico, que tem seu marco de consolidação na década de 1930, com a institucionalização pleno do campo em tela por meio da criação de órgãos específicos dedicados ao ensino e pesquisa de geografia.

É interessante assinalar que, contrastando com esse quadro de dispersão no século XIX, tem-se o discurso geográfico como uma ideologia eficaz no contexto periférico, gerando  argumentos de base naturalizante bastante úteis numa situação de identidade histórica problemática como era o caso brasileiro. Com a emancipação política em 1822 era necessário consolidar o novo Estado nacional, numa situação onde quase metade da população era constituída de escravos. [12]Na dificuldade de identificar-se numa nação, o Estado brasileiro vai tomar o território como centro de referência da unidade nacional, tomando o seu povoamento como a tarefa básica a ser realizada no processo de construção do país. Tal concepção espacialista enraíza-se na cultura política do Brasil estimulando argumentações de forte conteúdo geográfico que adentram pelo século XX, fundamentando algumas das principais interpretações do país nas primeiras décadas republicanas.

A partir da década de 1930, com a institucionalização do campo disciplinar ( com a fundação dos cursos universitários da disciplina, do Conselho Nacional de Geografia, do IBGE, e da AGB ), fica mais fácil delimitar as fontes para a história da geografia no Brasil, o que não significa que a formulação de ideologias geográficas passe a ficar circunscrita a essas instituições especializadas... ”.( pp. 133-135 )

        Demétrio Magnoli, por sua vez, destaca que desta geografia antiga, como aqui tratamos como geografia tradicional, reserva uma boa base na próprio conformação do estado brasileiro, como abaixo é realçado em sua obra, intitulada -  O corpo da pátria, imaginação geográfica e política externa no Brasil ( 1808 – 1912 ) .

 “A geografia desempenhou papéis decisivos na produção histórica do território, funcionando como instrumento privilegiado na construção da legitimidade do Estado nacional. Entretanto, e de forma aparentemente surpreendente, tanto a literatura sobre a formação do Estado-Nação como aquela que concerne à própria geografia virtualmente ignoram essa relação. Curiosamente, a própria revisão crítica da história do pensamento geográfico freqüentemente apontou no Estado nacional uma condição (p.31 ) para a sistematização da geografia, sem suspeitar que, talvez, o mais significativo seja o inverso: a geografia como condição para o enraizamento social e histórico do Estado nacional”. [13]

Esta observação de Demétrio Magnoli é fundamental para destacarmos que a chamada geografia tradicional nada tem de inócua. Em nosso trabalho sobre Duarte da Ponte Ribeiro, encontrado em www.feth.ggf.br/Duarte.htm , podemos aferir a importância da geografia na configuração de uma escola na área diplomática brasileira e que o Barão do Rio Branco é o seu principal representante.

 

Sobre esta questão do estado brasileiro, ainda, cabe um destaque ao trabalho de Eli Alves Penha, intitulado - A criação do IBGE no Contexto da Centralização Política do Estado Novo.[14]

 

            Para Eli Penha, o IBGE foi  criado durante o Estado Novo, regime autoritário, o IBGE, como bem descreve Eli Alves Penha, foi um órgão sui generis , por ter-se originado de um convênio entre os municípios, estados e o governo central. E foi regido, democraticamente, por assembléias representativas destas diversas esferas do poder. ...( 1993, p. 14 ) [15]

            Como a história bem o demonstra, a ação estatal no conjunto das transformações econômico-sociais durante o período do Estado Novo implicou uma crescente descentralização do poder político em torno do Estado. Este processo de centralização, imbricado a uma política de integração nacional, resultou na montagem de mecanismos destinados ao controle sobre as esferas estratégicas da economia e, ao mesmo tempo, na necessidade de promover  rapidamente uma unificação político-administrativa, através dos mecanismos atuantes na relação do poder central e estados.

            Ao processo de centralização somava-se a defesa da racionalidade administrativa. As decisões políticas deveriam ser substituídas por soluções técnicas e fórmulas científicas. Algumas medidas tomadas refletiam essa “nova”concepção da administração pública: controle de câmbio; legislação trabalhista; queda das barreiras alfandegárias interestaduais; nacionalização das reservas minerais. Ao mesmo tempo criavam-se o Instituto do Açúcar e do Álcool – IAA, Instituto Brasileiro do Café – IBC ; Instituto do Mate, do Cacau, do Pinho, o Departamento Administrativo do Serviço Público – DASP ; entre outros.

 

            Esta racionalidade administrativa, por sua vez, repercutiu na necessidade de um novo ordenamento territorial, pois os obstáculos que se interpunham à consecução das políticas governamentais tinham uma dimensão espacial bastante significativa. Neste aspecto, o território brasileiro, imenso, caracterizado por enorme descontinuidade, dificuldade de comunicação interna, clivagens regionais, poderes locais bastante consolidados, atribuía ao Estado um importante trabalho de remoção destes obstáculos. Daí, atividades como a campanha de interiorização do País, através da “Marcha Para o Oeste”, projetos de colonização interna, criação de infra-estrutura de comunicação e, nos aspectos político-administrativos, a diminuição dos poderes estaduais e locais que caminhassem em sentido contrário a estes objetivos. ( ibidem, p. 18 )

 

            A criação do IBGE em 1938 refletiu, de forma significativa, o papel que os levantamentos estatísticos e a pesquisa geográfica poderiam desempenhar no tocante à administração do imenso território  brasileiro, em via de integração sócio-espacial.

 

            Suas atribuições principais consistiam em realizar levantamentos e sistematizar informações do quadro territorial em todos os seus aspectos: físico, econômico, jurídico, político e populacional; realizar trabalhos cartográficos em variadas escalas; divulgar a cultura geográfica brasileira e promover a reorganização do quadro das unidades político-administrativas tal como a definição de limites, racionalizar a toponímia dos municípios e distritos e estabelecer uma nova divisão territorial. A não resolução destas questões poderia comprometer vários aspectos da administração pública em geral, principalmente aquelas relativas à divisão de tributos e verbas orçamentárias, regularização de terras rurais e urbanas, centros e pleitos eleitorais e conflitos recorrentes em torno da repartição do poder local e estadual e entre as elites rurais e  urbanas.

 

            Concebido como importante instrumental técnico-científico de administração do território, a atuação do IBGE foi orientada, assim, a partir de dois vetores: enquanto suporte de funcionamento da máquina estatal no tocante à implementação de políticas públicas e enquanto núcleo administrativo central responsável pelas formulações e execução de políticas territoriais. ( ibidem, p. 19 )

 

Em seguida, Eli Penha indaga se a concepção marco de referência atribuída ao IBGE não estaria, então, relacionada a uma postura ideológica de se contrapor à descentralização político-administrativa existente no regime federalista da primeira República ?

 

            Esta questão é pertinente, pois nos remete ao contexto específico dos anos 30, quando a repercussão da crise de 29 introduziu uma nova concepção de organização política da sociedade, ou seja, a de um Estado mais racional, moderno e centralizador. Dentro deste contexto o tema do Estado é bastante central: as políticas adotadas, visando à superação da crise, implicaram uma crescente participação do Estado na formulação de políticas econômicas e no seu planejamento. ( ibidem, p. 42 )

 

            Assim, podemos concluir, que a geografia tradicional, no caso brasileiro ao menos, está relacionada a uma exigência por terra. Serve para conhecer a terra e dominá-la. A geografia, no caso brasileiro, funda o Estado.

A geografia tradicional, porém moderna !

Em outro trabalho, intitulado - O estudo geográfico da cidade no Brasil: evolução e avaliação. Contribuição à História do Pensamento Geográfico Brasileiro - de Maurício de Almeida Abreu [16] percebemos que é comum entender que o ano de 1934, no qual ocorreu a criação da USP, significou a fundação da Geografia Moderna Brasileira, que se oporia à geografia descritiva e enciclopédica, mas esta ainda estaria afeita à compreensão do único, do singular ( procurando-se esgotar todas as vias para se compreender dado local ( evitava-se a busca do geral e do constante  ), com a plena ascendência dos mestres franceses convidados pelo governo estadual paulista . Embora não se possa desconhecer a contribuição de Carlos Delgado de Carvalho que já atuava desde 1910, antenado à  escola francesa. ( p. 24 )

            Para Maurício ... “Não seria exagero afirmar que foi no trabalho “no campo” – e não nas faculdades – que a primeira geração de geógrafos obteve, verdadeiramente, a sua formação.”( p. 25 ) [17]

 

            Em 1940, ocorreu o IX Congresso Brasileiro de Geografia, reunido em Florianópolis, sob o patrocínio da Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro e do recém-criado Conselho Nacional de Geografia. Ficando mais notória a constituição de um coletivo de geógrafos que fundariam um caráter moderno à geografia brasileira. ( p. 26 ) [18]

 

Assim, na nossa avaliação, poderíamos acrescentar que neste encontro se deu a passagem entre a herança do Império brasileiro, representada pela Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro ( que adotaria o nome de Sociedade Brasileira de Geografia ), e o Conselho Nacional de Geografia, herança do Estado Novo que traria decisivas contribuições à geografia brasileira até meados da década de 70.

 

Mas, o que há de comum nesta passagem de mando na geografia brasileira é que decorre de projeção do poder nacional procurando conhecer e melhor manipular a territorialidade brasileira.

 

Voltando à análise de Maurício de Abreu, temos em São Paulo, a fase heróica, na qual a AGB criada por Pierre Deffontaine reunia 4 a 5 pessoas em algumas vezes, depois do Pierre a AGB passou a contar com Pierre Monbeig [19], em contraponto,  no RJ, o Conselho Nacional de Geografia ( 1937 ) passou a promover encontros e dar estágio a alunos da Universidade do Distrito Federal ( que em 1939 passou a ter o nome de Universidade do Brasil ) ( p. 31 )

 

Em 1945, segundo Maurício de Abreu, ainda ocorreu a primeira mudança no estatuto da AGB, por ela foi possível surgir secções regionais ( a de SP e do RJ ), em seguida temos a de Lorena em 1946, até chegar Vitória em 1969. Neste período, as Assembléias Gerais da AGB eram anuais, tendo comunicações, troca de experiência, mas principalmente trabalho de campo. ( p. 32 )

 

Para Maurício de Abreu a realização do XVIII Congresso Internacional de Geografia  representou um marco divisório na história do pensamento geográfico brasileiro, pois promoveu mudanças de temas, enfoques, modo de organizar os encontros. ( p. 38 ) [20]

 

Mas a capilarização da geografia ocorreu na implantação enquanto disciplina de curso de nível universitário, na década de 30, e até meados da década de 60, a Geografia Brasileira foi essencialmente uma disciplina voltada para a chamada “escola francesa”. Foi da França que vieram os seus primeiros mestres; foi com esse país que o intercâmbio científico foi mais intenso; foram autores franceses os que mais influenciaram a geração de geógrafos aqui formada nesse período. ( p. 43 )

 

Em 1970, ocorreu uma outra alteração nos estatutos da AGB, pela qual foi extinta a prática do trabalho de campo durante as reuniões, assim, em 1972, os congressistas reunidos em Presidente Prudente para o I Encontro Nacional de Geógrafos, já não realizaram as pesquisas de campo que correspondiam a verdadeiros trabalhos de comandos subdivididos com tarefas e temas distintos, e com a incumbência de apresentar na própria Assembléia um relatório preliminar. Cabe ainda destacar que até 1970 temos as Assembléias da AGB, mas a partir de 1972 em diante temos Encontro Nacional de Geógrafos ( p. 34-35 ) [21]

 

            Neste período, na segunda metade da década de 60, entretanto, a situação começou a mostrar sinais de mudança. É a partir daí que a chamada “revolução quantitativa” – que vinha ocorrendo nos EUA e no Reino Unido há cerca de dez anos – chegou ao Brasil, no bojo do processo de intensificação das atividades de planejamento territorial promovido pelo governo militar de então.

 

Para Nilo Bernardes [22], por sua vez, que frisa a importância das universidades paulista e carioca na década de 30 na configuração de uma geografia científica, destaca, no entanto, somente na segunda metade da década de 40 ocorreu um desabrochamento a ponto de atingir outros centros culturais do País, a começar por Recife e Salvador. Isso se deve ao fato de que logo no após-guerra consolidou-se o primeiro núcleo governamental de pesquisas geográficas permanentes no antigo Conselho Nacional de Geografia (CNG), fundado em 1937 e incorporado ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ao mesmo tempo em que se verificou um processo de “maturação” e consolidação de um núcleo de pesquisa na Universidade de São Paulo. Diga-se, de passagem, que o motivo inicial da criação do CNG foi a necessidade de se constituir um órgão pelo qual se fizesse adesão do Brasil à União Geográfica Internacional (UGI). A implantação e a difusão, mais ou menos rápida, da pesquisa geográfica no Brasil se deve creditar, também, e de modo muito especial, à Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB) criada em São Paulo em 1934 mas que somente em 1945 foi reestruturada em caráter nacional reunindo os dois grupos, do Rio e de São Paulo.[23] ( 1982, pp. 519-520 ).

 

Para Nilo Bernardes, o sucesso inicial dos cursos universitários de Geografia, a fundação e a reforma da AGB, a adesão do Brasil à UGI, a inspiração para a criação de um núcleo permanente de pesquisas no CNG, a expansão das atividades desses órgãos, enfim, o estimularam que as primeiras gerações de estudantes optassem também por seguir uma carreira profissional em Geografia; tudo isso se deve ao papel desempenhado por alguns mestres europeus aos quais algumas gerações de geógrafos brasileiros devem imensamente.( p. 520 )

 

            Nilo Bernardes destaca a importância de Carlos Delgado de Carvalho ( 1884-1980 ), neste processo embrionário, assim como Pierre Deffontaine ( 1894-1978 ) que chegou ao Brasil um ano depois da visita ao Brasil do então presidente da União Geográfica Internacional Emmanuel de Martonne em 1933.[24] ( pp. 520-521 )

 

Outro geógrafo importante como o Pierre Monbeig foi o Francis Ruellan ( 1894-1975 ) que ficou entre 1940 até 1956 no Brasil, sendo então responsável pela segunda geração de geógrafos no RJ.  Cabe lembrar que nesta época, o Brasil mal tinha 500 quilômetros de estrada asfaltada e os trabalhos de campos realizados compreendiam várias etapas difíceis, porém, ... “o conhecimento empírico sobre o Brasil, do Paraná a Roraima, em companhia de Ruellan, foi fundamental para um amplo e rápido desenvolvimento profissional do grupo de geógrafos do Rio de Janeiro.” ( Bernardes, ibidem, p. 522-523 )

 

            Outro estrangeiro ( alemão ) de notável importância foi Leo Heinrich Waibel ( 1888-1951 ), que esteve no Brasil, durante o final da década de 40 ( 1946-1950 ). Waibel foi contratado pelo Conselho Nacional de Geografia como Assistente Técnico, tal como ocorreu com Ruellan.[25] O geógrafo alemão propiciou aos brasileiros uma larga cultura tendo em conta que ele tinha estado na África e na América Central anteriormente. ( ibidem, p. 523-524 ) [26]

 

            Foi uma época prodigiosa, particularmente para o IBGE que elaborava uma série de estudos regionais para efeito de sistematização dos dados censitários e de planejamento regional ( ibidem, 524-525 ) [27]

 

            Dentre deste espectro de renovação da geografia brasileira, renovação esta vincada do que posteriormente veio a ser chamada de geografia tradicional, cabe a iniciativa do IBGE, com o apoio do governo federal em realizar o XVIII Congresso Internacional de Geografia, realizado no Rio de Janeiro, em 1956, o que muito marcou a evolução da Geografia brasileira. Aliás, na própria seqüência dos Congressos Internacionais de Geografia, ele marca o fim de uma fase clássica: a estrutura e a organização dos futuros Congressos passariam a ser mais complexas e a emergência de novos temas daí por diante significaria grandes mudanças no campo da pesquisa, atingindo o próprio paradigma da Geografia.

            Para os brasileiros, segundo Bernardes, o Congresso significou diretamente, entre outras coisas o seguinte: 1 ) provocou um balança no conhecimento já acumulado sobre o território e, até mesmo, provocou um avanço nesse conhecimento, consubstanciado na série de nove livros-guias abrangendo todas as macrorregiões do País; 2 ) pela primeira vez, estabeleceu-se uma efetiva e intensa cooperação entre geógrafos dos centros de pesquisa já existentes para a consecução de objetivos comuns; 3 ) ocorreu a circunstância de que pela primeira vez, geógrafos do terceiro mundo tinham um contato em larga escala com seus colegas mais experientes do hemisfério norte, sendo que para os estudiosos brasileiros, fora dos dois grandes centros, este contato foi particularmente proveitoso e acelerou a difusão espacial da Geografia científica ; 4 ) teve-se consciência de que a pesquisa e o desenvolvimento do campo profissional entre nós já haviam atingido um razoável nível, embora ainda limitado a uns poucos centros; 5 ) provocou uma aferição dos rumos metodológicos da pesquisa e dos temas preferenciais, rompendo enfoques tradicionais.

            Bernardes analisando a geografia brasileira observa diferentes fases.

            O forte predomínio da influência do pensamento da escola francesa lablachiana ( a partir de 1934 ) marcara a primeira fase do desenvolvimento da Geografia brasileira, depois dos trabalhos precursores de Delgado de Carvalho. Com os trabalhos de Preston James,  mas sobretudo os de Waibel, mais preocupados com a abordagem tópica ( sobretudo problemas da utilização da terra ) e a ênfase econômica, verifica-se  uma segunda fase ( 1946-1956 ), sem ter ocorrido, porém, uma eliminação da influência anterior na produção de muitos geógrafos. Esta nova influência resultou de um primeiro contato direto de um pequeno grupo de geógrafos brasileiros que, em meados da década de 1940, estudaram em universidades norte-americanas. ( Bernardes, ibidem, pp. 525-526 )

            O Congresso Internacional no Rio de Janeiro, por sua vez, pode ser considerado como o evento inicial de um terceira fase, com a difusão de novos métodos e novos temas, em Geografia Física (Tricart), Geografia Urbana (Rochefort) e Regionalização. Aumentou também a influência do pensamento da Geografia Social francesa de Pierre George. Esta fase se consubstanciou melhor na década de 1960, marcada pelo desenvolvimento da Geografia Tópica e pela difusão da nova teoria regional, embora com dez anos de atraso em relação a sua reformulação. Ela culminou com os primeiros estudos de regiões polarizadas e outra sobre regiões homogêneas ( Microrregiões Homogêneas ) do Brasil, realizados no IBGE.

 

 Na década de 60 ocorreu uma busca de interdisciplinaridade a nível técnico; na década de 70 ocorreu uma abertura interdisciplinar ampla no sentido de conhecer e adotar os progressos de interpretação alcançados pelas demais ciências sociais.

 

Uma quarta fase ocorreu nitidamente ao longo da década de 1970 com a propagação dos métodos quantitativos e a preocupação por teorias e modelos. Ela resultou de uma segunda aproximação com a Geografia de alguns centros norte-americanos e foi inicialmente inspirada em Brian Berry (em 1968 ) e, muito influenciada por John Cole.

               Cabe aqui lembrar a observação de Maurício de Abreu, em texto já comentado, que este período de sucessão de movimentos de renovação pela qual passou o pensamento geográfico brasileiro, a partir do final da década de 60, resultou, infelizmente, no aparecimento de uma seqüência de posturas niilistas em relação à produção da Geografia Tradicional, que pretenderam reduzir a zero todo um esforço intelectual de mais de 40 anos, como se fosse possível avançar em Ciência a partir do vácuo, isto é da ausência de uma base anterior. Tais posturas, embora minoritárias, acabaram produzindo entretanto um efeito-demonstração considerável, levando ao ostracismo, por algum tempo, todo um esforço realizado por gerações mais velhas de profissionais da Geografia do Brasil. ( Abreu, 1994, pp. 42-44 )

            Finalmente, a presente década, a de oitenta (justamente quando Bernardes escreveu o trabalho )  representa uma quinta fase, com o advento da Geografia radical, ao surgir uma corrente com esta tendência no seio da Associação dos Geógrafos Brasileiros, a partir do 3º Encontro Nacional de Geógrafos realizado em Fortaleza ( 1978 ). A aplicação do marxismo na explanação geográfica foi, inicialmente, resultado de uma reação de alguns ao quantitativismo e a um corpo teórico desenvolvido no contexto da realidade do hemisfério norte. Mas é inegável que este movimento veio se coadunar com forte orientação de grupos de especialistas das demais Ciências Sociais, as quais não passaram pelo quantitativismo em forma análoga à Geografia. Cabe lembrar, contudo que, como as demais correntes do pensamento geográfico que marcaram as fases anteriores, esta também é bastante realimentada pela atuação de grupos acadêmicos do hemisfério norte.[28]

 

            Um outro geógrafo brasileiro com alentada produção sobre a geografia brasileira é Manuel Correia de Andrade. Nos pautaremos principalmente a seguir pelo artigo “A construção da geografia brasileira” publicado na Revista RA’EGA , em 1999 pela editora da UFPR.[29]

 

O artigo mostra que à medida que crescia a conquista de território ia se consolidando uma literatura sobre o Brasil; além destes trabalhos explanativos do que o país dispunha, veio uma série de estudos interpretando aspectos do Brasil tais como os de Caio Prado Júnior, Oliveira Vianna, Manuel Bonfim e outros. No entanto, a geração de um coletivo detidamente identificado com a geografia científica veio a ser formada paulatinamente ao longo das primeiras décadas  do século XX.. Mas eram contribuições esparsas que envolviam Raimundo Lopes, Agamenon Magalhães, Everardo Backauser; mas coube a Delgado de Carvalho, a partir de seu livro O Brasil meridional ( 1910 ) a definição de uma preocupação mais sistemática com ensino e metodologia de pesquisa em geografia.

 

O fundamental foi o surgimento de uma geografia hoje chamada clássica, tradicional, mas que na época, dec. de 40 era considerada científica; esta decorreu de uma necessidade de conhecimento e mapeamento do território brasileiro combinado à ação dos estrangeiros ( Pierre Deffontaines, Pierre Monbeige, Francis Ruellan, Leo Waibel ) que suscitou  aí uma geração de brasileiros: Orlando Valverde, Aziz Ab Saber, Pedro Geiger, Pasquale Petrone, Nilo e Lysia Bernardes, etc. Em seguida, a partir de 1964, surgia a geografia teorética, com influência da UNESP, campus de Rio Claro, e na UFRJ os geógrafos passaram a criticar os franceses e valorizarem os anglo-americanos. Desta geração, sobressairam Antônio Christofoletti, Alexandre Filizola Diniz, Pedro Geiger, Speridião Faissol, entre outros.

 

Pedro Pinchas Geiger em “Industrialização e urbanização no Brasil, conhecimento e atuação da geografia”, artigo publicado na Revista Brasileira de Geografia, RJ, vol. 50, n. especial, tomo 2: 59-84, 1988, observa que o Estado precisava de pessoas que operassem de forma mais ampla e rotineira as atividades estatísticas, cartográficas e geográficas. ( p. 61 ) De Martonne, presidente da UGI, solicitou que o Brasil entrasse nesta, e o Conselho Nacional de Geografia serviu de instrumento a esta adesão. (p. 62) [30]

Nas fases iniciais do IBGE, a alta cúpula dirigente da entidade era ligada às instituições geográficas mais tradicionais, mas não tinha grande conhecimento técnico.“...No entanto, é interessante notar que, mesmo tendo nascido na ditadura, a estrutura organizacional do IBGE previa amplas participações: considerado órgão sui generis , o IBGE foi fundado em cima de um convênio reunindo Governos Federal, Estadual e Municipal; CNG e Conselho Nacional de Estatística - CNE compreendiam corpos deliberativos, os diretórios centrais, formados com representantes de Ministérios; havia diretórios regionais, para os estados; e assembléias regulares que propunham e votavam resoluções. A grande massa envolvida na condução do CNG não era de geógrafos.

            É nesse contexto que a cúpula do IBGE tornou, no seu início, um centro de debates sobre os temas gerais da gestão do território, com verdadeira participação interdisciplinar. As tertúlias regulares recebiam pessoas que hoje seriam designadas de cientistas políticos, inclusive altas figuras da República, como o Ministro João Alberto, ou o Coronel Lysias Rodrigues, tratando de assuntos que se classificariam de geopolítica ou planejamento ...( p. 64) [31]

 

            Porém, nesta época, surgiu um novo marco institucional, a Fundação Getúlio Vargas e se acelerou a ascensão dos economistas como assessores do poder. A posição privilegiada do IBGE seria perdida e foi transferido para o Ministério do Interior. (ibidem, p. 64)

 

Cabe observar, segundo Geiger, que antigamente no IBGE a Seção de Estudos era a própria Geografia, mais tarde esta seção passou a ser caracterizada como Departamento de Geografia. ( p. 74 ) Para Geiger, com os militares, os economistas assumiram de vez o domínio do sistema de planejamento do país e sob orientação dos economistas, o IBGE não se restringe mais ao setor de estatística, cartografia e geografia, tornou-se um órgão interdisciplinar com economistas, sociólogos, antropólogos, demógrafos e, naturalmente, analistas de sistemas. ( p. 64-65 ) Neste novo quadro político institucional, o IBGE passou a colaborar com os economistas, que por sua vez desenvolviam os métodos da econometria. O IBGE devia fornecer mais rápido estatísticas mais precisas, mais sofisticadas, bem como os mapas dos caminhos do funcionamento dos sistemas. ( p. 77) Foi através desta ligação com o planejamento que se desenvolveu a Geografia Quantitativa do IBGE, sendo a outra porta de entrada no país, o Departamento de Geografia da USP, em Rio Claro. Uma vez no México, Pedro Pinchas Geiger apresentou um trabalho no Congresso Regional da UGI  e foi procurado por John Cole, e segundo Geiger foi este que trouxe a Quantitativa ao Brasil ( a partir de um contato com o IBGE).( p. 77 ) [32]

 

            Para Geiger, desde o início de sua fundação, o IBGE tomou o lugar do grande centro acadêmico, de pesquisa e de editoração, valendo-se das relações com os grandes centros internacionais, razão da origem do CNG, e dos recursos federais. A Revista Brasileira de Geografia, iniciada em 1939, liderou as publicações nacionais do gênero. Deste modo, o IBGE substituiu a falta de maior atividade científica das Faculdades de Filosofia. ( p. 65-66 ) Ele enviava funcionários para se aperfeiçoarem no exterior e desenvolvia também atividades didáticas, reciclando professores universitários nos Cursos para Professores, criando uma Escola de Estatística e promovendo cursos de Cartografia. O IBGE promoveu a vinda de geógrafos notórios do exterior, como Leo Waibel, Pierre George, sendo que em 1956 sustentou a realização do Congresso Internacional de Geografia da UGI no Rio de Janeiro. No mundo inteiro, era considerado como algo de extraordinário, avançando no tempo, um Instituto de pesquisas e de formulação de estratégias espaciais e ecológicas.

 

            Até os anos 70, o IBGE foi o principal centro de adoção e difusão de todas as novas idéias e métodos surgidos na Geografia mundial. Foi a porta de entrada de corrente da Geografia Sistemática, como a de Waibel, ou P. George; da Geomorfologia Bioclimática de Tricart ou da Geografia Quantitativa de Cole. Compensava, deste modo, a perda da posição relativa que tivera junto ao poder.

 

            No entanto, entre as diretrizes do governo militar, constava a de ampliar o papel da universidade como centro de pesquisas e de pós-graduação. No campo geográfico, surgiram vários destes centros, que passaram a promover maior produção e editoração de estudos e intensificar relações diretas com o exterior. Paralelamente, atendendo a outra diretriz, a de minimizar superposições, a Geografia do IBGE perderam sua posição relativa de centro do sistema de atividades acadêmicas.

 

            Porém, durante o regime militar, a manifestação política atingiu as organizações e promoveu-se uma grande batalha contra o IBGE, tido como introdutor dos métodos quantitativos e sua identificação com posturas autoritárias do regime. Aliaram-se a este movimento os que não perdoavam a invasão do IBGE em searas eminentemente acadêmicas com inovações.( p. 67 ) [33]

 

Assim, enquanto crescia a universidade, o quadro de geógrafos do IBGE praticamente estagnara e perdera posição hierárquica no organograma institucional, mas a mesma fonte de recursos que sustentava o IBGE promovia a universidade ... é de se perguntar se razões de competição corporativa, inconscientes certamente, não se encontravam embutidas na verdadeira guerra movida durante algum tempo na arena da AGB. Não seria este o motivo de se querer distinguir como professores os da universidade,  e como tecnocratas os geógrafos do IBGE ? (ibidem, p. 68) [34]

 

Enquanto isto, para Pedro Geiger, não soube a AGB criar infra-estrutura administrativa profissional, nem manter capacidade editorial compatível com a sua dimensão, à exceção da seção local de São Paulo. Ousa-se pouco criticar esta situação, mas as citações de trabalhos apresentados nas Assembléias, e são muitos de qualidade, diminuem cada vez mais.

 

            Com a Nova República, em meados da década de 80, segundo Geiger, abriu-se a atividade partidária, arrefeceu a atividade política explícita em organizações de caráter científico, como no caso da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência - SBPC. No entanto, a questão da AGB, hoje, não reside em manifestações políticas, mas que, em vez de ter direções comprometidas com postura pública apartidária, que democraticamente executasse resoluções surgidas e aprovadas a partir da Assembléia, estas direções, ultimamente, tornam públicas as suas posições partidárias, se envolvem na condução de determinadas resoluções, na boa tradição populista. Deste modo, perde o caráter de entidade científica engajada, para procurar parecer uma entidade política com atividades científicas. ( ibidem, p. 68)

 

            Numa avaliação preliminar, o IBGE é o grande divisor de águas neste país. Seja substituindo / absorvendo as antigas atividades da Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro, seja incorporando / legitimando a utilização da escola francesa e até rompendo com ela ao adotar uma visão mais economicista ( seria uma espécie de transição ) com Leo Waibel e até mesmo a geografia crítica teria uma ascensão numa luta de cunho corporativo entre os membros das universidades com os do IBGE. E esta ascendência do IBGE decorreu do fato do mesmo expressar, durante um período, a elaboração de um projeto nacional.

 

O que postula a geografia tradicional ?

 

            De início, uma dúvida, será que a geografia tradicional postula alguma coisa, ou fizeram-nos acreditar que ela propunha algo?

 

            Acredito que o que gera a geografia tradicional é a geografia quantitativa que no seu afã em reduzir tudo o que havia até então, compungindo a todos que ela seria melhor e como comparação elabora a mais violenta redução do que seria a geografia até então praticada, para então todos pensarem: oh, a que chegou é a melhor! [35]

 

            Enfim, o drama da chamada geografia tradicional foi o de se considerar todo uma produção diversificada, plural, afeita a tantos enfoques e temas, como pertencente a uma coisa só, a uma matriz só. E, ainda, como a idéia de tradicional desperta uma certa, diríamos, repulsa, particularmente entre os mais jovens, a produção que tinha seu slogan passou a ser soberanamente desvalorizada.

 

            No entanto, há alguns aspectos que poderíamos considerar como próprios da chamada geografia tradicional e não de qualquer outra escola que tenha se intitulado enquanto tal.

 

            Uma grande marca da chamada geografia tradicional é a deferência e a importância destacada em favor do trabalho de campo. Daí porque a minha simpatia pela assim considerada escola tradicional. [36]

 

            Porém, pesa sobre a geografia tradicional a má fama de ser descritiva.

 

            Ledo engano!!!

 

            Ué, não era descritiva? Não! Ela era tudo! Era descritiva, mas também teórica.

 

            Quem já teve a oportunidade de ter acesso à obra de Friedrich Ratzel escrita em italiano, refiro-me a Geografia dell’uomo, é testemunha do quanto a teoria envolvendo a importância do meio ambiente está lá desenvolvida, e os autores que utiliza são referências de outras áreas que não da geografia.

 

            Quando, por exemplo, nos aproximamo-nos da polêmica entre Emille Durkeim e Vidal de La Blache quanto a importância da consideração do meio geográfico para se compreender o fato social percebe-se estar diante de um polêmica que trás profundas conseqüências na própria concepção da sociologia.

 

            Richard Hartshorne, por sua vez, notório historiador do pensamento geográfico, destaca o quanto foi importante Immanuel Kant, um professor de geografia, além de filosofia, na própria produção geográfica.

 

            A rigor, entendo que a penetração da filosofia na geografia depende da estatura intelectual daquele que a realiza, mas também das circunstâncias que norteiam a sua produção.

 

            A geografia trata do espaço, o que significa dizer que sua produção está irremediavelmente vinculada a um projeto de poder. Espaço é poder, o seu conhecimento, a sua representação, a sua gestão, necessariamente, de forma bem imediata, amarra, ou desfaz, relações de domínio. E este caráter imediatista, utilitarista, da geografia, sempre a fez, de um lado, cultuada, e, de outro lado, escondida. A geografia é para poucos, o seu exercer !

 

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ENTREVISTAS úteis para o tema em tela

Prof. Aziz Ab’Saber publicada na revista GEO-SUL, Revista do Departamento de Geociências da UFSC, nº 14, ano VII, pp. 161-182, segundo semestre de 1992.

Prof. Aziz Ab’Saber, Ely Araújo e Ary França publicada na revista Boletim Paulista de Geografia, nº 81, pp. 9-56, dezembro de 2004.

Prof. Pedro Pinchas Geiger publicada na revista GEO-SUL, Revista do Departamento de Geociências da UFSC, nº 17, ano IX, pp. 124-150, segundo semestre de 1992.

 Prof. Pasquale Petrone publicada na revista GEO-SUL, Revista do Departamento de Geociências da UFSC, nº 15, ano VIII, pp. 103-137, 1993.

Profs: Roberto Lobato Corrêa, Armen Mamigonia, Carlos Augusto de Figueiredo Monteiro, Manuel Correia de Andrade, Milton Santos e Orlando Valverde publicadas na revista GEO-SUL, Revista do Departamento de Geociências da UFSC, nº 12/13, ano VI, vs. págs., 2º semestre de 1991 e 1º semestre de 1992.

Prof. Spiridião Faissol publicada na revista GEO UERJ, Revista do Departamento de Geografia da UERJ, Rio de Janeiro, nº 1, pp. 79-94, 1997.

 

 

 


 

[1] Prof. Dr. do Departamento de Geografia da UFF ( www.feth.ggf.br  )

 

[2] Ao basear-me nestas três instituições realizei três trabalhos que demonstram que a chamada geografia tradicional no Brasil apresentava-se muito mais interessante; para conferir veja: www.feth.ggf.br/socgeorio.htm , www.feth.ggf.br/servigeoex.htm , www.feth.ggf.br/congresso.htm .

 

[3] Há um par de décadas a geografia produzida no Rio de Janeiro perdeu o poder de gerar um contraponto a maneira de interpretar paulista. O número de teses, os melhores e mais eficientes meios de veiculação da produção tem como marco o ambiente universitário paulista. Vivemos, literalmente, uma hegemonia paulista. Assim, convém termos claro que a consideração sobre a geografia tradicional há de se estabelecer um diálogo, cordial se possível, com esta matriz paulista.

 

Esta situação decorre da própria retirada do IBGE enquanto órgão produtor e estimulador do conhecimento geográfico, neste sentido, vale a pena a consulta do nosso artigo www.feth.ggf.br/FIBGE.htm , e das próprias universidades encontradas no Rio de Janeiro que relativamente perderam posições pois os principais órgãos de fomentos, de características, a saber, Conselho Nacional de Pesquisa - CNPQ e Comissão de Apoio a Pesquisa do Ensino Superior - CAPES, veio a perder sucessivos recursos, ao contrário da USP que pode contar com forte apoio da Fundação de Apoio a Pesquisa do Estado de São Paulo - FAPESP.

 

[4] Embora tenha ficado pouco tempo no Brasil a sua estadia não foi pouco profícua inclusive, um de seus trabalhos veio a ser reproduzido na comemoração dos 50 anos da Revista Brasileira de Geografia editada pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística intitulado - Geografia Humana do Brasil (1988).

 

[5] I Encontro Nacional de História do Pensamento Geográfico, São Paulo, vol. 1, pp. 131- 138, 1999.

 

[6] De sua produção, destacaria  Pioneiros e fazendeiros de São Paulo  e La croissance da ville de São Paulo; sendo que a primeira reputo ser a principal obra que li relacionada à geografia brasileira tradicional! Em segundo lugar viria Evolução da rede urbana brasileira de Pedro Pinchas Geiger que, aliás, merecia uma re-edição tal como ocorreu com a obra da autor francês.

 

Sobre Pierre Deffontaine, ele ficou poucos anos no Brasil, no começo de 1939 tentou voltar à França, mas não conseguiu, passou então a trabalhar na Espanha. ( Ferreira, 1999) Sobre a vida e obra de Pierre Monbeig convém a consulta à recente obra – Pierre Monbeig e a geografia humana brasileira, a dinâmica da transformação – organizada por Heliana Angotti Salgueiro.

 

[7] Além destas comissões Pereira ( 1994 ) destaca a importância assumida no século XIX da revista cognominada O PATRIOTA que destacava várias informações sobre o país.

 

[8] Com o satélite o quadro foi alterado, acabaram dando o papel maior para o IBGE, sobre o tema veja, como já citado: www.feth.ggf.br/Servigeoex.htm .

 

[9] Em 1953, ele fez uma resenha à AGB, e nesta mesma década fez uma memorável palestra na Sociedade Brasileira de Geografia.

 

[10] Até  meados da década de 70 o Brasil tinha notória parte ainda desconhecida. Só na década de 80 que mais de 80% do país foi mapeado .

 

[11] Terra Brasilis, ano 1, nº 2, jul/dez.2000 ( Rio de Janeiro ), ( pp. 113-145 ).

 

[12] E acrescentaríamos, de índios !

 

[13] In O corpo da pátria – imaginação geográfica e política externa no Brasil ( 1808 – 1912 ) de Demétrio Magnoli . São Paulo: Ed. Unesp/Ed. Moderna, 1997.( pp. 30-31 )

 

[14] Rio de Janeiro, IBGE 1993. Prefácio ( de Pedro Pinchas Geiger )

 

[15] Parece-nos que este é um dos sinais do projeto nacional via IBGE, via geografia, favorecer a integração nacional.

 

[16] Revista Brasileira de Geografia, IBGE:Rio de Janeiro, 56 ( ¼ ) : 21-122, jan./dez. 1994. Outros trabalhos que ajudam a compreender o período considerado por Maurício de Abreu são: AZEVEDO, Aroldo de – A geografia francesa e a geração dos anos setenta ( 1976); BAHIANA, Luis Cavalcanti . Teoria, metodologia e história do pensamento geográfico: flagrantes de um século de reflexão em periódicos selecionados (1992); BERNARDES, Nilo. O pensamento geográfico tradicional ( 1982 a) e A influência estrangeira no desenvolvimento da Geografia no Brasil ( 1982 b ); MACHADO, Lia Osório - “Origens do pensamento geográfico no Brasil: meio tropical, espaços vazios e a idéia de ordem ( 1870-1930 )” (1995) e  História do pensamento geográfico no Brasil : elementos para um programa de pesquisa (2000)  e MACHADO, Mônica Sampaio - A implantação da geografia universitária no Rio de Janeiro (2000).

 

[17] Cabe considerar que tal fato não teria decorrido estritamente da linha metodológica francesa que priorizava os estudos regionais; devemos considerar, também, um outro aspecto, qual seja, os geógrafos de então enfrentavam-se diante de notórias dificuldades para realizar suas pesquisas, ou seja, os dados censitários eram precários, a base cartográfica incipiente, os relatórios sobre as diferentes partes do país não estavam devidamente catalogados, etc. assim, o trabalho de campo representava um meio de melhor vasculhar este país de modo a melhor sistematizar as informações sobre o mesmo!

 

[18] Cabe frisar nosso trabalho www.feth.ggf.br/Congresso.htm que aborda os diferentes congressos promovidos pela então Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro inclusive o de 1940.

 

[19] Assim, a AGB vingou graças aos franceses!

 

[20] Aziz Ab’Saber e  Manuel Correia de Andrade em entrevista para a Revista Geo-Sul destaca a importância deste encontro para eles e para outros geógrafos. Sobre o tema, temos o nosso trabalho em www.feth.ggf.br/Congresso1956.htm

 

[21] Nota-se que há um processo de popularização dos encontros dos geógrafos, não deixando que ele fique restrito a poucas pessoas. Parece que estamos diante de um sintoma de que os trabalhos de campos ficavam dispendiosos, ou que, simultâneo a isto, já não se dava mais os recursos necessários para que eles pudessem existir a contento. De um certo modo, podemos relacionar este processo de popularização dos encontros, quando se verifica um aumento dos que assistiam os encontros com uma perda relativa dos geógrafos ( e da própria geografia ) de acento no Estado. É desta época que a geografia retira-se paulatinamente dos escritórios de planejamento e fica mais presente na sala de aula!

 

Além do observado, sendo procedente o que acima está registrado, devemos considerar que a avalanche que atingiu a AGB nos anos 1978/1979 no qual a mudança do estatuto facultou que o voto de um aluno fosse igual a de um profissional foi precedida, a rigor, por um lento mais sistemático processo de abertura, de democratização.

 

E se tudo isto é procedente, segue uma pergunta: a democratização da AGB não é sinal que o projeto paulista de 1938  já se encontrava superado ? Senão totalmente ... pelo menos parcialmente ... não podemos esquecer que a sede da AGB ainda fica em São Paulo!

 

[22] Nilo Bernardes – A influência estrangeira no desenvolvimento da Geografia no Brasil.Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, 44 ( 3 ): 519-527, jul./set. 1982.

 

[23] Após saída de Pierre Deffontaine, a AGB contou com Pierre Monbeig que chegou em SP em 1935 e foi ele que  inspirou a reforma da AGB em 1945. ( 1982, pp. 521-522 )

 

[24] A visita deste, que veio a ser genro de Vidal De La Blache, e a posterior vinda de diversos franceses ao Brasil nos anos seguintes está a indicar não só um projeto como já destacamos do Brasil em direção à Europa na época, como também, o oposto, a Europa, particularmente a França em direção ao Brasil Um projeto europeu que visava, no mínimo, alocar uma série de talentos que não encontravam fácil alocação naqueles difíceis tempos onde os horrores da primeira Guerra Mundial ainda não estavam esquecidos e já surgiam preocupantes sinais que a história se incumbiu de demonstrar nas piores formas possíveis poucos anos depois com a eclosão da segunda Guerra Mundial. 

 

[25] Para Pedro Pinchas Geiger a vinda de Leo Waibel para o IBGE, nos fins dos anos 40, representou o inicio da superação da Geografia Física pela Geografia Humana, nesta instituição. Waibel representa já uma Geografia influenciada pelo pensamento econômico, relacionando a evolução dos sistemas agrícolas aos sistemas econômicos, evocando a teoria de Von Thünen para a distribuição geográfica da produção agrícola. ( 1988, p. 72-73 ).

 

[26] Esta passagem não deixa de nos incitar a uma reflexão, qual seja, os europeus viajavam! Procuravam e conheciam o mundo. Não podemos deixar de considerar que há todo um projeto de poder, de característica européia, na profusão destes geógrafos andarilhos; mas a questão é: que projeto tinha o Brasil para os países europeus ? Em nome de que projeto tantos geógrafos brasileiros são enviados para a Europa ou Estados Unidos ? Que eu saiba nenhum! A não ser o de gerar elos de transmissão de uma relação de poder pelo qual o que há lá fora é melhor !

 

[27] Sobre este período cabe uma consulta ao depoimento do geógrafo Miguel Alves de Lima registrado em www.feth.ggf.br/Geografia.htm

 

[28] Sobre a geografia radical remetemos aos nossos dois trabalhos a saber: www.feth.ggf.br/GeografiaCrítica.htm e www.feth.ggf.br/Geocrítica.htm

 

[29] Há outras obras do autor que não podemos nos furtar, a saber, - Tendências atuais da Geografia brasileira, (1986), O pensamento geográfico e a realidade brasileira (1991); Pierre Monbeig e o pensamento geográfico no Brasil.(1994( a ); Uma geografia para o século XXI. Campinas ( SP ): Ed. Papirus, 1994 ( b ).

 

[30] Este trabalho não deixa de ser um desdobramento do mesmo autor, intitulado “Evolução do pensamento geográfico brasileiro: perspectivas ou a Geografia brasileira da industrialização por substituição de importações . A oitava economia do capitalismo” editado em 1980.

 

[31] Tal relato lembra o teor das tertúlias promovidas pela Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro com a presença do então Imperador D. Pedro II e seu genro Conde D’Eu sobre o Brasil. IBGE, neste sentido, é a clara expressão da elite dirigente deste país que para se viabilizar enquanto elite dirigente desenvolve melhor seu conhecimento sobre a imensa geografia do país. E provavelmente, um dos “segredos” de sua estabilidade, que nunca conheceu, até o momento, momentos de ruptura está nesta proficiência num saber particularmente estratégico dada as características do Brasil.

 

Na nossa avaliação o IBGE vem a ser o IHGB e a Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro  atualizados e articulado a um projeto de poder .

 

[32]Mais observações sobre a relação do IBGE, atualmente FIBGE, com a geografia veja: www.feth.ggf.br/FIBGE.htm

 

[33] Parece-nos que havia um conflito de índole institucional entre universidades x IBGE na luta pela hegemonia do discurso... não seria universidades paulistas x IBGE ? E internamente, na instituição, havia os não geógrafos decididos em minorar de vez a importância da Geografia enquanto expressão de um discurso de interpretação do país. Como sempre, os adversários dos geógrafos brasileiros encontram na divisão que há entre estes os melhores aliados para lograr seus objetivos.

 

Para Eli Penha, por sua vez, no início dos anos 70, quando, sob regime militar tecnocrático, o Brasil passa pelo segundo ciclo de industrialização e urbanização, a própria validade da permanência do IBGE, como órgão autônomo responsável por estatísticas, geografia e cartografia, foi questionada nas altas esferas do Ministério do Planejamento. Particularmente eram exigidos novos ritmos na investigação estatística, novas variáveis na pesquisa, novos indicadores na apuração. ( 1993, p. 13 )

 

[34] É interessante a pergunta do Pedro Geiger, porque ela embute uma outra indagação, a saber: não seria o caso de se imaginar uma aliança entre a geografia crítica, revolucionária ( etc. ) e a ascensão da universidade na produção do saber geográfico ? 

 

[35] Uma maliciosa pergunta: quem da geografia quantitativa brasileira gerou um clássico comparável aos estudos feitos no Brasil por Pierre Monbeig ou Pierre Deffontaine ? Convém lembrar que a FIBGE ao comemorar cinqüenta anos de sua revista – Revista Brasileira de Geografia – reproduziu como trabalhos clássicos somente aos relacionados à chamada geografia tradicional.

 

[36] No recente seminário sobre Espaço e Cultura realizado na Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ, foi destacado pela antropóloga Ana Maria Daou da UFRJ a importância de se resgatar, conhecendo-o o acervo fotográfico produzido pela FIBGE entre 1939 a 1968. Seu trabalho teve por título – Aiconografia da paisagem brasileira e foi apresentado no dia 28 de setembro de 2006 durante o referido seminário promovido pelo departamento de Geografia daquela universidade.

 

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